Regionalização. Porquê? Por quem está longe de Lisboa

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O tema é recorrente e, à boleia das eleições legislativas, lá vai ganhando destaque no espaço mediático. Foi assim, no passado recente, e é-o agora, também. Mas é, constantemente, discutido na sua centralidade. Nas ruas de Lisboa. Nas ruas de um país cada vez mais central, afastado das suas gentes. Nas ruas de um país cada vez mais afastado de si. A regionalização é mais, deve ser mais. Deve sair do Chiado e de São Bento. Deve ir pelas estradas nacionais, regionais e municipais ao encontro do país real, do país que não é a capital. Do país longe das sedes das grandes empresas, mas do país que, de sol a sol, luta para ser visto e ouvido.

O Algarve é disso um exemplo. Representa cerca de 5% do Produto Interno Bruto (dados referentes a 2019, antes do embate da pandemia), mas pouca força consegue ter nos corredores do Poder. Para o governo, o Algarve parece ser o destino de férias, mencionado apenas no verão. A região das praias. A região do turismo. O Algarve merece mais, os algarvios merecem mais. E melhor.

A regionalização vai ao encontro de um dos pilares da União Europeia - o princípio da subsidiariedade, que nada mais é do que a aproximação do poder às pessoas. Aproximar quem decide de quem é afetado pelas medidas adotadas. E quanto mais próximos estiverem estes dois eixos, mais assertivas serão as propostas, mais concretas serão as políticas e mais rápidas serão as decisões.

O Algarve tem estado, com este governo, refém de propostas anunciadas com pompa e circunstância, mas que continuam sem sair do papel. Avançar com o processo de regionalização em Portugal vai permitir ao Algarve ganhar força dentro do próprio país. Afirmar-se como uma região forte, dinâmica e com um potencial enorme capaz de captar ainda mais investimento. E enquanto a região estiver dependente do poder central nunca poderá caminhar e crescer por si.

A concretização da regionalização permite ao Algarve realizar esses projetos há muito prometidos. Dar autonomia ao Algarve seria dar um passo na efetiva requalificação da EN125, por exemplo. É um dos principais eixos de atravessamento do distrito de Faro, mas continua a apresentar graves problemas de segurança, zonas altamente degradadas e há muito que deixou de conseguir satisfazer as verdadeiras necessidades da população (residente e não só). Uma região forte poderia, ainda, lutar pela redução das portagens da A22 que, sendo a principal alternativa à EN125, pesa, e muito, no bolso dos algarvios. Dar mais autonomia ao Algarve permitiria avançar com a construção do Hospital Central do Algarve, dotando-o dos meios necessários para dar resposta às listas de espera cada vez maiores, que obrigam os algarvios a recorrer aos privados.

A regionalização poderia acabar de vez com outro dos grandes problemas que têm impedido o Algarve de avançar mais e, sobretudo, mais depressa. Acabar com a centralidade poderia ajudar a rever, finalmente, os planos diretores municipais, alguns com mais de 20 anos e, por isso, desfasados da realidade do século XXI. Planos desenhados nos anos 1990 e que, estando dependentes do governo e da Assembleia da República, impedem a atração e a fixação de projetos capazes de gerar valor acrescentado à região e que a torne menos dependente do turismo.

Outro exemplo diz respeito às ilhas-barreira, que finalmente poderiam ver o seu problema resolvido. Há muito tempo que este tema anda de mão em mão, de ministério em ministério e de governo em governo. É urgente fazer um levantamento atual para identificar quem vive realmente nestas ilhas, quem tem ali a sua primeira habitação, e quem, por outro lado, tem habitações secundárias. Não podemos continuar a aceitar que os proprietários de primeira habitação não possam remodelar as suas casas para as tornar mais seguras. Hoje nem a remoção das telhas de amianto pode ser efetuada. É inaceitável que os proprietários não possam ver as suas situações regularizadas simplesmente porque algumas entidades do Estado não cumprem a Lei que obriga o próprio Estado a facilitar a regularização das casas que são de primeira habitação

Mas regionalizar não pode, nem deve, significar um aumento da despesa com mais organismos públicos, antes pelo contrário. Deve ser a oportunidade para gastar onde é preciso e com quem precisa. Acima de tudo gastar melhor, com mais eficiência. E como conseguiríamos bons níveis de poupança/eficácia? Integrando todos os organismos, e que hoje se encontram dispersos, nos respetivos governos regionais.

E, mais, a escolha dos representantes regionais deve ser feita pela própria população, evitando as nomeações. Quem nos representa deve conhecer as suas pessoas, o território e todas as características que tornam cada região única.

E nunca nos devemos esquecer de que a regionalização, mais do que uma decisão meramente política, é um tema que toca a todos e que, à semelhança do passado, deve ser decidido por cada português, em referendo, após debates sérios e esclarecedores.

A regionalização deve ser discutida de norte a sul do país e do litoral ao interior. Deve ser analisada pelos autarcas das localidades do interior, pelos empresários que contra todas as dificuldades escolheram afastar-se da capital para aí fixar os seus negócios. São esses os grandes interessados. Somos nós que sairemos beneficiados por uma política descentralizada. Porquê? Porque o caminho de Lisboa ao país real parece ainda longo.

Professor na Universidade do Algarve

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