Regionalização. Desígnio constitucional prometido e sempre adiado

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A regionalização é, sem qualquer dúvida, tema de enorme importância para a democracia portuguesa. Tão importante que andamos a discuti-la há mais de 40 anos e já a sujeitámos a um referendo. Tão importante que motiva iniciativas em que se muda alguma coisa para que tudo fique na mesma, como aconteceu na eleição combinada dos presidentes das CCDR pelo voto de membros das assembleias municipais, vereadores e presidentes de câmara, no que constituiu um simulacro do que se pretende que seja, de facto, a regionalização do país com regiões administrativas e com órgãos próprios eleitos, mas pelo voto popular.

Como muito bem disse João Cravinho, estamos perante um "confucionismo democrático" em que os que foram eleitos não respondem perante os que os elegeram.

A verdade é que a regionalização é um desígnio constitucional prometido e adiado sistematicamente, embora, desta vez, as "condições políticas" sejam a razão apontada para contrapor à crescente exigência de muitos e muitos autarcas que, por todo o país, exigem que o processo avance para que possam, de uma vez por todas, deixar de estar exclusivamente dependentes de poderes distantes, e por vezes inacessíveis, que habitam os labirintos da macrocefalia ministerial lisboeta.

No referendo de 1998 ouvimos, com insistência, os detratores da regionalização afirmarem, com enorme carga de demagogia e desonestidade política, que este processo apenas visava a criação de nova classe política e de mais cargos e benesses para distribuir. Curiosamente, continuamos hoje a ouvir estes velhos argumentos, agora da boca de novos protagonistas que até já angariam seguidores onde não se esperaria que tal acontecesse.

Claro que a maioria dos que afirmavam então tal coisa olhavam, e ainda olham, com a habitual sobranceria para o resto do país como terras distantes sempre carentes da sabedoria dos poderes centralizadores da capital. É tempo de se abandonar esta visão centralista do poder que tantas dificuldades causa às nossas populações.

Portugal precisa de ter novos níveis de poder que estejam mais próximos do que as pessoas necessitam; níveis que possam ser governados por aqueles que lá estão, seja para lá do Marão ou não. Porque, afinal de contas, é disto que se trata e não apenas de um mero jogo de ganhos e perdas políticas e de condições que nunca são criadas. É, aliás, interessante constatar que, na União Europeia, apenas oito países não têm regiões administrativas ou outros níveis intermédios de organização do Estado com dirigentes eleitos por sufrágio direto universal.

Do que se trata, afinal, é de criarmos, em conjunto, as condições para que o poder esteja mais próximo das pessoas, para que o poder seja facilmente responsabilizável e escrutinado porque, afinal, desta forma até se sabe melhor quem são aqueles que o exercem.

Para nós, é isso a regionalização.
É, acima de tudo, a criação de condições para termos um país mais desenvolvido, com maior harmonia e em que o poder esteja próximo das pessoas e seja capaz de, a cada momento, compreender o que as populações precisam que seja feito.

Porque, se para lá do Marão devem (também) mandar os que lá estão, para cima e para baixo do Sado, ou para lá do Caldeirão, também são os que lá estão que sabem melhor o que precisam.

Há uns anos alguém escreveu num muro do Alqueva a célebre frase que ajudou, sem dúvida, a que a barragem fosse construída.

É tempo de dizermos o mesmo sobre a regionalização em Portugal.

Presidente da Câmara Municipal de Setúbal

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