Corneille Mboungou é do Congo e veio a Portugal para o casamento da irmã mais nova. Ficou, dada a situação política no seu país - era um alvo do regime militar , justifica - e pediu asilo. Chegou em dezembro de 2021, viajou até França, teve de regressar, vive há mês e meio no Centro de Acolhimento para os Refugiados (CAR 1) de Bobadela. Tem 70 anos, queixa-se "de uma nuvem" que lhe afeta a visão. Usa óculos mas há muito que não era observado. Afinal, tem uma catarata e vai ter que ser acompanhado..A consulta de oftalmologia decorreu no âmbito de uma ação da Fundação OneSight EssilorLuxottica, fabricante de lentes e óculos, que envolveu os utentes dos três centros de acolhimento do Conselho Português para os Refugiados (CPR): Bobadela, São João da Talha e Lisboa, este para menores.."Temos protocolos com alguns organismos nomeadamente da área da saúde, que acontecem regularmente e, depois, vamos tendo contactos de empresas que apoiam com iniciativas. Este ano, fomos contactados pela Fundação e, claro, dissemos que eram bem vindos", explica Rita Pereira, coordenadora do apoio social do CPR..Fizeram um primeiro rastreio na semana anterior à iniciativa e os optometristas detetaram problemas de visão em 50 % dos que foram observados. Receberam todos óculos de sol e 32 tiveram indicação para a consulta de oftalmologia. O que aconteceu no passado dia 13, Dia Mundial da Visão..Corneille foi um dos primeiros a serem vistos e não escondia alguma ansiedade. É a idade, também sofre de diabetes tipo II, tem dificuldades em ver. "Não vejo muito bem, em alguns dias sinto umas névoas", descreve. Ficou muito mais descansado depois da consulta. "Não tem lesões na retina que poderiam ser motivadas pelos diabetes. Tem uma pequena catarata. Com os óculos que receitámos consegue ver 80/90%, ainda não é motivo para operação, vamos acompanhando", explica Ana Amaro, uma das quatro oftalmologistas que se voluntariaram..Viram nesse dia mais alguns utentes do que os 32 previstos. "São pessoas que precisam de usar óculos ou de atualizar as lentes, a grande maioria disse que já tinha usado óculos. Além de uma catarata, vimos um doente com possível glaucoma, vai ser reencaminhado para os Lusíadas, o hospital onde trabalhamos", acrescenta a médica..Ben Jadin, 19 anos, da Gâmbia. mudou de lentes e de óculos . Escolheu uns azuis para dar com a camisola: "É à Porto". Explica: "O meu clube de futebol é o Porto. Quando vim para Portugal, vim diretamente para o Porto. Gostei logo da cidade e falaram-me do clube"..Foi há dois anos, era menor e terminava uma viagem do seu pais iniciada aos 13 anos, sem a companhia de qualquer familiar. Da Gâmbia para a Líbia, meteu-se depois num barco para a Sicília, sobreviveu. Pediu proteção a Itália e um programa internacional encaminhou-o para Portugal..Vive no centro da Bobadela e está a terminar o 9. º ano para seguir para um curso profissional de eletricista, o seu sonho..Sampson Gyamby, 39 anos, chegou pelos próprios meios, em outubro. É natural do Gana, onde deixou dois filhos. Justifica que corria perigo de vida no seu país por questões políticas. Agora, o que quer é trabalhar. "Faço qualquer coisa". Nunca tinha ido a um oftalmologista, saiu da consulta com a prescrição para usar óculos..Farouh e Salha, ambas da Síria, tiveram de recorrer a um compatriota para traduzir as queixas da visão. Também vão usar óculos..A Fundação OneSight pretende eliminar a má visão até 2050, o que justifica com dados internacionais que revelam que metade da população mundial terá miopia. As suas ações visam apoiar pessoas com necessidades de correção visual e sensibilizar para a importância da saúde visual na integração social, seja no desempenho profissional ou no sucesso escolar.."Começámos nos países subdesenvolvidos, mas na Europa também temos situações de carência, não só em Portugal, e decidimos realizar ações em países europeus", conta Margarida Barata, diretora de marketing e do departamento de filantropia para a Europa..As iniciativas ocorrem, em geral, com as populações mais vulneráveis, como no Bairro do Cerco (Porto), das Aldeias SOS, em Centros Porta Amiga da AMI e em escolas..O CPR foi fundado há 31 anos e apoia cerca de 500 refugiados, entre as quais 65 a 70 que vivem em cada um dos dois centros de acolhimento e 18 crianças no espaço dedicado a menores. Nestas mais de três décadas apoiaram 14 mil refugiados..ceuneves@dn.pt