Refugiados em Portugal
Durante a II Segunda Guerra Mundial, Portugal podia ser um país de trânsito mas nunca um destino definitivo para os que fugiam a Hitler
Nos anos 20 e 40 do século XX, a Europa, incluindo Portugal, foi palco de uma vaga de refugiados. A concentração foi diferente da vaga a que assistimos hoje, pois foi ao longo de vários anos. Fugiam do Centro da Europa, Alemanha, Áustria, Polónia e depois de todos os territórios ocupados pelas tropas nazis. A fuga devia-se às perseguições políticas, raciais e anti--semitas de Hitler, bem como à guerra, embora não se soubesse então que o era, da morte certa, em particular do Holocausto, a partir de final de 1941.
Ironicamente, foi numa ditadura autoritária e nacionalista, com simpatias pelo anticomunismo e o antiliberalismo do regime nazi alemão, que muitos refugiados, com costumes diferentes, comportamentos sociais e opiniões culturais e políticas diversas se relacionaram com os portugueses. A ausência de anti-semitismo na ideologia salazarista, o facto de o regime ditatorial português, apesar de ter semelhanças com o regime nazi, se ter diferenciado em aspectos essenciais do alemão, assim como as circunstâncias geopolíticas da neutralidade portuguesa, acabaram por possibilitar a salvação através de Portugal de muitos dos perseguidos pelo nacional-socialismo. A sua entrada no país foi, porém, dificultada, pela Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), e a presença apenas tolerada enquanto estada temporária de trânsito e o exílio definitivo impedido.
O governo, através do Ministério do Interior, e portanto da PVDE, pretendia, desde Maio de 1935, impedir a entrada não só aos judeus alemães, mas a indivíduos polacos, russos, heimatlos (apátridas). O Ministério dos Negócios Estrangeiros concordou e enviou a todas as representações diplomáticas a circular n.º 8, com os objectivos da PVDE.
A situação nos territórios alemães pioraria a partir da Noite de Cristal e, para gerir a "inundação" de refugiados judeus expulsos dos territórios alemães que procuravam refúgio noutros países, o presidente Roosevelt convocou uma conferência em Évian. Portugal não participa por não ter sido convidado. Vários países introduzem legislação impedindo a entrada de estrangeiros sem vistos que não pudessem regressar aos "seus países por motivos políticos ou em virtude das leis de raça". Como noutros países europeus, a política portuguesa de fronteiras tornou-se tanto mais restritiva quanto maior era o afluxo de pessoas que necessitavam de salvar a vida através de Portugal.
Com a invasão da Polónia pelas tropas alemãs, em 1 de Setembro de 1939, deu-se início à II Guerra Mundial. No próprio dia, Salazar declara a neutralidade de Portugal no conflito bélico, contribuindo esse factor para que muitos refugiados fugissem para a Península Ibérica. Já depois do início da II Guerra Mundial, o director da PVDE, Agostinho Lourenço, enviou, em 24 de Outubro de 1939, uma carta confidencial ao responsável pelo MNE - o próprio Salazar - em que solicitava colaboração para o endurecimento da política restritiva de vistos. O MNE concordou com a proposta da PVDE, pois enviou, em 11 de Novembro de 1939, às suas repartições diplomáticas, a circular n.º 14 que atribuía exclusivamente a concessão de vistos a diplomatas de carreira.
Estes tinham porém de consultar a PVDE e o Ministério, antes de visarem passaportes. Em 15 de Junho de 1940, no dia seguinte à ocupação de Paris pelos alemães, os diplomatas portugueses receberam nova directiva: os vistos de trânsito por 30 dias só podiam ser concedidos a refugiados munidos com bilhetes de passagem e visto de entrada num país de destino. Portugal podia ser um país de trânsito mas nunca um destino definitivo.
Dado que era muito difícil obter vistos portugueses, que à época representavam a vida ou a morte anunciada, muitos fugitivos não conseguiram assim atingir as fronteiras portuguesas e outros só entraram no país, clandestinamente ou com documentos, concedidos contra as ordens de Salazar e da polícia, como foram os dados, pelo cônsul em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes. Em Junho de 1940, este tomou a decisão de conceder vistos a todos os que lhe pediam, em Bordéus, Baiona e Hendaia, desobedecendo à circular n.º 14 do MNE e a Salazar.
Em resultado da acção de Aristides de Sousa Mendes, um despacho de 16 de Dezembro de 1940 passou a fazer depender a concessão de todos os vistos de trânsito portugueses exclusivamente da autorização da PVDE. No entanto, milhares de refugiados, a maioria dos quais munidos de vistos concedidos pelo cônsul em Bordéus, chegaram à fronteira portuguesa, em Junho de 1940. Segundo uma estimativa, entre Junho de 1940 e Maio de 1941, passaram pelo país cerca de 40 mil pessoas, parte das quais foram colocadas fora de Lisboa, à espera de partirem de Portugal, pois apenas se aceitava que o país fosse uma via de trânsito além-Atlântico, e não de exílio definitivo
Nos dias 24, 25 e 26 de Junho, milhares de telegramas a pedir assistência e uma intervenção junto das autoridades portuguesas, em Vilar Formoso, para onde o capitão Agostinho Lourenço, da PVDE, se deslocou. Ao confrontar-se com a necessidade de escoar a torrente de refugiados que aí se amontoavam, decidiu seguir a ideia de desviar muitos deles para zonas balneárias e termais, onde havia hotéis e pensões. Os que tinham vistos concedidos por Sousa Mendes foram enviados para locais de "residência fixa", pois sabia-se que esses documentos não tinham sido dados segundo as regras oficiais de passagem e estada no país, enquanto os possuidores de vistos para países além-Atlântico de destino eram autorizados a seguir de imediato para Lisboa.
O correspondente do jornal The New York Times descreveu o centro da capital portuguesa, onde os refugiados eram vistos "no café Lisboa, na Av. da Liberdade, onde se juntam para se consolarem mutuamente, e no Rossio, a principal praça onde observam diariamente os boletins noticiosos com informações sobre o curso da guerra". Também a zona do Estoril e Cascais, com os hotéis de luxo e o casino, foi local de alojamento dos refugiados ricos, que aí permaneceram, ao lado de espiões, diplomatas e ex-governantes da Europa ocupada.
O salvamento dos perseguidos pelo regime nacional-socialista através de Portugal teria sido muito mais difícil sem as organizações internacionais de auxílio, cuja actuação do governo português foi obrigado pelas circunstâncias a permitir, sem apoiar porém activa e directamente os refugiados, limitando-se a tolerar que fossem auxiliados por outros. Num relatório do director de uma dessas organizações, Joint, Morris C. Troper, deu conta de que viviam em Portugal, no início de 1941, entre 6000 e 10 mil refugiados.
Saber ao certo quantos refugiados passaram, por Portugal, durante a II Guerra Mundial, é difícil, devido à ausência de fontes sobre as entradas legais dos refugiados. De qualquer forma, Portugal foi um país de trânsito e, não, um país de exílio, através do qual cerca de 60 a 80 mil refugiados se salvaram. No pós-guerra, Salazar pôde respirar de alívio, pois tinha gerido de forma pragmática, mas nacionalista, uma "invasão" inevitável e indesejada, não deixando que os refugiados ocupassem lugares no mercado de trabalho, se integrassem na sociedade nacional, permanecessem no país e "contaminassem" a vida autárcica e isolada imposta aos portugueses. Além do mais, graças à acção de Aristides de Sousa Mendes, ironicamente, o Portugal de Salazar pôde apresentar--se como tendo salvo refugiados.