Reforma do Mercado Único Digital

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Está, neste momento, em discussão no seio da União Europeia uma proposta de Diretiva da Comissão, de 14.09.2016, sobre o Direito de Autor no Mercado Único Digital.

Esta proposta avança com uma solução possível para a desigualdade que se verifica na partilha de valor, assente, sobretudo, nos proveitos económicos gerados pela utilização de obras pelos serviços da sociedade de informação, que armazenam e facultam ao público grandes quantidades de trabalhos protegidos pelo Direito de Autor, sem a atribuição de uma justa remuneração aos titulares dos respetivos direitos.

No fundo, pretende-se corrigir a manifesta desigualdade existente entre Titulares de Direitos exclusivos, que, na prática, estão a ser expropriados da sua propriedade intelectual pela comunidade, em proveito quase exclusivo dos prestadores de serviços da sociedade de informação.

É, assim, muito importante que a futura Diretiva forneça indicações claras sobre as circunstâncias em que um prestador intermediário de serviços da sociedade de informação deixa de poder ser considerado como prestador de armazenamento passivo ou neutral, para passar a poder ser visto como parte ativa no processo e, como tal, a poder ser responsabilizado pela licitude ou ilicitude dessa atividade.

É neste sentido que o legislador comunitário se propõe "adotar medidas que assegurem o funcionamento de acordos celebrados com os titulares de direitos relativos à utilização das suas obras ou outro material protegido".

Mais: nos termos do recente estudo "Economic Analysis of Safe Harbour Provisions", da autoria do professor Stan Liebowitz da Universidade do Texas, fica claro que as regras do "Porto Seguro", criadas há 25 anos para incentivar o desenvolvimento do mercado digital, estão hoje a distorcer o mercado no que diz respeito ao pagamento, ou melhor, ao não pagamento aos titulares de direitos.

A propósito deste estudo, o Diretor-Geral da CISAC, Gadi Oron, disse: "Este estudo mostra que os portos protegidos na legislação autoral, projetados para uma internet do século XX, precisam urgentemente ser reexaminados no século XXI. Em vez de proteger empresas de internet que simplesmente oferecem instalações de armazenamento, como era o seu propósito original, são hoje usados portos seguros para proteger os gigantes da tecnologia do pagamento aos criadores pela utilização das suas obras.

Este não é um problema que possa ser resolvido apenas pela indústria - é uma responsabilidade para os governos que se preocupam com o sector cultural e criativo. Os criadores merecem leis do século XXI que garantam um pagamento justo pelas suas obras e não leis que transferem o valor dessas obras para os serviços digitais globais. A tecnologia evoluiu, e a lei deveria evoluir com ela".

Aproveito, também, para deixar aqui uma nota de apreço pela posição que o representante do Estado Português junto da COREPER - Comité de representantes permanentes que representam os Estados Membros - bem como o Governo Português têm mantido junto do grupo de países que mais pretendem alterar a situação atual, de modo a minimizar os efeitos perversos que atualmente se verificam no que diz respeito à distribuição de receitas geradas com as utilizações de obras protegidas pelo Direito de Autor.

Porque este é um tema atual e prioritário para todos os titulares de direitos que veem a sua criatividade, os seus empregos e os investimentos intensivos nas indústrias audiovisuais colocados em causa por uma realidade assente em premissas alicerçadas na utilização não autorizada de obras, não posso deixar de referir e de realçar a importância da conferência internacional organizada pela GEDIPE para discutir abertamente com alguns dos maiores especialistas e conceituados professores mundiais, em Direito de Autor, a Reforma do Mercado Único Digital.

Da lista de personalidades que vamos ter o privilégio de receber entre nós, destaco alguns nomes, sem menosprezo para os demais: Pierre Sirinelli, professor na Universidade de Paris; Silke Von Lewinski, professora no Instituto Max Planck de Propriedade Intelectual de Munique e na Universidade de Direito de New Hampshire nos EUA; Mihály Ficsor, antigo Diretor Geral Delegado da OMPI; Paul Torremans, professor de Direito da Universidade de Nottingham e Victor Nabhan, também professor honorário da mesma universidade e antigo Presidente da ALAI- Association Littéraire et Artistique Internationale fundada por Victor Hugo no Sec. XIX.

Com este painel de oradores e com muitos outros profissionais especialistas nestas matérias, de reconhecidos méritos, tal como o Presidente da AGICOA Chris Marcich, estou certo e não exagerarei se disser que esta conferência será, sem dúvida, uma das mais importantes que alguma vez se realizaram em Portugal sobre o Direito de Autor, sobretudo no atual momento da discussão da Reforma do Direito Europeu nesta matéria, conduzida em parte pelo triálogo entre Comissão Europeia, Parlamento Europeu e o Conselho e também pela intensa atividade do Tribunal de Justiça Europeu.

Por último, não posso deixar de sugerir aos académicos, aos decisores políticos, magistrados e a todos os profissionais que se cruzam com estes temas no seu dia a dia, para aproveitarem o conhecimento e as reflexões que certamente irão sair desta conferência, que é de entrada livre e, em boa hora, e faz parte de um plano estratégico de partilha do saber especializado que se pretende generalizar na sociedade da inovação e do conhecimento.

Advogado e Diretor Geral da GEDIPE

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