Reforçar o CEMGFA: mais problemas sem meios para resolver
O senhor ministro da Defesa Nacional quer reformar a estrutura superior das Forças Armadas. Nada que os seus antecessores não tenham também abordado, mas que nunca foi concretizado na totalidade. Em termos simples, trata-se de dar mais autoridade ao chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), pela via da atribuição de competência efetiva no comando operacional das Forças Armadas, deixando os chefes de Estado-Maior dos ramos apenas na linha de dependência do CEMGFA, como responsáveis por fornecer os meios.
Desde há muito que comento este assunto, discordando da solução proposta. Não por falta de reconhecimento da necessidade de proporcionar ao CEMGFA todas as condições em falta para o desempenho das suas altas responsabilidades. A minha discordância tem derivado de razões conceptuais e de razões práticas que, embora ultrapassáveis, não têm sido atendidas. Passo a explicá-las.
No primeiro campo, porque não consigo conceber a reforma isolada de uma revisão da própria organização do Estado no âmbito da Defesa, assumindo a responsabilidade objetiva de definir prioridades claras, clarificar o modelo de Forças Armadas mais adequado ao atual contexto geopolítico e garantir que a estratégia adotada não peca por desencontros entre recursos e objetivos, condições que não se têm verificado. Se este quadro não for corrigido de antemão, o CEMGFA, com a nova reforma, terá, juntamente com a pretendida e justa maior autoridade, um conjunto muito mais alargado de problemas, sem meios para os resolver.
No segundo campo, porque o impacto da solução apresentada é, ao contrário do que se deseja, mais "pesado" do que se imagina. Por exemplo, no que respeita à criação de um órgão de apoio ao comando operacional do CEMGFA (um centro de operações conjunto que englobe todas as valências dos centros operacionais dos ramos). Estou a partir do princípio de que, por razões elementares de segurança, o CEMGFA não vai exercer as suas novas funções a partir de instalações num dos andares do edifício onde está instalado.
Não conheço qualquer detalhe sobre como se pretende concretizar a reforma anunciada. Admito que se tenham encontrado respostas para os obstáculos que no passado impediram o assunto de avançar e que as interrogações acima postas tenham sido consideradas. Terei de esperar para ver.
Para já, apenas me surpreendem as razões invocadas pelo senhor ministro na entrevista que deu á agência Lusa. Foram essencialmente duas.
Primeira, garantir que o CEMGFA "tenha à sua disposição a qualquer momento as forças de que precisa para executar as suas missões". Fica no ar a ideia de que se isso não tem acontecido se deve a problemas na linha hierárquica das Forças Armadas. Não será certamente isto que quis dizer, porque a realidade aponta para motivos bem diferentes, que toda a gente conhece e que não terão solução satisfatória, no atual quadro financeiro, sem recurso a uma seletiva priorização das missões.
Segunda, pôr fim a um modelo que já "nenhum país da NATO adota, porque, entretanto, já todos evoluíram".
Num contexto de segurança em quase contínua evolução, a disponibilidade para adaptar em função das novas situações tem, de facto, de estar muito presente. Mas se a preocupação é fazer como fazem os parceiros na Aliança, então teremos bastantes campos a que prestar atenção conjunta porque nem todos, na área da Defesa, respeitam apenas às Forças Armadas.
Espera-se que o assunto esteja mais estudado do que aparenta pelo que veio a público.
Vice-almirante, ex-vice-chefe do Estado-Maior da Armada