Referendo para afastar Maduro, o trunfo da oposição a partir de abril

Líder venezuelano tem pela frente desafio de governar sem o apoio do poder legislativo, após perder maioria na Assembleia
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"Não se pode esperar pelas eleições presidenciais de 2019. A mudança política na Venezuela tem data e é o primeiro semestre de 2016." A mensagem de Leopoldo López , opositor venezuelano condenado a 14 anos de prisão por incentivo à violência nos protestos de 2014, foi partilhada pela mulher, Lilian Tintori, no Twitter, ainda em novembro. Depois do resultado eleitoral da oposição no início de dezembro, conquistando a supermaioria de dois terços na Assembleia Nacional, o objetivo de afastar o presidente está mais próximo.

A 19 de abril, Nicolás Maduro terá cumprido metade do mandato e, segundo a Constituição, os deputados já terão o poder de convocar um referendo para decidir a revogação do mandato. Precisarão só de recolher assinaturas de 20% dos eleitores. Um tal referendo não seria novo: em 2004, a oposição tentou revogar o mandato do então presidente Hugo Chávez, mas, na hora do voto, 59,1% disseram não.

O cenário para Maduro, herdeiro político do falecido presidente, não será tão fácil. Mas o chefe do Estado não está pronto a deixar cair o chavismo sem luta. Aproveitando a maioria que ainda tem - a nova Assembleia só toma posse a 5 de janeiro - criou uma espécie de parlamento alternativo, o Parlamento Comunal, destinado a favorecer as bases, nomeou vários juízes para o Supremo Tribunal e ameaçava prolongar o prazo das leis habilitantes, que lhe garantem mais poderes. E poderá ter na manga mais trunfos para tentar governar sem o poder legislativo.

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Na Assembleia, a opositora Mesa de Unidade Democrática (MUD) - cuja primeira medida será aprovar uma amnistia aos presos políticos que Maduro promete travar - também enfrenta desafios. Desde logo, manter-se unida. Para poder usar o seu superpoder, precisa de cada um dos 112 deputados eleitos. "Tendo em conta o percurso da oposição, não há garantias de que ela vá agir de forma homogénea e unida. Tenho alguns receios que alguns líderes opositores possam vir a pactuar com o governo chavista. São 112 deputados e basta um votar com o governo para a oposição deixar de ter a maioria de dois terços", disse ao DN Nancy Elena Ferreira Gomes, professora de Relações Internacionais da Universidade Autónoma.

A luso-venezuelana, filha de madeirenses que emigraram para a Venezuela nos anos 1950, veio para Portugal em 1991 para prosseguir os estudos e acabou por ficar. Assistiu à ascensão do chavismo (a partir de 1998, com a eleição de Chávez) ao longe. "Sou profundamente idealista, acredito que as coisas podem mudar e não vou negar que senti uma certa admiração por Chávez e pela preocupação com um setor da população que estava totalmente marginalizado", indicou. Com o passar dos anos, começou contudo a olhar com preocupação para a deterioração das instituições.

Chávez vs. Maduro

"Chávez subiu ao poder com uma grande margem de popularidade e tinha a seu favor uma região entretanto também contagiada com essa ideologia de esquerda. E tinha os petrodólares. Os ventos corriam a seu favor", recorda Nancy Elena Gomes. A situação que enfrenta Maduro é totalmente diferente: "Neste momento os ventos não são favoráveis nem de fora nem de dentro", diz a professora.

A Argentina acaba de eleger um presidente de centro-direita, Cuba aproximou-se dos EUA, e, no Brasil, a presidente Dilma Rousseff tenta travar o impeachment. A nível interno, a situação é ainda pior. A inflação na Venezuela atinge os 200% e a previsão para o próximo ano é para uma queda de 7% da economia (totalmente dependente das exportações do petróleo). "O fator determinante para o resultado eleitoral foi os venezuelanos deixarem de ter leite, farinha, pão... As filas são intermináveis", diz a luso-venezuelana, que aponta também o dedo à insegurança. "A questão sempre foi preocupante, mas agora está fora de controlo. Neste momento, as pessoas já agradecem não ser mortas no meio da rua."

Maduro culpa a oposição e as empresas privadas pela "guerra económica", que diz ser a causa do desabastecimento. Mas a professora defende que são precisas medidas urgentes para melhorar o estado da economia. "E essas medidas, os portugueses sabem, são duras. E no caso da Venezuela poderão ser extremas. O chavismo não combina com a austeridade", afirmou, acreditando por isso que o fim do chavismo é irreversível. "O processo pode contudo demorar muito tempo e será feito à custa de mais pobreza e mais insegurança", vaticina.

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O presidente diz que os resultados eleitorais foram "uma bofetada para despertar", mas acredita que será capaz de dar a volta. "É verdade que estamos numa crise quase de carácter terminal por fatores que se conjugaram com o preço do petróleo. Tudo isso obriga-nos a unir-nos num só esforço e num só plano. Não há tempo para a cobardia, não há tempo para retroceder. A Venezuela pode superar esta crise."

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