Recuperar sob a lente verde e da inclusão

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À medida que as principais economias lançam programas de recuperação de biliões de euros, temos oportunidade para construir políticas verdes e inclusivas, que unam um mundo cada vez mais fraturado, mais desigual.

A resposta à pandemia acelerou mudanças e trouxe o mundo para novas realidades. Se, por um lado, a capacidade de adaptação do ser humano ficou novamente comprovada, também é verdade que temos hoje sociedades e economias não só mais frágeis, mas mais fragmentadas. Os sucessivos confinamentos e a perda de rendimentos, assim como a veloz digitalização da economia, acentuaram fragilidades económicas e fissuras sociais já existentes pré-pandemia. Desconhecia-se a sua existência? Não. Nem todos foram afetados da mesma forma pela crise e o fosso tornou-se cada vez maior entre "quem tem" emprego, segurança, tecnologia, oportunidades e rendimentos e "quem não tem". Quem não os tinha e quem os perdeu. Definitivamente? Veremos. Espero que não, que consigamos, em conjunto, recuperar e encurtar essa distância socioeconómica que tanto nos afasta.

Não é por acaso que o Global Risks Report 2021, do Fórum Económico Mundial, aponta a desigualdade digital como um dos riscos mais prováveis a curto prazo, e a erosão da coesão social como risco a longo prazo. Os efeitos económicos da pandemia atingiram, e continuarão a atingir, desproporcionalmente os mais novos - que entrariam agora no mercado de trabalho -, os mais pobres, os que têm menos competências digitais e as minorias, alargando o fosso no acesso aos recursos financeiros, saúde, educação e até às novas oportunidades na economia digital.

Precisamos agir rapidamente, criando alicerces transversais na recuperação económica e social que não deixem ninguém para trás. Responder às fraturas sociais não permite apenas mitigar os riscos de coesão social e de crises de subsistência - também apontadas como muito prováveis no relatório -, mas permite também minimizar o impacto, de forma interligada, de outros riscos globais, como os económicos, geopolíticos, mas também os climáticos. Sabemos que um futuro mais fragmentado vai dificultar a ação climática e uma recuperação verde. A tomada de consciência de que um mundo melhor e menos desigual é possível, e que quem pode contribuir para esse objetivo somos todos nós, é necessária e urgente!

Importa não esquecer que os efeitos das alterações climáticas podem tornar ainda mais vulneráveis aqueles que já têm pouco ou nada a perder. No Texas, por exemplo, milhões de pessoas ficaram recentemente sem acesso a eletricidade, em resultado de uma vaga de frio glacial e do colapso de infraestruturas energéticas, desenhadas para pressupostos climáticos desatualizados. A crise energética afetou sobretudo minorias e comunidades de baixos rendimentos. Surpresa? Sim, vamos
ser surpreendidos com mais frequência...

Este é um momento-chave para melhorar a visão de longo prazo: as principais economias - com liderança europeia, norte-americana e chinesa - estão a investir biliões de euros na recuperação pós-covid-19 e a lente do desenvolvimento sustentável e da inclusão não pode ser deixada para trás. É preciso envolver todas as partes interessadas no mesmo objetivo, com modelos de colaboração inovadores, novas formas de parcerias público-privadas e abordagens multilaterais. Para construir uma realidade melhor temos de analisar as lições desta crise e responder com soluções de futuro, desenvolvidas por (e para) todas as gerações e comunidades. E, sobretudo, é preciso querermos!

Só assim o investimento pode gerar oportunidades para todos, a partir de políticas verdes e inclusivas, nas quais os riscos globais são geridos holisticamente. Só assim teremos matéria-prima para pontes sólidas - que unem sociedades e economias atualmente fraturadas -, aptas a orientar uma recuperação global, sustentável e duradoura. É possível diminuir este fosso e aproximar a distância social.

CEO da Zurich Portugal

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