Recuperar o tempo perdido, cá e lá

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Como sempre sucede numa Europa que avança ao ritmo das crises, em 2014, aprovámos com grande solenidade a União da Energia, dando uma ampla resposta à crise climática (na véspera do Acordo de Paris) e à insegurança energética (causada pela invasão da Crimeia). Muito se avançou desde então na vertente verde (nas metas de clima e renováveis), mas a dimensão de segurança marcou passo (as interligações ibéricas ainda não saíram do papel e, paradoxalmente, o Nord Stream 2 avançou).

Agora não há desculpas. Nem em Bruxelas nem em Lisboa. A atual crise energética, traduzida numa escalada de preços, exige a adoção de soluções de efeito imediato, mas não dispensa outras de natureza mais estrutural. No que diz respeito às soluções de efeito rápido, considero que é necessário ir além daquilo que foi anunciado - a devolução, no ISP, do acréscimo de receita de IVA arrecadado pelo Estado ou a atribuição de um subsídio no gás de botija aos beneficiários da tarifa social de eletricidade.

Além de medidas essenciais e que carecem de autorização europeia (como a descida do IVA na energia e as ajudas às empresas mais afetadas), é urgente avançar para outras soluções que dependem apenas da nossa vontade política. Em primeiro lugar, alargar as tarifas sociais de gás e de eletricidade a mais consumidores e aumentar o montante do apoio a atribuir por família. Em segundo lugar, concretizar plenamente a reforma da fiscalidade verde, devolvendo aos cidadãos e às empresas (por via da descida do IRS, do IRC e da atribuição de incentivos à mobilidade sustentável e à eficiência energética) as crescentes receitas arrecadadas pe lo Estado através da taxa de carbono.

Quando aprovámos a reforma da fiscalidade verde em 2014, assegurámos, no Orçamento de 2015, o escrupuloso respeito pelo princípio de neutralidade fiscal: todas as receitas adicionais geradas pelas taxas sobre a poluição (gases com efeito estufa, sacos plásticos, resíduos, recursos hídricos) foram alocadas à descida do IRS (através do quociente familiar) e aos incentivos à aquisição de veículos elétricos. A verdade é que esse foi o único ano em que se respeitou a neutralidade fiscal (a falta de escrutínio sobre esta violação do artigo 50 causa-me a maior perplexidade). Em terceiro lugar, é urgente travar o efeito de contágio dos preços do gás natural na eletricidade através de uma intervenção, de natureza temporária, no mecanismo de formação de preços grossistas da eletricidade no mercado europeu, de forma que não seja a tecnologia mais cara a determinar o preço da eletricidade grossista, mas antes se permita que os consumidores tirem pleno partido dos custos mais baixos proporcionados pelas energias renováveis. Sendo, igualmente, fundamental, como preconizado nesta semana por Jorge Vasconcelos, reformar o mercado europeu de gás natural tornando-o mais assente em contratos de longo prazo.

Mas é preciso que, no contexto europeu, se recupere o tempo perdido desde a aprovação, em 2014, da União da Energia e se alinhem (através de políticas e de financiamento) os objetivos de segurança energética com o combate às alterações climáticas. Isso passa por: aumentar a penetração das energias renováveis e acelerar a transição para a mobilidade elétrica e para a mobilidade sustentável; promover o biogás e o hidrogénio verde; aumentar a eficiência energética dos edifícios e da indústria; diversificar os fornecedores de gás natural (substituindo o gás da Rússia por outras origens - via pipeline e LNG); reforçar as interligações, de gás e de eletricidade, entre a Península Ibérica e Franca, cumprindo o acordo alcançado em 2014; aumentar os níveis mínimos de armazenamento de gás. De acordo com o plano apresentado nesta semana pela Agência Internacional de Energia, é possível reduzir entre 33% e 50%, até ao final deste ano, a dependência do gás da Rússia.

Sabemos o que é necessário fazer. Oito anos depois da primeira invasão da Ucrânia, a UE não tem desculpa se continuar a falhar na redução da dependência dos combustíveis fósseis.


Presidente do think tank Plataforma para o Crescimento Sustentável

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