"Recuperar a soberania monetária" é a reforma das reformas

Octávio Teixeira, antigo líder parlamentar do PCP, dá uma ideia para o país. Cinco personalidades dizem ao sábado o que mudavam no país. Esta é uma rubrica do DN exclusiva para o mês de agosto
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Economista de formação, Octávio Teixeira não tem sombra de dúvida sobre aquela que devia ser a reforma das reformas. Recuperar a "soberania monetária" seria, para o antigo líder parlamentar do PCP, a "única forma de recuperar os instrumentos de política sem os quais não é possível a escolha de que é feita a soberania democrática".

Afastado da política ativa há alguns anos, embora tenha mantido a ligação aos temas da atualidade através de colunas de opinião nos jornais, Octávio Teixeira considera que os constrangimentos ditados pela integração na zona euro são mais do que um empecilho, "são um obstáculo ao desenvolvimento do país". É por isso que defende que o país só terá um crescimento sustentado se se libertar da sujeição ao euro. "É uma moeda demasiado cara para a nossa estrutura económica."

A recuperação da soberania económica também é urgente porque, "ao contrário do que alguns pretendem fazer crer", o "Tratado Orçamental não é suscetível de leituras inteligentes". Afirma que continuará a ter efeitos recessivos sobre a economia, deprimindo o consumo, o investimento e impondo o trabalho sem direitos, a redução do Estado social, a privatização de tudo o que possa dar lucro, o empobrecimento, a imigração permanente dos mais jovens.

Depois, diz Octávio Teixeira, "é evidente a necessidade de libertação do fardo da dívida pública para a prossecução de políticas públicas de promoção da coesão social e do crescimento económico e cujo serviço consome anualmente elevadíssimos recursos financeiros (comparáveis aos que se gastam com o SNS)". E acrescenta: "A que acresce uma dimensão política: sem rutura com esses constrangimentos não será possível implementar políticas alternativas às que têm vindo a ser implementadas, esvaziando a soberania assente na democrática vontade popular."

E não é o facto de estar no poder um governo socialista, apoiado pelas esquerdas, PCP e BE, que o impede de manifestar reticências quanto ao futuro do país se as políticas se mantiverem, o que não significa que o país esteja condenado. "O que se exige é que haja a coragem e bom senso para se encararem como absolutamente necessárias ruturas com essas políticas sem as quais não é possível fugir a um futuro de crescimento débil e instável, de emigração dos jovens, uma sociedade frustrada, cada vez mais desigual e empobrecida."

Mantém que o principal problema nacional é o económico, do qual decorrem os problemas sociais e financeiros, com a progressiva perda da competitividade externa no quadro do euro e a liberalização comercial e financeira promovida à escala continental pela integração europeia.

O economista, que foi técnico do Banco de Portugal, entende que seria essencial proceder a uma desvalorização cambial promotora da competitividade-preço da produção nacional, quer com vista à recuperação dos instrumentos necessários à prossecução de uma política por parte do Estado assente na capacidade deste de se financiar junto do Banco Central Europeu. E ainda de uma política monetária e de controlo de capitais que dinamize o investimento e liberte recursos destinados à redinamização da economia nacional.

Entre as reformas inscreve a da qualificação dos jovens, para que possam usá-las em prol do benefício do país e não enquanto emigrantes forçados, na inovação e na reindustrialização do país. "Um novo modelo económico é possível e absolutamente necessário. Temos de abandonar definitivamente o modelo dos baixos salários e do trabalho precário e sem direitos e criar um modelo assente nas capacidades, nas competências, na competitividade, em níveis de vida mais elevados e nos direitos do trabalho."

A bipolarização política, direita versus esquerda, é benéfica ou, pelo contrário, geradora de maior incapacidade na resolução dos problemas? A ideologia, afirma o antigo deputado comunista, assenta sempre em bases ideológicas que se distinguem pela natureza dos objetivos que se pretendem atingir. "É inequívoco que as ideologias de direita visam primacialmente o favorecimento do capital aumentando o fosso das desigualdades, enquanto as ideologias de esquerda têm como objetivo fundamental a defesa dos trabalhadores, a promoção do bem-estar social das populações e a redução das desigualdades", garante.

Reforça que seria um sofisma tentar iludir que as ideologias desapareceram. "É por isso positivo que as diferenças ideológicas sejam transparentes e conhecidas para sustentarem as opções soberanas da vontade popular."

Octávio Teixeira - que liderou a bancada comunista durante parte da governação de Cavaco Silva e se demitiu da Comissão Política do PCP, "por opção pessoal" em 2002 - pensa que os estragos maiores no país foram mais das políticas seguidas do que dos políticos que as executaram. A estes "exige-se é que sejam claros sobre os objetivos que os movem (não vendendo "gato por lebre"), que se dediquem ao que consideram ser o bem público e que não usem a função política em proveito próprio (no período em que a exercem ou depois de deixarem de a exercer).

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