Recuperação de casas apresenta derrocada de 45% no arranque do ano
O mercado da reabilitação residencial está a travar a fundo. Nos primeiros quatro meses do ano, os promotores fizeram entrar nas autarquias 785 pedidos de licenciamento para a recuperação de edifícios, uma quebra de 45% face ao período homólogo do ano passado. Em Lisboa, entraram apenas 40 projetos e, no Porto, uns meros 25, traduzindo decréscimos de 45% e 73%, respetivamente. Desde 2019 que este segmento evidencia sinais de perda de atratividade para os investidores, mas o atual contexto de alta de preços, sejam dos custos de construção, sejam dos imóveis, a que acrescem as incertezas do negócio do Alojamento Local (AL), está a provocar uma derrocada no investimento na requalificação do edificado.
"Desde que começou a haver incertezas quanto ao uso de imóveis para AL que se assiste a uma redução na reabilitação", aponta Ricardo Guimarães, diretor da Confidencial Imobiliário (CI). Esse quadro tem coincidência temporal com as decisões políticas que foram tomadas em Lisboa para conter o negócio turístico, ou seja, 2018/19, mas a dinâmica da recuperação urbana, já iniciada em 2014, "também reduziu o espaço para estas intervenções, diminuiu as oportunidades", lembra o responsável. Em contrapartida, os promotores começaram a direcionar as atenções para projetos de construção nova, nomeadamente para a classe média, diz.
Os racionais apresentavam-se promissores. Escassez de oferta e elevada procura eram sinais evidentes de escoamento do produto e as zonas periféricas de Lisboa e Porto ofereciam a oportunidade para responder à classe média. Mas os efeitos da pandemia e agora do conflito Rússia-Ucrânia trocaram as voltas aos promotores. Desde o início do ano que os números dos processos de licenciamento para novas habitações também já expressam contenção no investimento. De acordo com os dados da CI, os municípios receberam um total de 4982 processos de licenciamento nos primeiros quatro meses deste ano, uma quebra homóloga de 16%, que compara com o crescimento de 9% registado em igual período de 2021.
É evidente também que a transferência do interesse dos investidores para as cidades-satélites das duas áreas metropolitanas do país também esmoreceu. A AMLisboa recebeu menos 9% de pedidos de licenciamento para casas novas entre janeiro e abril deste ano face a igual período do ano passado, quando tinha assistido a um aumento homólogo de 16% no acumulado dos quatro primeiros meses de 2021. O mesmo sucedeu na AMPorto, com uma quebra este ano de 10%, que compara com o incremento anterior de 14%. A quebra em Lisboa e Porto foi, respetivamente, de 21% e 16%, suavizando o decréscimo homólogo verificado de 60% e 41% entre janeiro e abril de 2021.
"Nesta altura, com o aumento da inflação e dos custos de construção, que agora estão muito acentuados, mas que se começaram a sentir em 2021, tornou-se cada vez mais difícil fazer promoção para a classe média", justifica Ricardo Guimarães. Na sua opinião, "muitos projetos que estavam pensados para este segmento vão esperar por uma melhor oportunidade ou serão redesenhados". Como frisa, "a periferia é um mercado mais condicionado pelos custos de construção". A atual conjuntura "vem pôr em causa a viabilidade desses projetos, agora, só aqueles que oferecem mais margem é que vão captar os esforços dos promotores". O responsável da consultora não tem dúvidas que se verifica já uma retração dos promotores devido ao aumento dos custos construtivos.
As duas associações do setor imobiliário são mais prudentes a analisar os efeitos do contexto económico no setor. Paulo Caiado, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), considera "prematuro" concluir que o mercado está a contrair e recorda que se tem "assistido à deslocação de projetos de promoção para zonas adjacentes à periferia de Lisboa e Porto". A falta de terrenos urbanizáveis nas duas grandes cidades, o preço muito elevado a que são transacionados e o tempo e burocracia a que os promotores estão sujeitos para verem os projetos aprovados têm conduzido a uma aposta nos municípios limítrofes, diz.
"Os projetos que já estavam no papel e com orçamentos definidos, têm avançado", agora, "há outros mais atrasados, que poderão ficar suspensos à espera de maior definição do futuro próximo", diz o presidente da Associação dos Mediadores do Imobiliário de Portugal (ASMIP), Francisco Bacelar. "O desenvolvimento e duração da guerra, as políticas de estabilidade financeira que impeçam subidas das taxas de juro em flecha e a desejada moderação no incremento dos custos de mão-de-obra e dos materiais de construção" são questões que têm peso na balança da atividade, mas que permanecem incertas.
Ainda assim, os dois líderes associativos não anteveem para já dificuldades na venda de casas no país. Paulo Caiado lembra que, no ano passado, 87% dos imóveis vendidos para habitação eram usados e apenas 13% constituíam fogos novos de promoções recentes e destes quase 70% destinavam-se a classes elevadas ou investidores estrangeiros. Francisco Bacelar assegura também que as aquisições são feitas maioritariamente por estrangeiros com capacidade financeira e por portugueses mais endinheirados e com capacidade de endividamento.
O problema coloca-se na classe média. Neste caso, o presidente da ASMIP admite que caso a subida de preços se mantenha, acompanhada do aumento das taxas de juro, e com a limitação desde abril no número de anos dos empréstimos será "cada vez mais difícil a um cidadão português da classe média ter capacidade de endividamento para os valores atualmente praticados".
Já Paulo Caiado reconhece que "a iniciativa privada não consegue dar resposta à procura de habitação de muitos portugueses e, em particular, nas grandes cidades litorais, onde os preços dos terrenos representam cerca de 50% do valor de um apartamento". E, alerta: o Estado "vai levar anos a promover e construir aquilo que prometeu: casas que os portugueses possam pagar ou arrendar".
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