Reciclar rolhas para plantar sobreiros

Devolver à natureza um bem de inegáveis virtudes está na base do projecto Green Cork, que tem como grande propósito reciclar rolhas de cortiça, utilizando as verbas daí decorrentes para Criar Bosques, Conservar a Biodiversidade. O projecto da Quercus, que congrega uma série de parceiros, começou com o licenciamento da primeira unidade de reciclagem de rolhas de cortiça a nível mundial, mas continua à espera da criação da fileira da cortiça como resíduo reciclável. Mais de cinco mil sobreiros já foram plantados.
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Dos muitos e variados produtos fabricados a partir da cortiça, a rolha para garrafas para todo o tipo de vinho é o mais famoso e o que a indústria corticeira mais produz. Só o mercado nacional consome anualmente trezentos milhões de rolhas de cortiça.
Maior produtor e exportador de cortiça a nível mundial, Portugal vende para além-fronteiras cerca de noventa por cento da produção por ano, avaliada na ordem dos oitocentos milhões de euros, sendo o sector rolheiro responsável por setenta por cento desse valor, um número que ronda os 550 milhões de euros/ano.
Sendo a cortiça um bem natural que permite uma reutilização praticamente a cem por cento, ou seja, todo e qualquer resíduo ou desperdício de cortiça pode ser reciclado e servir de matéria-prima para um sem-número de utilizações, recuperar as rolhas uma vez utilizadas constitui um valor acrescentado para a indústria corticeira.

Projecto pioneiro
Nesse sentido, a reciclagem de rolhas de cortiça é uma prática há muito instituída na indústria corticeira, mas só há cerca de ano e meio a sua prática foi certificada, fruto de uma parceria entre a organização ambiental Quercus e a Corticeira Amorim, maior produtor e exportador nacional.
«A grande novidade é que pela primeira vez temos uma unidade que está licenciada para a reciclagem de materiais de cortiça de rolha», revela Francisco Carvalho, da Amorim Corticeira, acrescentando: «Pela primeira vez conseguimos implementar um programa de reciclagem em que os fundos vão para o ambiente. Normalmente, os fundos da reciclagem vão para obras sociais, mas nunca para o ambiente. E pela primeira vez conseguimos montar, juntamente com a Quercus e outros parceiros, um projecto de reciclagem em que os fundos são reinvestidos no ambiente, para além de usarmos um circuito de transporte já existente evitando assim mais emissões de CO2.»
Assim, nas instalações de Mozelos (Santa Maria da Feira) da Corticeira Amorim foi criada a primeira instalação mundial de reciclagem de resíduos de cortiça, uma unidade que transforma rolhas usadas em aglomerados para isolamentos, material para aeronáutica e caiaques, entre uma enorme variedade de outros novos produtos de cortiça.
Licenciada a unidade, a Quercus, a Corticeira Amorim, os hipermercados Continente, os centros comerciais Dolce Vita, a empresa de recolha e reciclagem de óleo alimentar e 1500 escolas espalhadas por todo o país juntaram-se no projecto Green Cork, que tem por objectivo fazer a recolha de rolhas usadas.
Na essência do projecto estão questões ambientais, corporizadas em três objectivos: a redução de resíduos; a defesa da rolha de cortiça como produto plenamente ecológico e consequente defesa do montado; e a plantação de novas árvores (espécies mediterrânicas), em que o sobreiro assume o protagonismo.
«Este projecto tem várias mais-valias, a começar por retirar um produto do circuito de incineração ou do aterro, para além de que são umas toneladas de resíduos que deixam de emitir CO2. Por outro lado, ao reciclar este bem estamos a garantir a sustentabilidade do montado de sobro e a biodiversidade que lhe está associada», sustenta Paulo Magalhães, da Quercus, que aponta outras virtudes do projecto: «Para a rolha de cortiça continuar a ser um vedante aceite no mercado por toda a gente tem de ser um produto que não se torne lixo. E isto para o mercado futuro é fundamental. Em Portugal, ao perpetuar-se o negócio da cortiça está a garantir-se a continuidade do montado de sobro, que é um dos ecossistemas mais ricos da Europa e que apenas foi mantido porque tem havido uma actividade económica que permite manter a floresta sem a destruir. Normalmente, a exploração das florestas tem como consequência a sua destruição e este é um caso excepcional.»

Sequestrador de CO2
Além da capacidade de produção de oxigénio, característica comum a todas as árvores, o sobreiro possui uma estrutura celular única e muito particular que o torna um extraordinário sequestrador de dióxido de carbono.
Um dos imperativos do projecto é a utilização da rede logística de transporte dos hipermercados envolvidos, evitando-se assim um acréscimo de emissões de CO2. No percurso de regresso, após abastecerem os hipermercados, os camiões aproveitam para transportar as rolhas recicladas, depositando-as na unidade de reciclagem.
O projecto Green Cork tem uma duração prevista de quatro anos e os objectivos são claros. «Neste projecto propomo-nos reciclar, em quatro anos, trinta por cento das rolhas que são consumidas no mercado nacional. Sabendo nós que o mercado em Portugal consome à volta de trezentos milhões de rolhas/ano, estamos a falar em reciclar cerca de noventa milhões de rolhas», revela Francisco Carvalho.
Depois de uma primeira fase de sensibilização, essencialmente junto dos alunos das escolas aderentes, e da colocação dos recipientes de recolha, denominados Rolhinhas, em 2009 foram recolhidas 22 580 toneladas, o que corresponde a cerca de cinco milhões de rolhas.
E se o primeiro objectivo do Green Cork passa pela promoção da fileira de reciclagem da cortiça, que está já a dar os seus frutos, o segundo grande propósito do projecto – recuperar a flora autóctone de Portugal – está também já em marcha e com significativo êxito: as verbas provenientes da reciclagem das rolhas de cortiça servem de financiamento ao projecto Criar Bosques, Conservar a Biodiversidade. No âmbito deste projecto mais vasto, em 2008/2009 foram plantadas 50 224 árvores, tendo 5630 (plantadas no Alvão e em Baião) emanado directamente de verbas conseguidas no Green Cork. Assinale-se que a Quercus tem em marcha a plantação de mais 70 181 árvores, naquele que pode ser considerado o projecto de recuperação da flora autóctone nacional de maior envergadura, em que o sobreiro assume um papel de destaque.
Perante os excelentes resultados obtidos no primeiro ano do projecto, os responsáveis vão alargá-lo à rede de hipermercados Modelo, o que permitirá uma cobertura mais eficaz do território nacional, e ainda ao Serviço Público de Sapadores Florestais, que será uma ajuda extra, não apenas na fase de plantação, mas também na gestão futura do projecto Criar Bosques, Conservar a Biodiversidade.
Numa terceira fase, o projecto Green Cork pretende atravessar fronteiras, até porque países como França, Estados Unidos, Espanha, Alemanha e Itália são destinos de grandes quantidades de rolhas de origem portuguesa. «Já surgiram pedidos de entidades internacionais para levarmos este projecto até lá, como França e Alemanha, e a própria Corticeira Amorim está também interessada na recolha de rolhas de mercados para onde exporta», revela o ambientalista da Quercus, acrescentando: «Isso pode ser feito em parceria com associações locais, continuando a canalizar as verbas daí decorrentes para a floresta mediterrânica.»

Resíduo espera certificação
As vantagens socioeconómicas e ambientais decorrentes da reciclagem das rolhas de cortiça são imensas. Porém, os promotores do projecto Green Cork aguardam há cerca de um ano que a Sociedade Ponto Verde, entidade gestora de resíduos a nível nacional, crie a fileira da cortiça como resíduo reciclável, o que baixaria significativamente o custo a produtores e engarrafadores de vinho.
Apesar de já existir uma unidade de reciclagem de rolhas de cortiça licenciada, o resíduo em si ainda não está certificado como tal, o que implica a sua inclusão na categoria de resíduos indiferenciados, cujo custo é mais elevado. Por outro lado, assim que for considerado um resíduo reciclável, as verbas pagas por quem os produz revertem para quem os recicla, no caso o projecto Green Cork. Ou seja, mais Quercus suber (sobreiros) a serem plantados por todo o país, que ajudarão não apenas a economia, mas também o sequestro de CO2.

Nada se perde, tudo se transforma
Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. A Lei de Conservação das Massas, comummente conhecida por Lei de Lavoisier, encontra na indústria transformadora da casca de sobreiro uma aplicação perfeita, uma vez que todo e qualquer desperdício da cortiça serve de matéria-prima para outra qualquer aplicação.
Cerca de um quarto da produção de cortiça é usada na produção de rolhas, que representa, porém, cerca de setenta por cento do volume de negócios do sector. Além da rolha, há um conjunto de outros produtos que têm a cortiça como base: pavimentos e revestimentos, artigos decorativos para a casa e escritório, roupa, guarda-chuvas, brindes, solas e outras aplicações para sapatos, juntas de automóveis, produtos para a indústria militar e aeronáutica, produtos para a indústria química e farmacêutica e muitos outros com design inovador e moderno. Actualmente, até o pó da cortiça é utilizado para gerar energia eléctrica. Como se vê, a cortiça, da qual Portugal é o grande produtor mundial, é um potencial gerador de riqueza.
Resistência, leveza, impermeabilidade a líquidos e gases, elasticidade, isolamento (térmico e acústico) e excelente resistência ao atrito fazem da cortiça a matéria-prima ideal para muitos produtos de diversas aplicações.
«À excepção das rolhas, todas as outras utilizações podem usar a cortiça reciclada das rolhas, que vai desde os pavimentos e isolamentos à indústria aeroespacial, como o caso do Space Shuttle, com quem a Corticeira Amorim está a trabalhar», refere Francisco Carvalho, da empresa sediada em Mozelos, acrescentando: «As características de isolamento da cortiça são fantásticas, tal como a durabilidade. São únicas no mundo, para além de que é um produto natural.»
Sendo um produto utilizado no ramo alimentar, as rolhas recicladas não podem dar novas rolhas, pois estas têm que cumprir determinadas regras de salubridade que não se compadecem com a reciclagem. Assim, as rolhas são transformadas em granulado, que posteriormente poderá ser usado num sem- número de aplicações, como revestimentos isolantes ou pavimentos.

À medida...
Entre as diversas virtudes da cortiça, o facto de ser praticamente infusível, insolúvel na água, no álcool, no éter, no clorofórmio, no ácido sulfúrico concentrado e no ácido clorídrico, entre outros, faz da casca do sobreiro um vedante de excepcional qualidade. A rolha de cortiça, especialmente pelas características de elasticidade, compressibilidade e constituição celular, é o único vedante capaz de assegurar o tipo de conservação ideal em qualquer tipo de vinho, que requer um ambiente com baixíssimo teor de oxigénio, mas necessário e suficiente para que o vinho evolua de forma elegante.
As qualidades químicas da cortiça permitem-lhe contribuir decisivamente para uma correcta evolução do néctar e a formação do tão apreciado bouquet, em vinhos de estágio e de consumo rápido.
Em inúmeros calibres e formatos, há no mercado sete categorias de rolhas com a chancela nacional: a rolha natural, que pela elasticidade, compressibilidade e constituição celular é única na íntegra conservação de qualquer tipo vinho; a rolha natural multipeça, fabricada a partir de duas ou mais metades de cortiça natural coladas entre si, não sendo aconselhada para estágios prolongados; a rolha natural colmatada, feita de cortiça natural com poros preenchidos exclusivamente com pó de cortiça resultante da rectificação das rolhas naturais; a rolha de champanhe, que é produzida a partir de um corpo formado por aglomerado de grânulos de cortiça, ao qual é aplicado um, dois ou três discos de cortiça natural seleccionada num dos topos; a rolha técnica, que é constituída por um corpo de cortiça aglomerada muito denso com discos de cortiça natural colados em apenas um ou em ambos os topos; a rolha aglomerada, inteiramente fabricada a partir de granulados de cortiça proveniente de subprodutos resultantes da produção de rolhas naturais; e a rolha capsulada, que é uma rolha de cortiça natural (ou colmatada) cujo topo leva uma cápsula de madeira, PVC, porcelana, metal e vidro, entre outros materiais.

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