Receita combina palhaço famoso e anão esquecido
Uma é um dos títulos mais conhecidos e amados do repertório, a outra é uma estreia em Portugal. O Teatro São Carlos decidiu juntar num único espetáculo Os Palhaços (de 1892), de Ruggero Leoncavallo (1857-1919) e Der Zwerg (O Anão), ópera estreada em 1922, em Colónia, da autoria de Alexander von Zemlinsky (1871-1942). A estreia acontece esta sexta-feira, dia 31, seguindo-se mais quatro récitas, até dia 8 de abril.
A encenação pertence a Rodula Gaitanou (Palhaços) e a Nicola Raab (Zwerg), que regressa após ter no ano passado encenado A flowering tree, de John Adams (no CCB).
A dirigi-las estará o inglês Martin André, que regressa assim pela primeira vez ao Teatro desde que foi Diretor Artístico do mesmo, entre 2010 e 2013, um período conturbado para aquela casa, marcado pelos efeitos da austeridade da troika. "Quando me convidaram, pedi um tempo para pensar. Recordei as dificuldades que aqui vivi, claro; mas também momentos excelentes, como os associados à 'Trilogia Verdiana' que fiz na primavera de 2013, ou os concertos em que dirigi a Sinfónica Portuguesa. E foi isso que me levou a aceitar." No Teatro, reencontrou "pessoas generosas e felizes por me verem de novo", sentindo-se "bem acolhido".
Sobre Os Palhaços, que, diz, "já dirigi muitas vezes, a última das quais na Cidade do Cabo", é uma ópera "feita para conquistar o público e para o sucesso, com trechos que se tornaram famosos, a começar por Vesti la giubba, popularizada por Caruso". A história, resume-a a "uma tragédia familiar".
Bem diferente é o caso de Der Zwerg, inspirada no conto O Aniversário da Infanta, de Oscar Wilde: "Nunca dirigi Zemlinsky e a partitura desta ópera ocupou-me durante um ano. É uma espécie de tsunami sinfónico, com uma orquestração bela e maciça, onde se nota a influência de Mahler, Strauss e Schönberg, mas também de Debussy, por exemplo, nos detalhes de colorido instrumental".
Nos antípodas de Os Palhaços, onde "tudo é feito em função dos cantores e da vocalidade", aqui "é na orquestra que estão os temas e nota-se que ele se ocupou primeiro com a orquestração, luxuriante, e só depois com as linhas vocais."
A ação, diz, "é sobretudo psicológica, passa-se mais na cabeça das personagens", mostrando "aspetos de Freud, de Weininger, mas também elementos autobiográficos, nomeadamente o trauma de ter sido rejeitado por Alma Schindler [depois Alma Mahler]". E avança: "A encenadora [Nicola Raab] captou todas essas facetas e visualmente, acho, está muito bem esta ópera!"
Duas obras, portanto, bem diferentes, que une só o facto de "ambas terminarem com sangue, com morte!" Mas paradoxalmente, continua, "penso que funcionam bem em conjunto justamente por esse facto. Sempre achei que a junção habitual dos Palhaços com a Cavalleria Rusticana [no mesmo espetáculo] sofria por serem óperas tão similares em tantos aspectos..."
Outro ponto de união é o facto de ambas foram estreadas por grandes maestros do século XX: Arturo Toscanini (Palhaços) e Otto Klemperer.
Ainda assim, uma união pelas diferenças, para ver(ificar) dia 31 (20.00) e dias 2 (16.00), 4, 6 e 8 (sempre às 20.00). Os bilhetes vão dos 20,00 aos 60,00 euros.