"Realizar um teledisco dá-me muito mais prazer"

O maior cineasta americano da sua geração está de volta com "Linha Fantasma" e esteve com a imprensa internacional ontem em Londres. O DN marcou presença e encontrou um Paul Thomas Anderson bem-humorado e a sentir-se abençoado.
Publicado a
Atualizado a

Há quem veja Linha Fantasma como cinema de terror emocional, como se fosse um romance filmado como filme de terror...

Qual a diferença entre um drama romântico e um filme de terror?! (risos). Sinceramente não sei quem disse que um cineasta deve filmar uma cena de crime como uma cena de amor e uma cena de amor como uma cena de crime. Não sei se foi o Truffaut ou o Hitchcock naquela entrevista de ambos, enfim, mas acho isso tão boa ideia! Aquela euforia de quando nos apaixonamos aumenta sempre tudo, tal qual uma ampliação da realidade... É aquele estado em que parece que todas as emoções são de tal modo amplificadas que transmite a ideia de que qualquer coisa de errado está para suceder. Sentimos tanto quando estamos apaixonados que é como se a nossa vida pudesse estar em jogo. Sabe, temos o nosso coração completamente escancarado para ser esmagado.

Sente que há pontos comuns entre um costureiro e um realizador?

Tantos! A começar pelo facto de serem precisas muitas pessoas para administrar uma casa de costura, tal como para se fazer um filme. Aliás, os costureiros trabalham mesmo com um deadline para entregar as suas coleções. Provavelmente, ainda é pior para eles pois têm de fazer duas coleções por ano. Se eu tivesse de fazer dois filmes por ano era de doidos!!

Ficou com uma ideia diferente do mundo da moda depois do filme?

Fiquei a respeitar esse mundo muito mais. Isso de certeza... O que me deixa perplexo são as pessoas que não acham que os criadores de moda sejam artistas. Elas que experimentem criar algo, nem que seja uma t-shirt! Dou por mim agora muito interessado em saber o que se passa na moda. Tento até estar a par das novidades, embora não seja um expert. Investiguei, por exemplo, muito sobre o Balenciaga, que acabou por ser a nossa personagem preferida quando fizemos a pesquisa. Balenciaga é alguém capaz de fazer tudo e foi excitante perceber como ele era exigente com a sua equipa. Percebemos que tem as suas próprias regras como a recusa dos seus fatos serem copiados. A sua rigidez permitiu--nos construir todo um mito em redor da sua figura.

A personagem de Daniel Day-Lewis parece alguém em constante confronto com uma maldição do seu talento. Nunca se sentiu amaldiçoado com o seu dom de cineasta?

Nunca, sinto-me é com muita sorte. Nem brinque, é uma sorte poder fazer o que faço! Para mim, fazer cinema não é uma maldição, é um belo presente.

Quando está a realizar não sofre?

Bem... canso-me como o raio! Depois, claro, fico rabugento. Nunca sofro de forma dramática.

Está a dizer que não sofre como este costureiro do filme...

Não sei se ele sofre devido ao seu talento. Passou-se qualquer coisa na sua infância, o fantasma da sua mãe é um peso e criou um monstro que o impede de ter relações com as pessoas. Um monstro que parece estar a consumi-lo.

Quando realiza os seus famosos telediscos tudo muda? Olha para esses trabalhos como uma fuga do cinema?

Exato, para mim realizar um teledisco dá-me muito mais prazer. É tão divertido, em especial quando é com as Haim. Trabalhar com as irmãs Haim é puro prazer e foi uma das melhores colaborações que alguma vez tive. São talentosas, divertidas, generosas e fáceis de trabalhar. A mãe delas era a minha professora primária. Todos crescemos na mesma rua. Digamos que estamos numa situação muito familiar. Mas gosto de realizar telediscos porque é rápido e porque as decisões são feitas de forma acelerada. Para mim, é um privilégio filmar alguém a tocar. O Jonathan Demme dizia que a forma mais pura do cinema é filmar pessoas a tocar música, onde destilamos tudo até à essência mais elementar. Uma definição que para mim é a pura essência do cinema. E eu sinto o mesmo. Devo dizer que a forma dele filmar me inspirou imenso. Cresci a ver os seus filmes--concerto...

Stop Making Sense funcionou como uma matriz?

Claro, mas também os projetos mais pequenos. Aprendi realmente a gostar de filmar os outros a tocarem música. Roubei muito ao Jonathan. É daí que vem o meu amor pelos telediscos.

Confirma que não sabia realmente que esta seria a despedida do Daniel Day-Lewis no cinema?

Juro que não sabia. A decisão dele veio depois da rodagem ainda que já há um certo tempo que andasse a falar disso. Para mim, não foi uma grande, grande surpresa, mas mesmo assim... Ele acabou por escrever comigo o filme. Depois, veio a Vicky Krieps. Escolhemo-la após uma audição e depois de a ter visto em The Chambermaid, um pequeno filme alemão muito bom. Percebemos logo que era a rapariga certa. Tanto poderia trabalhar numa loja de chá como ficar deslumbrante naqueles vestidos. A Vicky tem um rosto muito misterioso. Além do mais, o inglês dela tem um som que me agrada. Quem não é alemão ou luxemburguês julga que ela pode ser de qualquer lado.

Agradou-lhe a sua neutralidade...

Sim! E tem um espírito tão mas tão forte! A Vicky tomou conta da Alma, a personagem.

E de onde veio o desejo de fazer este filme de forma tão claustrofóbica?

É bom que o filme seja mesmo claustrofóbico, mas temos o cinema claustrofóbico que nos sufoca e o que nos tira a vontade de continua a ver o filme. Sei que há pessoas que não gostam deste filme... Tentei que não fosse uma peça de teatro, isso seria aborrecido. Às vezes, vemos adaptações de peças de teatro e é tudo tão chatinho. A minha ideia foi dar alguma escala a essa claustrofobia. Até poderia nunca tirar a câmara do rosto dos atores, mas seria chato. Na essência, é um filme que se passa quase todo em espaços fechados. Mas, ao fim e ao cabo, é cinema - tinha de ter outras coisas.

Em Londres

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt