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Tommy, um negro enorme e bonacheirão, ex-dealer convertido em palhaço profissional, tenta afastar os jovens dos bairros pobres de Los Angeles dos gangs, do crime e de uma morte quase certa na adolescência, pondo-os a dançar, todos pintalgados, uma variante do hip hop baptizada clowning. Os grandes rivais dos discípulos de Tommy são os krumpers (de krumping, outra modalidade de hip hop, mais agressiva que o clowning), e as duas escolas defrontam-se numa grande "batalha" de dança, organizada por aquele.

O palhaço anjo-da-guarda, as subculturas do clowning e do krumping e o mundo limitado, degradado e mortífero do gueto de South Centralque os produziu, enquadra e condiciona são o tema de Rize, o documentário do fotógrafo americano David LaChapelle, que abre hoje, com uma chapada de realidade colorida, frenética e violenta, estriada de desespero e esperança, no Grande Auditório da Culturgest (18.00), a terceira edição do Festival Internacional do Cinema Documental de Lisboa - DocLisboa.

Até dia 23, vão passar pelas salas da Culturgest cerca de 90 filmes, num evento que, segundo Nuno Sena, um dos seus directores, juntamente com Ana Isabel Strindberg, pretende "reforçar uma cultura do documentário em Portugal", levando ao público "documentários de grande qualidade, mantendo a filosofia de um festival que, não tendo grandes obras em estreia, tem filmes muito premiados e excelentes".

NOVIDADES. O DocLisboa 2005 tem um orçamento de 258 mil euros e quer ultrapassar os 13 500 espectadores do ano passado. Para isso, propõe uma nova secção competitiva - Investigações -, para filmes que vivem da sua relação com a actualidade, e que vem juntar-se às secções de Longas-Metragens, Curtas e Nacional; mais dois prémios, o Grande Reportagem (2500 euros), para melhor documentário de investigação, e o Atalanta Filmes (distribuição do melhor filme português), e um reforço do Grande Prémio Tóbis (4500 euros). Haverá também mais salas para ver filmes, três, na nova Galeria 2 da Culturgest, onde estará também patente uma instalação de Abbas Kiarostami, a primeira retrospectiva europeia dedicada ao documentarista americano Ross McElwee (ver caixa), que virá a Lisboa como membro do júri da Competição Internacional e dará uma masterclass, contra as duas do grande fotógrafo e realizador francês Raymond Depardon, que trará também consigo Profils Paysans, o segundo filme da sua trilogia sobre o mundo rural.

Isto além das actividades paralelas (sessões escolares, um workshop do realizador, professor e crítico francês Alain Bergala, encontros e debates) e da realização, paralelamente ao festival, das Lisbon Docs 2000 - VII Conferências Internacionais de Cinema Documental, um fórum de financiamento e co-produção de documentários.

visões portuguesas. Na apresentação final da programação deste DocLisboa, os directores do festival fizeram questão de frisar que na secção Competição Nacional (de longas e curtas) constam vários filmes portugueses verdadeiramente "independentes", pois "não tiveram qualquer financiamento do ICAM".

Alguns dos filmes desta secção terão aqui a sua primeira apresentação em Portugal, caso de A 15.ª Pedra, de Rita Azevedo Gomes (uma conversa entre Manoel de Oliveira e João Bénard da Costa). Outros serão estreias absolutas, como Da Pele à Pedra, de Pedro Sena Nunes (uma residência artística num espaço das Minas da Panasqueira abandonado há 15 anos).

Mas há também documentários portugueses noutras secções. É o caso de Sereias, de Dina Campos Lopes (passa já hoje, às 21.00, no Grande Auditório), em estreia absoluta na Competição Internacional, que versa a gorada visita a Portugal do barco da organização holandesa Women on Waves, cognominado "barco do aborto", no ano passado; de Era Uma Vez Um Arrastão, de Diana Andringa, sobre os confusos acontecimentos do passado dia 10 de Junho na praia de Carcavelos, e que será visto na nova secção Investigações; ou ainda de Diários da Bósnia, de Joaquim Sapinho, rodado entre 1996 e 98, que estará na secção Histórias da Europa Nacionalismos, Identidades e Fronteiras, ao lado de títulos como D'Est, que levou Chantal Ackerman da ex-RDA até Moscovo em 1993, ou The Ister, de David Barison e Daniel Ross, uma longa viagem pelo Danúbio.

mil REALIDADES. A multiplicidade de formas de agarrar o real com uma câmara de filmar está condensada nas propostas da secção Competição Internacional. Aqui encontramos desde o "empenhado" e poupadinho Avenge But One of My Two Eyes, do israelita Avi Mograbi, que regressa ao tema do conflito israelo-palestiniano, até ao panorâmico Before the Flood, dos chineses Yan Lu e Li Yifan, que documenta o processo de realojamento dos habitantes de uma cidade chinesa que em 2009 será submersa pela maior barragem do mundo, passando por Alimentation Générale, da francesa Chantal Briet, sobre o quotidiano dos funcionários e clientes de um pequeno supermercado nos arredores de Paris.

Na secção Investigações, há espaço para trabalhos sobre os bastidores da Nokia (A Decent Factory, de Thomas Balmés) ou sobre o massacre de Sabra e Chatila, no Líbano, em 1982 (Massaker, de Monika Borgman, Lokman Slim e Hermann Theissen), sobre o dia- -a-dia na base americana de Falluja (Occupation Dreamland, de Garrett Scott e Ian Olds) ou sobre a construção de um oleoduto da BP numa aldeia da Geórgia. E o documentário russo pós-comunismo tem este ano uma secção própria. São 12 filmes, entre curtas e longas, escolhidos pelo especialista dinamarquês Tue Steen Müller.

E faltam as Sessões Especiais, nas quais teremos os pinguins milionários de A Marcha dos Pinguins, de Luc Jacquet, e os ursos de Grizzly Man, de Werner Herzog (filme de encerramento), mas também um desastre ecológico no Lago Victoria, no Quénia, em Darwin's Nightmare, de Hubert Sauper, ou a herança do militarismo nas crianças russas e nos órfãos chechenos em The Three Rooms of Melancholia, de Pirjo Honkasalo. Quem disse que a realidade empalidece face à ficção?

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