2016. Um novo ano. Todavia, nas instituições, sobretudo naquelas que são órgãos do Estado, a ideia de um novo ano é tão-só aparente. Há, tem de haver, naquelas instituições um continuum. Essa continuidade constitui a raiz e a asa de todo o pensamento político-social que conforma e enforma um Estado, digno desse nome..O Provedor de Justiça é, nesta lógica, um elemento absolutamente essencial para a prossecução dos fins últimos de um Estado de direito democrático..Em muitas ocasiões destas Razões de uma Razão fui deixando, aqui e acolá, umas vezes propositadamente, outras, talvez sem o saber, com o sentido de uma finalidade pedagógica, reflexões que mostram, à sociedade, a importância deste órgão do Estado..Porém, o Estado, e quanto a nós bem, sublinhe-se a traço grosso, tem atribuído ao Provedor de Justiça um outro conjunto de competências que, por isso mesmo, fazem dele uma instituição poliédrica, nem sempre muito bem compreendida, em toda a sua dimensão, pela própria comunidade. Na verdade, o Provedor, para além do seu papel irrecusável e irrenunciável de Provedor de Justiça, é também, por força da incumbência do Estado, que assume com gosto e honra, Instituição Nacional de Direitos Humanos e Mecanismo Nacional de Prevenção, sustentado este no Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes..Permitam-me que, hoje, reflita sobre dois ou três pontos no que toca ao Mecanismo Nacional de Prevenção. Este Mecanismo, por força das suas raízes e ligações internacionais, é de uma importância vital para a boa imagem do Estado Português. Nesse sentido, o Provedor de Justiça criou e desenvolveu, a partir da própria estrutura interna mas com caráter absolutamente autónomo, uma pequena equipa, altamente operacional, que, em tão pouco tempo, menos de dois anos, já conseguiu levar a cabo visitas inspetivas em um número particularmente significativo (69)..Isto deve-se à entrega abnegada das senhoras e dos senhores assessores que, para lá do seu trabalho como assessores do Provedor de Justiça, assumiram, com comprometimento total, a veste de visitadores do Mecanismo Nacional de Prevenção. Comprometimento que, diga-se, também merece ser realçado, porquanto a preparação e a realização das visitas inspetivas e consequente follow-up a locais onde se encontram pessoas privadas da sua liberdade, designadamente, estabelecimentos prisionais, unidades hospitalares com internamento em psiquiatria, centros educativos, centros de instalação temporária de estrangeiros, estabelecimentos policiais e locais de detenção nos tribunais, requer especial sensibilidade e atenção à situação concreta em que vivem os cidadãos que aí se encontram. E por aí se encontrarem, estão em uma posição de particular vulnerabilidade que o Provedor de Justiça não pode deixar de curar..Por conseguinte, esta transferência, ponderada e racional, entre as várias atividades que estão confiadas ao Provedor de Justiça, constitui - para todos aqueles que em situação de crise assumem particulares responsabilidades públicas na defesa e concretização dos direitos fundamentais dos cidadãos - um exercício pertinaz, instante e exigente de equilíbrio que procure assegurar a realização de todas as suas funções com o rigor e a qualidade que a importância destas matérias reclama..Contudo, as exigências da tutela dos direitos fundamentais dos cidadãos, tal como resultam da lei e dos deveres internacionais a que o Estado Português se obrigou, não se compadecem com soluções que, não obstante os resultados que entretanto tenham sido alcançados, tenham sido gizadas em um horizonte necessariamente transitório..O cumprimento sem transigência da defesa dos direitos fundamentais é, e será sempre, um prius relativamente a tudo o resto. E, muito embora saibamos estar em uma situação de crise, o que é certo, é que a pior crise que pode existir é aquela que nem sequer já permita que as instituições protetoras dos direitos fundamentais dos cidadãos atuem, tal como a lei impõe, tendo em vista o integral cumprimento do seu múnus..A valoração de tudo isto passa por uma multiplicidade de órgãos do Estado, mas passa, como bem se compreende, por sobre tudo, pela valoração serena e cuidadosa do próprio Provedor de Justiça..Em um tempo em que já se discutem os fundamentos, tantas vezes, com l"arrière pensée de os aniquilar ou descaboucar, dos direitos, das liberdades e das garantias, é tempo de propugnar pela sua defesa, sob pena de que algo bem pior do que uma dura crise financeira, económica e social logre atingir os cidadãos e a comunidade naqueles que são os alicerces fundamentais do Estado de direito democrático..Provedor de Justiça