Rara coleção de selos de D. Luís I salva de mãos estrangeiras mostra-se em Lisboa
São 127 páginas de selos, sobrescritos, páginas anotadas. Estão protegidas por plástico (acid free, dir-nos-iam mais tarde) e alinhadas no estrito gabinete de reservas do Museu das Comunicações, em Lisboa. À sua volta, um discreto burburinho - agora de entusiasmo. Trata-se de uma rara coleção de selos D. Luís I, que estava a caminho de um leilão internacional e que os CTT conseguiram comprar e manter em Portugal. Não foi revelado o valor da transação ("centenas de milhares de euros") nem grandes detalhes, a não ser que era de um empenhado colecionador português e que foi a família que a vendeu, às portas de um leilão na Suíça.
Isso mesmo conta Raul Moreira, diretor de filatelia dos CTT, que conduziu a operação, qual agente secreto ao serviço da empresa portuguesa, agora privatizada. "É a melhor coleção de selos D. Luís do mundo. Estava em Portugal e foi feita por um português que morreu em 2012, e depois os herdeiros, que não tinham interesse por esta área de filatelia clássica, quiseram vender. Estiveram a organizar a venda com diversos leiloeiros internacionais e nós soubemos que ia a leilão na Suíça. Informei o senhor presidente [dos CTT] dessa circunstância e ele achou que era uma belíssima ocasião para trazermos para Portugal o património que era nosso e que de facto tem muito valor. Conseguimos que não fosse a leilão, entrámos em negociação direta com os proprietários e comprámos."
A coleção que a partir de dia 9 pode ser vista ao detalhe, chegou ao Museu das Comunicações há menos de um mês. "Está muito fresquinha", diz Raul Moreira. Tão fresquinha que ainda não foi inventariada: "neste momento está a ser tratada museologicamente, ainda nem sequer está inventariada porque naturalmente está tratada apenas para a exposição", diz a diretora das reservas, Fátima Santos Marques.
O presidente dos Correios, Francisco de Lacerda, está satisfeito por os CTT terem conseguido "adquirir e manter em Portugal aquela que é a coleção mais importante de selos D. Luís I". "É um período relevante e que fica fortalecido nas coleções que nós temos", sublinhou ao DN. Tal como Raul Moreira, escusa-se a revelar o valor da operação e o orçamento da empresa para futuras aquisições: "este mundo do colecionismo tem o seu quê de oportunidade porque há coleções que surgem. É uma atividade permanente e deve guardar-se alguma discrição", diz-nos.
Há erros preciosos
Voltemos ao gabinete de reservas e ao sururu da recém-chegada preciosidade: "porque é que uma coleção destas não estava representada na casa-mãe dos correios?", lança Raul Moreira. E responde: "Porque antigamente a perceção da filatelia não era a mesma que temos hoje. As pessoas pensavam que se conseguíssemos ter cinco ou seis exemplares daquilo que saía era suficiente para fazer uma coleção. Mas hoje em dia, desde há 30-40 anos, começou a surgir a noção de que o que obtinha maior valor nos leilões da especialidade e valorizava a coleção das exposições mundiais não era o vulgar de Lineu, tudo o que tinha saído, mas as variantes, os erros, aquilo que não existia, os ensaios, os selos não emitidos, essas coisas mais estranhas no bom sentido." E a coleção D. Luís I tem "coisas muito raras" como as provas, os cunhos, o material circulante.
Nova pergunta seguida de resposta: "Porque é que hoje em dia se dá muito mais valor às peças circuladas, ou seja, aos sobrescritos? Porque há menos. Antigamente, o que é que as pessoas faziam? Tinham em casa correspondência selada, cortavam o selo, deitavam o sobrescrito fora e, portanto, os que se mantiveram com tudo têm do ponto de vista da coleção um valor superior. Como em tudo, aqui funciona a lei da oferta e da procura, a raridade faz aumentar o preço das coisas."
Fátima Santos Marques aponta uma das peças: "Por exemplo, esta é uma folha de prova com anotações do meu colega dos CTT da altura para o gravador." Ou seja, o suporte que permite perceber o processo de criação do selo. Se fosse hoje, provavelmente seria um e-mail.
Outra característica relevante da coleção, que compreende peças do período 1866-1884, é o facto de serem os selos fita curva e fita direita, um imenso detalhe técnico que implica recurso a lupa e a informadores especializados. Trata-se do espaço do selo onde é indicado o valor facial que, no caso da fita curva, parece um pequeno bigode sobre a imagem central do selo, e que, no caso da fita direita, posterior, tem um desenho mais retilíneo.
Raul Moreira ajuda a explicar: "Os selos clássicos muitas vezes apresentavam a franquia (valor facial) numa banda que percorria o selo transversalmente, lida da esquerda para a direita e colocada em cima e repetida em baixo. No caso dos selos D. Luís I, o gravador Charles Wiener utilizou para essa banda um aspeto gráfico em ondulação (fita curva). Quando em 1781 foi Wiener substituído como 1.º Abridor da Casa da Moeda por Augusto de Campos, este alterou a forma da banda para um desenho a direito com uma corcova a meio (fita direita)."
Detalhes que ajudam a explicar que esta coleção de selos clássicos "é considerada pelos peritos como a melhor coleção de selos D. Luís I do mundo e foi várias vezes premiada com a medalha de ouro em exposições internacionais", frisam os CTT. Muito bem preservada e com anotações minuciosas do colecionador - "o homem dedicava a vida a isto", diz Raul Moreira - apresenta-se a partir de dia 9 aos olhares de todos.
As perguntas que ficam por responder dão ainda mais interesse à história, qual romance policial. Mas a história pode não acabar aqui, pois ainda há momentos da filatelia portuguesa em falta na coleção dos Correios - "há uma ou duas que gostava de trazer antes da minha reforma", em 2020, diz Raul Moreira. Mas sobre esses é melhor não falar, para não estragar futuras negociações. "Posso dizer, sem quebra de confidencialidade, que esta foi comprada, mas só aparecemos no fim, ninguém sabia quem é que estava interessado. Quando começam a aparecer nomes de empresas, os preços começam a subir..."