Rangel considera "um risco" aprovar colégio Von der Leyen sem comissário britânico

Ursula von der Leyen participa pela primeira vez numa reunião magna da sua família política europeia, desde que foi eleita presidente da Comissão Europeia.
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Na próxima semana, o Parlamento Europeu deverá votar o colégio de comissários e, se tudo correr como a própria Ursula von der Leyen tem expressado, a 1 de dezembro assumirá funções em Bruxelas. Faltam porém ainda alguns passos para que o processo se concretize. É preciso que o Parlamento Europeu marque a data para a votação da Comissão Europeia e, finalmente, que a câmara europeia de Estrasburgo dê o derradeiro sim à globalidade do executivo de Bruxelas, agora que todas as audições estão completas.

Entre avanços e retrocessos num processo que está praticamente concluído, - mas tropeça também nos percalços do Brexit -, há que contar com as divergências entre especialistas sobre se a Comissão Europeia deve poder funcionar sem a nomeação de um comissário britânico.

O eurodeputado Paulo Rangel classifica como "um risco aquilo que neste momento a Comissão está a ensaiar fazer", ao tentar, na próxima semana, fazer aprovar em Estrasburgo um colégio "apenas com 27 comissários e sem comissário britânico".

Para o deputado social democrata havia até "uma solução muito simples que era o Conselho Europeu - por causa do Tratado de Lisboa - reduzir o número de comissários de 28 para 27".

"Para isso precisa de unanimidade. Ora, o Reino Unido neste momento eu acho que está totalmente disponível para fazer cair o seu comissário. E, portanto, se tomarmos agora num destes dias uma decisão do Conselho Europeu, em que se dizia que o número de comissários passava de 28 para 27, faríamos o voto em novembro, com o número de 27 já não haveria comissário britânico", afirmou, acreditando que a decisão poderia ser tomada através de um procedimento escrito.

Para Rangel, a abertura de um processo de infrações - como a Comissão Europeia já fez - não esgota este processo e é até um factor que merece a crítica do deputado europeu.

"Primeiro, acho que abrir um processo de infração ao Reino Unido, nesta altura, não é uma coisa positiva. Segundo, isso é o reconhecimento de que não estão preenchidos os requisitos. Portanto, a ideia de que porque se abriu um processo de infração, a Comissão vai ser instalada digamos regularmente, eu penso que é errada porque, justamente, se abre o processo de infração porque não estão reunidos os requisitos", disse, em entrevista ao DN, em Zagreb, onde participa no congresso do Partido Popular Europeu.

Tendo isso em conta acha que isso fecha a porta à votação na próxima semana, do colégio de comissários?
Eu acho que não vai fechar a porta à votação porque há vários pareceres jurídicos de serviços da Comissão que dizem que isso não é necessário. O que eu digo é que corremos o risco de mais tarde alguém vir, um processo em tribunal impugnar a regularidade da formação da comissão. Não penso que seja uma coisa que agora tenha efeitos, mas pode mais tarde, até num processo, por exemplo de uma empresa que está a contestar uma multa que a Comissão lhe aplicou, por exemplo, na concorrência vir dizer: mas esta Comissão não tem legitimidade porque não foi, digamos, investida, não foi aprovada, de acordo com as regras dos tratados.

Acha que isso fragiliza a tomada de posse de Ursula von der Leyen já por si beliscada depois deste processo controverso das audições dos comissários com três comissários rejeitados?
Isto cria alguma incerteza jurídica. Isso é mau. Não acho que fragilize politicamente von der Leyen, isso acho que não. Como não acho que a reprovação dos comissários fragilize von der Leyen. A reprovação dos comissários, neste caso, e olhando até às nomeações, claramente nós podemos apontar o dedo aos governos que os indicaram a Ursula von der Leyen, porque indicaram pessoas com fragilidades evidentes.

No caso concreto do governo francês, romeno e húngaro...
No caso do governo francês e do governo romeno foi claro, no caso do governo húngaro penso que era mais a questão, digamos, de haver algumas reticências quanto a Viktor Orbán. E, por isso, é que ele nomeou um embaixador e agora esse passou. Porque apesar de tudo um embaixador tem uma carreira, é mais neutral, não está envolvido politicamente com o governo. E, portanto aí eu acho que tinha mais a ver com a questão do Estado de Direito e com toda esta polémica, que tem havido a propósito, digamos das políticas do governo húngaro.

Quando foi votada no Parlamento Europeu em julho deste ano Von der Leyen foi eleita com 383 votos a favor mas teve 327 contra. Nunca um presidente da Comissão Europeia teve uma tão grande oposição no Parlamento. Estes dados podem ter algum reflexo na votação dos comissários, que pudesse pôr em causa a aprovação do executivo europeu?
Eu sinceramente olhando para a forma como este processo decorreu, e especialmente porque houve essa renovação de três personalidades polémicas -porque houve alguns ajustamentos até nos portfolios e também até na sua denominação. Eu acho que von der Leyen, em termos de maioria, não vai ter problemas.

Referiu-se a [ajustamentos na denominação] na pasta do Comissário grego.
A pasta do comissário grego porque tinha aquele nome o modo de vida europeu. O nome em si não tem problema nenhum, por contraposição ao modo de vida americano.

A parte do modo de vida europeu é mantida o que muda entre proteção e promoção do modo de vida europeu...
Porque "promoção" mostra aquilo que realmente é intenção inicial. Eu, sinceramente, preferia um nome mais neutral. Eu pessoalmente. Mas, não há dúvida que o modo de vida europeu não é aquilo que os Verdes e a esquerda vieram dizer. O modo de vida europeu é até o modo social inclusivo, por contraposição ao american life style ou american way of life, que era essa a intenção. E, por isso, ao pôr não "proteção" que é uma coisa um pouco negativa, mas "promoção" significa estar a promover os valores tipicamente europeus. Portanto, aí eu acho que estas cedências que fez Von der Leyen e a circunstância do parlamento ter marcado muito claramente a sua posição ao não aceitar três comissários, isto mostra claramente à comissão que ela depende do Parlamento. Portanto eu acho que neste momento isso não acontecerá. Ela não terá problemas em ser aprovada. Penso, [porém] que pode ter um problema. Os votos contra vão manter-se. E vão ser ampliados na minha opinião.

Até que ponto é que este atraso pode pôr em causa discussões importantes como por exemplo o orçamento de longo prazo, do qual depende a distribuição de fundos comunitários a partir de 2021?
O atraso de um mês, na vida da União Europeia, não e nada de especial. Hoje em dia se olhar para a Itália, para a Alemanha, para a Espanha, para a Bélgica e para a Holanda vê que demora sete, oito, nove, dez meses, às vezes um ano, a fazer um governo. Bem, se o governo europeu demorou apenas um mês eu diria que ele está em ótimas condições. Nem em Portugal nós constituímos o governo passado um mês das eleições. Dossiês como o do quadro financeiro plurianual, dos fundos europeus, já estava atrasado antes. Devia ter sido aprovado antes das eleições.

É o único português no grupo de trabalho que vai estar em discussão com o presidente do Parlamento para definir as orientações que vão marcar o arranque do mandato de Ursula von der Leyen. Qual e a responsabilidade das discussões deste grupo?
Essencialmente uma ideia que Von der Leyen pôs no seu discurso inicial, que o Parlamento abraçou, que o Conselho também abraçou, é fazer uma grande conferência sobre o futuro da Europa. Não apenas com as instituições europeias, não apenas com os parlamentos nacionais, mas também com a participação direta de cidadãos europeus. E, portanto, no fundo, uma conferência aberta à participação digital, e até a participação em assembleia física dos cidadãos. É isso que estamos a organizar. Isto vai ser muito importante, porque vai marcar muito a presidência portuguesa da União Europeia, porque nós vamos estar no meio da conferência quando Portugal vier a ter a presidência. Deve arrancar com a Alemanha em 2020, no segundo semestre vai ser preparada durante a presidência croata e depois vai estar no coração da presidência portuguesa.

E que temas é que vão marcar a agenda?
Há dois tipos de temas. Vai haver temas que dizem menos às pessoas mas têm a ver com a democracia europeia. Vamos discutir outra vez como nomear o presidente da Comissão. Deve eleger-se o presidente ou não do conselho? Deve haver listas transnacionais ou não? Como é que se apresentam os Estados? Como é que se vota? Se os países médios devem ter mais peso ou menos? Questões institucionais e depois questões muito importantes que são novas políticas. A política de defesa, a política de ambiente, eventualmente uma política demográfica. Está hoje a ser muito falada esta questão. Ou seja, vamos ter aqui verdadeiramente uma espécie de pré-convenção, que pode vir a alterar os tratados. E, portanto isto vai ser, independentemente dos seus resultados, um processo que vai marcar a agenda europeia durante os anos de 2020, 2021, 2022.

Foi muito recentemente nomeado relator do Parlamento Europeu para a Bósnia e Herzegovina. Vai aproveitar o palco deste congresso do PPE e a presença de alguns líderes regionais, para chamar a atenção para a urgência de soluções, para a situação dos campos de refugiados nomeadamente, na Bósnia?
Sem dúvida. Foi para mim um pouco surpreendente - embora eu realmente tenha hoje uma grande expertise na área dos Bálcãs - ser escolhido relator. Fui escolhido por ser português e portanto ser DE um país que não tenha interesses na área e pode falar com todos. Já tenho recebido imensa gente. A situação é dramática neste momento, do ponto de vista dos refugiados, especialmente no campo de Bihać onde estamos numa situação pior que em qualquer outro campo. E, portanto, a União Europeia tem que se envolver imenso.

Que capacidade de resposta tem a União Europeia, com o grau de urgência de que fala. O inverno está aí à porta...
Eu falei diretamente com a presidente. Ela recebeu-me só para este efeito, para dizer: nós não podemos mandar só um especialista e ajuda financeira. Essa tem existido. Nós temos que ter uma equipa nossa, da organização internacional das migrações, das Nações Unidas para estar no terreno, porque as autoridades da Bósnia não têm nenhuma capacidade. Ontem houve um grande progresso na Bósnia: ao fim de mais de um ano foi indicado o primeiro-ministro. E, portanto isto pode ser uma forma de ultrapassar o impasse político, porque esse impasse também fazia com que não houvesse nenhuma autoridade política capaz de agir.Começava a haver desagregação entre bósnios-croatas, bósnios-sérvios e bósnios-muçulmanos. A questão é muito complicada. mas aqui estamos a ter, eu diria, um grande apoio, para que Portugal e o Parlamento Europeu possam ter um papel na mediação desta crise humanitária emergente.

Para concluir, uma nota sobre o Congresso de Zagreb. O PPE escolhe hoje o futuro líder da família política de centro direita da União Europeia, Donald Tusk. Candidato único, é o homem que se segue. O Paulo Rangel é candidato a uma das vice presidências. Que expectativas tem sobre a eleição uma vez que há outros nomes fortes e que ainda por cima tem a favor o argumento da rotatividade regional?
Estou confiante mas estou muito consciente que já estamos há 10 anos com a vice-presidência. São apenas 10 para 28 Estados-membros da União Europeia, ou até mais alguns, que também têm direito de voto fora da União. Portanto, eu diria que neste momento não é certo que possamos ser eleitos. Se formos eleitos será uma grande conquista, porque não é normal um país da nossa dimensão estar mais de 10 anos consecutivos na presidência do PPE. Vamos ver.

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