Agressões e gritos na eleição do novo presidente do Parlamento timorense
O Parlamento Nacional timorense viveu esta terça-feira um dia agitado com agressões entre deputados, mesas derrubadas, gritos, empurrões e a intervenção de agentes policiais, numa jornada que terminou com uma polémica eleição de um novo presidente parlamentar.
Pelo segundo dia consecutivo, os vice-presidentes, Angelina Sarmento e Luis Roberto, tentaram conduzir uma sessão plenária à margem da decisão do presidente do Parlamento, Arão Noé Amaral, que a maioria dos deputados queria destituir.
Impossibilitados de o fazer na segunda-feira, os vice-presidentes levaram para a sala uma coluna de som portátil, com iluminação, para tentar contornar o facto do sistema de som do Parlamento estar desligado, como ocorre quando não há sessão.
Angelina Sarmento, do Partido Libertação Popular (PLP) e Luis Roberto, do Kmanek Haburas Unidade Nacional Timor Oan (KHUNTO), tentaram ocupar os seus lugares na zona da mesa do parlamento, na parte superior da sala da plenária.
Nesse momento vários deputados do Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT), partido de Arão Noé Amaral, subiram à zona, envolvendo-se em empurrões e agressões físicas. A mesa do presidente foi derrubada, partida e um dos deputados do CNRT atirou a cadeira de Arão Amaral pelo ar.
A Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) teve de intervir por várias vezes para separar deputados.
Mesmo com os protestos, Angelina Sarmento acabou por anunciar duas votações secretas, primeiro para a destituição de Arão Noé Amaral -- 36 votos a favor, zero contra e zero abstenções -- e depois para a eleição de Aniceto Guterres Lopes, da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin), como novo presidente.
A eleição acabou por contar com o apoio dos 36 deputados da Fretilin, do PLP e do KHUNTO, mas também com quatro dos cinco votos dos deputados do Partido Democrático (PD), força que, pelo menos formalmente, está em aliança com o CNRT.
Praticamente fechado ao público, os acontecimentos decorreram perante deputados, jornalistas e membros da PNTL e a dada altura até os funcionários do Parlamento tiveram instruções para abandonar a sala.
O ex-Presidente da República timorense José Ramos-Horta manifestou esta terça-feira "muita tristeza" pelos acontecimentos no Parlamento Nacional do país que considerou "nada dignificantes" para os deputados e para o órgão de soberania.
"Nada dignificante para as partes envolvidas. Nada dignificante para os deputados e para o parlamento", afirmou José Ramos-Horta em declarações à Lusa.
"Sinto muita tristeza em observar o que se está a passar no nosso país, o que se passou ontem [segunda-feira] e hoje no parlamento", considerou.
Sem entrar nos argumentos das partes, Ramos-Horta disse que é "muito importante" que não se criem aqui precedentes sobre a forma de destituir ou eleger o presidente do parlamento.
"Muita cautela em não criar precedentes da forma como se elege e se destitui um titular de órgão de soberania", sublinhou.
Ramos-Horta considerou que, num momento como o atual, o Presidente da República, Francisco Guterres Lu-Olo, pode ter um papel de mediador na situação, para garantir o bom funcionamento das instituições democráticas.
"Sem dúvida, é sempre o papel do Presidente da República de tentar mediar, se tiver para isso autoridade moral, credibilidade para o fazer. Está explícito na constituição o seu papel de zelar pelo bom funcionamento das instituições democráticas e para isso tem várias vias, uma delas é a mediação", considerou.
Deputados de várias bancadas ouvidos pela Lusa, tanto de um lado como do outro, repetiram os comentários de "vergonha" sobre o sucedido.
"Isto é triste. Também não gosto de ver isto. Temos de ver formas de nos entender. Se não há entendimento então alguém tem que decidir. O Presidente da República tem de decidir", disse à Lusa Duarte Nunes, chefe da bancada do CNRT.
Francisco Branco, da Fretilin, acusa os deputados de "crimes", afirmando que os comportamentos foram uma vergonha.
Um dos poucos 'visitantes' ao Parlamento foi o padre Maubere, que manifestou "tristeza" perante as imagens que estavam a sair do plenário e que estavam a dar a pior imagem do país, até perante a comunidade internacional.
"É uma pena. Lamento e acho que não é tempo para isto. Estamos já quase 20 anos depois da restauração da independência. É tempo suficiente para mostrar a nossa maturidade política e isto não mostra maturidade política", considerou.
"Tivemos grupos de solidariedade a lutar connosco pela independência. E depois desta luta pela independência vemos isto", considerou.
O pároco disse que "é preciso boa vontade", atuar dentro da constituição e garantir que "nestas situações haja humildade suficiente para refletir, corrigir erros e avançar".
O dia acabou com o presidente Arão Noé Amaral a considerar a eleição de Aniceto Guterres ilegal, anunciado um recurso para o Tribunal de Recurso e este último a reivindicar a legitimidade do apoio de 40 deputados.