Rajoy quer mostrar uma Espanha unida, mas paz com Barcelona já acabou
A resposta aos atentados de Barcelona e Cambrils criou um aparente clima de união e solidariedade entre o governo de Espanha e a Generalitat da Catalunha. Mas uma semana depois, e na véspera de uma manifestação na capital catalã que Mariano Rajoy pretende mostrar um país unido contra o terrorismo, está mais do que claro que essa trégua já acabou, com Carles Puigdemont a acusar o primeiro-ministro de "fazer política com a segurança".
A manifestação marcada para hoje em Barcelona para condenar o terrorismo terá uma grande dimensão política em Espanha. Como havia pedido ontem o primeiro-ministro Mariano Rajoy, que disse querer que o país desse hoje "uma mensagem de repulsa ao terrorismo e de amor à cidade de Barcelona".
Rajoy destacou ainda a coordenação, política e técnica, de todas as autoridades na reação aos atentados, incluindo Mossos D"Esquadra, Polícia Nacional e Guardia Civil, que nos últimos dias, porém, têm estado em desacordo quanto à atuação da polícia catalã no início das investigações. "Na luta contra o terrorismo, a unidade dos democratas provoca o desespero dos criminosos", declarou ontem o chefe do governo espanhol. "A união política não é uma frase feita, é o que encarna os fundamentos das nossas liberdades e dos nossos valores. A união deve ser mais do que uma foto de dor partilhada. Deixar de lados as diferenças faz-nos maiores e mais fortes perante os assassinos".
A manifestação de hoje, que voltará a ter o mote No tinc por ("Não tenho medo", em catalão), será encabeçada por Felipe VI, uma decisão inédita num rei espanhol, mas não uma estreia para este monarca. Em 2004, Felipe, na altura príncipe das Astúrias, esteve presente na manifestação contra os ataques terroristas de 11 de março em Madrid, acompanhado pelas irmãs.
Hoje, Felipe VI estará acompanhado pelo pessoal médico, voluntários, membros dos corpos de segurança, sociedade civil e praticamente toda a classe política espanhola. De tal forma que Mariano Rajoy ofereceu um avião para transportar políticos até Barcelona. Presidentes do Congresso, Senado, quase todo o governo, ex-primeiros-ministros, líderes dos principais partidos, dos governos regionais e de organizações sindicais, viajarão nesse Airbus 310, juntando-se em Barcelona aos membros da Generalitat e da Câmara da capital catalã.
Relação entre iguais
"Nós pedimos para não fazerem política com a segurança", afirmou ontem ao The Financial Times Carles Puigdemont, o presidente da Generalitat, sublinhando que o governo espanhol travou este ano a contratação de novos Mossos D"Esquadra e tem adiado a autorização do acesso das forças policiais locais a informação da Europol. "Infelizmente, o governo espanhol tinha outras prioridades", declarou.
Puigdemont fez ainda questão de esclarecer que os atentados não irão suspender o referendo de 1 de outubro para decidir a independência da Catalunha e que este dificilmente será travado por Madrid. "Temos mais de 6000 urnas de voto. Não vejo como o Estado poderá pará-lo", afirmou. "O regresso à normalidade é uma derrota para os terroristas", prosseguiu, sublinhando que uma Catalunha independente seria a melhor maneira de haver uma forte cooperação entre Madrid e Barcelona. "Não queremos voltar as costas a Espanha. Pelo contrário. Estamos convencidos que uma relação entre iguais melhorará a nossa relação".
Na quinta-feira, Jordi Turull, conselheiro e porta-voz do governo catalão, também já havia dado a garantia de que o referendo ia avançar. "A Catalunha está preparada e quer governar-se a si própria, mas tentar misturar uma coisa [terrorismo] com outra [independência] é muito infeliz", referiu numa entrevista dada na à Radio Nacional.
O primeiro passo formal para a convocação do referendo independentista de 1 de outubro será dado já a 6 de setembro, com a aprovação pelo Parlamento da Catalunha da lei do referendo. Esta votação cimentará o clima de tensão entre Madrid e Barcelona, temporariamente suspenso por causa dos atentados, sendo que o primeiro-ministro Mariano Rajoy já avisou que recorrerá ao Tribunal Constitucional para travar este processo.
Dentro do Junts pel Sí - coligação de partidos independentistas que, a par da CUP, compõe a maioria do Parlamento catalão - existe o sentimento de que a forma como tem sido gerida a questão dos atentados reforçou a imagem da Generalitat. Uma reportagem publicada esta semana pelo The Wall Street Journal defende que a investigação policial e a detenção dos suspeitos "deu ao governo catalão uma ocasião para mostrar o seu principal argumento: que pode governar independentemente de Madrid".