Rajoy em tribunal: "Tinham consciência de que não iria autorizar um referendo"

Ex-primeiro-ministro espanhol foi chamado para testemunhar no julgamento dos 12 independentistas catalães.
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O ex-primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, defende que "sobre o referendo nunca houve nada que falar" com o governo catalão, admitindo contudo que houve debate em várias ocasiões com a Generalitat e os partidos políticos espanhóis e o governo. Contudo, reiterou, "tinham plena consciência de que eu não iria autorizar um referendo", explicando que o explicou logo no primeiro encontro que teve com o ex-presidente da Generalitat, Artur Mas.

Rajoy testemunha no processo dos 12 líderes independentistas, que são acusados de rebelião, sedição e peculato na organização do referendo de 1 de outubro de 2017 e consequente declaração independentista. Rajoy começou por responder às perguntas do partido de extrema-direita Vox, que faz parte da acusação civil e foi quem o convocou a sentar-se no banco de testemunhas neste processo.

"Tentou-se convocar um referendo, mas ali não houve nenhum referendo como muito bem deixou claro a Junta Eleitoral Central", disse Rajoy, referindo que a consulta não tinha qualquer validade. O ex-primeiro-ministro lembra que disse a Mas que se quisesse fazer um referendo devia dirigir-se ao Congresso dos Deputados. "É o povo espanhol que decide o que é Espanha e não os representantes de uma comunidade autónoma", referiu em resposta ao advogado Javier Ortega-Smith.

Rajoy, que testemunhou durante mais de hora e meia, disse que falou seis vezes pessoalmente com Mas, além das vezes que falou por telefone, além de duas vezes que se encontrou com o seu sucessor na Generalitat, Carles Puigdemont. Em relação a Puigdemont (que se autoexilou na Bélgica para evitar este julgamento), Rajoy lembra que este lhe enviou uma carta "onde me instava a negociar os termos de um referendo". O ex-primeiro-ministro diz que "sabia que ia acontecer e tomou as decisões que tinha que tomar".

Ao longo do testemunho, o ex-primeiro-ministro afirmou que ouviu muita gente que queria mediar o tema, mas que a todos reiterou que "não negociava nem o cumprimento da lei nem a soberania nacional". E repetiu que "não houve nenhum mediador de nada" e que as suas posições estavam claras.

Rajoy envolveu-se numa troca de palavras com um dos advogados de defesa, Jordi Pina, que lhe perguntou se se encontrou pessoalmente com o presidente do governo basco, Iñigo Urkullu, para que este mediasse com os catalães. O ex-primeiro-ministro não respondeu com certeza, dizendo que falou com muita gente: "A alguns vi pessoalmente, com outros falei por telefone."

Questionado sobre a operação policial no dia do referendo, Rajoy diz que "a decisão de enviar políticas e guardas civis" foi "uma boa decisão" e foi "comunicada à Generalitat". Sobre o envio dos seis mil polícias para a região, o ex-primeiro-ministro diz que "suponho que os operativos entenderam que era necessário". Mas admite que houve atos violentos "que foram relatados amplamente pelos meios de comunicação".

Aplicação do artigo 155.º

Perante as insistências do advogado de que era uma situação excecional, Rajoy acrescentou: "Era uma situação excecional e tivemos de tomar uma decisão excecional, que foi pôr em marcha o artigo 155.º da Constituição", que suspendeu a autonomia da Catalunha.

Rajoy respondeu também às perguntas do procurador Fidel Cadena. Lembra a carta que enviou a Puigdemont depois da declaração unilateral de independência, e conseguinte suspensão, pedindo-lhe que confirmasse que tinha ou não declarado a independência da Catalunha.

"Houve um requerimento do governo a 11 de outubro, depois de uma declaração de independência deliberadamente confusa", referiu, dizendo que as cartas que recebeu de Puigdemont não respondiam diretamente. "Voltei a escrever-lhe no prazo de três dias para que retificasse e mandou uma carta na qual não respondia a nada e tive de seguir com o procedimento do artigo 155.º e pedir autorização ao Senado", referiu.

Rajoy indicou que foi "muito prudente" na forma como atuou, dizendo que pediu o apoio de todos os partidos (quando não precisava, porque tinha maioria absoluta no Senado). E reitera que "nenhum primeiro-ministro pode aceitar a liquidação do Estado". Na sua opinião, os independentistas sabiam o que os esperava na aplicação do artigo 155.º.

O ex-primeiro-ministro disse que estava "seriamente preocupado" e que não era "uma situação normal". E acrescenta: "Estava preocupado que um governo autonómico quisesse liquidar a Constituição."

Quanto à violência no dia do referendo, Rajoy disse que em causa estava cumprir a lei. "Numa situação como essa é normal que se possa produzir enfrentamentos", referiu. Noutra ocasião, reiterou que não deu ordens ao delegado do governo espanhol na Catalunha, Enric Millo, para que pedisse perdão aos feridos que resultaram nos confrontos.

Mais tarde no testemunho, quando pressionado por um dos advogados de defesa sobre uma reunião do conselho de segurança, que terá sido adiada várias vezes depois do referendo, Rajoy respondeu que estava preocupado em ter o apoio dos partidos à aplicação do 155.º e que os catalães recuassem na declaração unilateral de independência. "O estado de exceção e de sítio foram estudados, mas não lhes dedicámos muito tempo", indicou.

Questionado sobre as diferenças entre o referendo de 1 de outubro de 2017 e a consulta popular de 9 de novembro de 2014, Rajoy explica que o cenário era muito diferente. "Não era uma consulta vinculante, esta era; não houve uma declaração unilateral de independência e agora havia. E o mais relevante é que, da parte dos tribunais e a procuradoria, se considerou que não era proporcional fazer o que logo se fez. A situação era muito diferente", indicou.

Na sua intervenção, Rajoy indicou também que o governo apresentou mais de 20 recursos ao Tribunal Constitucional sobre os temas importantes do processo independentista, mas alegou que não se lembra de todos.

"Se tivessem respeitado a Constituição, não estaríamos aqui hoje, nem teríamos de ver os ferimentos que sofreram os eleitores e os membros das forças de segurança", referiu Rajoy, quando questionado sobre a violência no dia 1 de outubro. Repete o mesmo, depois de uma das advogadas, Marina Roig, ter mostrado imagens de uma reportagem sobre as agressões policiais desse dia. "A responsabilidade dos políticos é evitar que se produzam imagens como as que vimos. Lamento muitíssimo", referiu, reiterando que não teriam acontecido se tivesse havido o respeito pela Constituição.

Rajoy lembrou que nem quando era ministro do Interior decidia quantos polícias deviam participar nos dispositivos de segurança, logo também não o faria enquanto primeiro-ministro. "Não sei quem tomava as decisões sobre os operativos policiais", referiu, deixando claro que era a vice-presidente do governo, Soraya Sáenz de Santamaría, a sua interlocutora sobre este tema. E disse que não sabe quem tomou a decisão de mandar parar a intervenção da polícia após a violência da parte da manhã no referendo catalão.

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