Radiografia à União Soviética proibida por Steinbeck e Robert Capa
O mais impressionante de Um Diário Russo é o facto de nunca ter existido uma tradução portuguesa, isto num livro publicado em 1948. Foram precisos exatamente setenta anos - a edição original sai em abril de 1948 - para que se tivesse acesso ao relato em português da viagem que o escritor John Steinbeck e o fotógrafo Robert Capa lançaram após uma viagem pela Rússia nos tempos do pós-II Guerra Mundial, uma época em que o poder de Estaline se confirmava e o desconhecido império soviético gerava enorme curiosidade no ocidente.
E foi assim que Steinbeck e Capa se encontraram no bar do Hotel Bedford em Nova Iorque e, ambos sem projetos imediatos, encontraram na busca da explicação da União Soviética uma boa oportunidade. Diz Steinbeck no prefácio que nesses dias "os jornais publicavam milhares de palavras sobre a Rússia escritas por pessoas que nunca lá tinham estado". O que vestiam os soviéticos? O que comiam? O que conversam? Existe vida privada?... "E foi assim que resolvemos tentar fazer um trabalho de reportagem simples", diz o escritor, que não abria mão de toda a reportagem ser registada pelo fotógrafo Robert Capa.
A partir dessa ideia inicial, a dupla propôs a ideia ao jornal Herald Tribune e o editor concordou. Aí, os dois combinaram as linhas mestras do trabalho: tentariam "não ser críticos nem favoráveis"; procurariam "fazer uma reportagem honesta"; exigiriam "ouvir e ver sem reservas", ou seja, procurar a verdade.
A organização da viagem não foi fácil e as autoridades soviéticas contestaram até o facto de Steinbeck precisar de levar Capa por considerarem que existiam bons fotógrafos na Rússia, mas o escritor não cedeu. No final do processo burocrático, Steinbeck revelou que "nem eu nem Capa acreditámos que íamos conseguir fazer o que nos propúnhamos", e lá se prepararam para a expedição. A presença de Capa continha uma novidade, pois "há muitos anos que nenhum americano fotografava a União Soviética", tanto assim que Capa reuniu imensa aparelhagem e teve de pagar excesso de carga no valor de 300 dólares.
Nas mais de 200 páginas que descrevem a viagem encontram-se histórias inesperadas, surpresas e testemunhos importantes para se compreender o país que estava além da chamada Cortina de Ferro e envolto no espírito da Guerra Fria. Escritas com o talento de Steinbeck e retratadas com a precisão de Capa, apesar de existirem profusas comparações com o país de origem da dupla, fica-se com uma visão do que era um país desconhecido dos americanos - e do mundo. Capa trouxe quatro mil negativos e Steinbeck centenas de páginas de apontamentos.