Racismo e misoginia na polícia levam à saída da 1.ª líder da Scotland Yard

A comissária Cressida Dick demitiu-se por pressão do mayor trabalhista Sadiq Khan. Polícia Metropolitana está a investigar o partygate, mas a demissão não deverá afetar esse caso.
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Um relatório que apontava para a existência de "discriminação, misoginia, assédio e bullying" na Polícia Metropolitana e a indicação que alguns dos envolvidos continuam em funções foi a gota de água para o presidente da câmara de Londres, Sadiq Khan. Na semana passada, exigiu à comissária Cressida Dick uma mudança "urgente" e "profunda" dentro da principal força policial do Reino Unido e esta semana alegou não estar "satisfeito" com a resposta dada. Resultado: a primeira mulher a chefiar a Scotland Yard demitiu-se.

"É óbvio que a única forma de começar a garantir o nível de mudança que é necessário é ter uma nova liderança no topo da Polícia Metropolitana", disse Khan num comunicado, onde agradeceu o "serviço público dedicado" de Dick nos últimos 40 anos e o trabalho a ajudar a reduzir o crime violento em Londres. A comissária, no cargo desde 2017, explicou também num comunicado que era "óbvio" que Khan "já não tinha confiança suficiente na sua liderança para continuar" e que por isso "não tinha alternativa" a não ser demitir-se, ficando por "um curto período de tempo para garantir a estabilidade" até à escolha de um sucessor.

O trabalhista Khan, que deverá ter uma palavra a dizer na escolha do próximo comissário junto com a ministra do Interior conservadora, Priti Patel, lembrou que é "urgentemente necessária" uma mudança "para reconstruir a confiança dos londrinos" na polícia e "arrancar o racismo, sexismo, homofobia, bullying, discriminação e misoginia que ainda existem".

A Polícia Metropolitana - também conhecida como Met ou Scotland Yard devido ao nome da rua onde ficava a sede original - é responsável pela investigação dos crimes na área de Londres. Tem estado debaixo de fogo devido a uma série de escândalos. Um dos casos mais mediáticos foi o de Sarah Everard, raptada em março de 2021 pelo polícia Wayne Couzens, que a deteve quando caminhava para casa sob o falso pretexto de que estaria a incumprir as regras contra a covid-19, acabando por a violar e matar.

Também gerou críticas a resposta da polícia a uma vigília em homenagem a Everard, que tinha sido proibida por causa das restrições. Após confrontos com agentes que procuravam desalojar a manifestação, quatro mulheres foram detidas com violência.

Já em dezembro, dois agentes foram condenados a dois anos e nove meses de prisão por terem "desumanizado" duas mulheres negras, que morreram esfaqueadas num parque londrino em 2020. Os polícias estavam a guardar a cena do crime e tiraram fotografias dos corpos, partilhando-as em grupos de WhatsApp. Estes casos já tinham levado a um coro de vozes a pedir a demissão de Cressida Dick.

Mas apesar dos escândalos, o contrato da comissária foi alargado durante mais 24 meses em setembro do ano passado pela ministra do Interior. Na altura alegou-se que o governo não estaria interessado em promover aquele que surgia como o provável candidato à sucessão, Neil Basu. O subcomissário, que é filho de pai indiano e seria o primeiro líder da Scotland Yard de uma minoria étnica, criticou no passado algumas declarações do primeiro-ministro Boris Johnson - em particular quando este comparou as mulheres que usavam burqa a "caixas de correio".

Mas para o mayor, o relatório publicado no dia 1 de fevereiro pelo organismo que investiga a conduta policial foi a gota de água. Em causa esteve a investigação ao comportamento de vários agentes, a maioria dos quais da esquadra de Charing Cross, sendo revelada a troca de mensagens onde se brincava com temas como a violação ou se usava linguagem ofensiva. A investigação concluiu que os incidentes fazem parte de uma cultura mais ampla que não pode ser atribuída a algumas "maçãs podres".

A demissão de Dick surge numa altura em que a Met tem em mãos o inquérito às festas em Downing Street durante o confinamento - o próprio primeiro-ministro participou em algumas. Depois de meses em que recusou investigar o chamado partygate, chegando a ser acusada de querer proteger quem está no poder, a comissária surpreendeu ao anunciar um inquérito criminal dias antes de serem reveladas as conclusões da investigação interna de Sue Gray. Com esse gesto, obrigou-a a publicar uma versão reduzida do relatório, já que não podia incluir pormenores das festas que estão a ser investigadas.

A polícia é "independente" e "tenho absoluta confiança na sua capacidade de realizar esta investigação", disse ontem o secretário de Estado dos Transportes, Robert Courts. Johnson está a ser pressionado para se distanciar do processo de escolha do sucessor ou sucessora de Dick, para não criar a ideia de que irá escolher alguém que o poderá beneficiar.

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