Rácio da dívida já furou valor mais alto de sempre: 133%
O rácio da dívida pública portuguesa (medido em proporção do PIB - produto interno bruto) terá já superado os 133% no final do primeiro semestre, o maior valor de que há registo. As previsões oficiais divulgadas recentemente dizem que esta marca ainda vai piorar até final do ano.
Cálculos do DN/Dinheiro Vivo com base em dados do Banco de Portugal (BdP), da Comissão Europeia (CE) e da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económicos (OCDE) mostram que, apesar da descida da dívida em valor no mês de junho (para 259,8 mil milhões de euros), o rácio terá subido de forma significativa pois o PIB nominal continua a esvair-se.
Em junho, a OCDE estimou que a economia portuguesa irá encolher quase 8% em 2020, ficando o PIB nominal nos 195,7 mil milhões de euros. A projeção da OCDE diz que o peso da dívida deverá subir para 135,9% no final deste ano e que a recessão real da economia deve chegar a 9,4% num cenário menos adverso.
No entanto, em julho, a CE, que reuniu mais informação, veio dizer que a situação deve ser pior, subindo a marca da recessão para 9,8% em termos reais (também num cenário de base, menos severo). Esta retração histórica da economia portuguesa corresponderá a um PIB nominal de 195,2 mil milhões de euros em 2020.
Assumindo este último valor (que é o mais recente e incorpora mais informação recente sobre a evolução do país), significa que o rácio da dívida portuguesa estaria já nos 133,1% do PIB a meio do ano (junho).
Na segunda-feira, o banco central agora governado por Mário Centeno, a instituição responsável pelo apuramento da dívida pública (ótica do Tratado de Maastricht, a que é seguida por Bruxelas), revelou que "em junho de 2020, a dívida pública situou-se em 259,8 mil milhões de euros, diminuindo 4,6 mil milhões de euros face ao mês anterior".
"Para esta redução contribuíram essencialmente as amortizações de títulos no valor de 4,4 mil milhões de euros".
O BdP não o refere, mas o maior contributo para este alívio da dívida é apenas temporário. O stock de endividamento da República caiu muito em junho porque o Estado pagou uma enorme obrigação do tesouro (OT) herdada do tempo do governo de José Sócrates. Trata-se de uma OT a dez anos emitida em junho de 2010 e que venceu a 15 de junho último. O seu valor: 8 mil milhões, agora reembolsados.
No Orçamento suplementar aprovado em julho, o Ministério das Finanças (tutelado por João Leão, o ex-secretário de Estado do Orçamento de Mário Centeno) previa que o peso da dívida chegasse a 134,4% do PIB, mas com a economia a cair 6,9%.
Este cenário está cada vez mais afastado, o que faz subir só por isso o rácio da dívida. Como referido, Bruxelas diz que a recessão pode chegar aos 9,8%. O Banco de Portugal aponta uma quebra de 9,5%, também num cenário menos adverso.
Mas é mais do que certo que o governo vai ter de se endividar mais até final do ano para financiar as suas medidas de combate aos efeitos muito severos da pandemia sobre a atividade económica e o emprego.
Em apenas um mês, entre junho (quando foi entregue o suplementar) e julho (quando este orçamento foi aprovado no Parlamento), o desfasamento previsto para 2020 entre receitas públicas e despesas - o défice - subiu de 6,3% para 7%.
Não havendo grandes possibilidades de puxar muito mais pela receita num ano de recessão e com uma enorme pressão para fazer despesa, aqueles 7% de défice têm de ser financiados com recurso a mais dívida.
A OCDE, a última instituição internacional a fazer projeções para Portugal, diz que o défice português deve aumentar para 7,9% no final deste ano.
No início de julho, o Dinheiro Vivo já tinha noticiado que o peso da dívida pública em relação ao PIB deveria registar o valor mais elevado de que há registo em maio ou junho, seis meses antes do previsto.
O anterior máximo anual da dívida aconteceu em 2014, quando Portugal ainda estava sob o programa de ajustamento do governo PSD-CDS e da troika: nessa altura chegou a 132,9%.
Apesar da recessão brutal, a situação hoje em termos de recurso à dívida é bastante aliviada pelas medidas do Banco Central Europeu (BCE) que estão a conseguir conter as taxas de juro soberanas em níveis mínimos ou próximo de mínimos.