"Quero viver, seja o tempo que for, mas quero ainda viver"

Manuel Dionísio é um dos utentes da recém-inaugurada Unidade de Cuidados Continuados Integrados da Santa Casa. Aqui procura a força para continuar.
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Manuel Dionísio perdeu parte da perna, depois de umas feridas nos dedos do pé que para cicatrizar "umas vezes quase que sim, outras quase que não e aquilo não tinha solução". Até que os médicos acabaram por propor uma operação. Foi amputado e irá colocar uma prótese, motivo pelo qual se viu forçado a uma recuperação com fisioterapia na Unidade de Cuidados Continuados Integrados de São Roque (UCCI) da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Chegou aqui há "três meses e tal", com esperança de que este "processo fosse mais rápido", mas nada que lhe tire o ânimo e a vontade de ultrapassar esta fase.

A UCCI de São Roque, inaugurada em julho deste ano, é a primeira unidade de cuidados de média e longa duração em Lisboa. Aqui, os utentes podem ficar entre 30 e 180 dias. Este é um apoio prestado aos cuidados após a fase aguda e que os hospitais já não têm capacidade de dar. "O doente é visto como um todo e tem um plano individual de terapêutica. Implica a terapêutica médica, portanto a medicação que está a fazer, implica a indicação do que tem de fazer de reabilitação, que pode fisioterapia, terapia ocupacional ou terapia da fala. Tem acompanhamento de uma animadora sociocultural na sala, tem um psicólogo - que, se necessário, poderá intervir em grupo, individualmente ou com a família - e temos a assistente social, que de facto é um dos elementos-chave nesta equipa", descreve Ana Jorge, coordenadora da UCCI São Roque. Depois da alta, estes doentes podem, ainda, ser acompanhados pela equipa da comunidade.

A responsável da unidade não tem dúvidas de que o que mais conta no apoio prestado a estes utentes é a relação que se estabelece entre eles e o pessoal técnico. "O que faz a diferença do ponto de vista da prestação de cuidados e dos bons resultados tem que ver com o pessoal. É aí que está o grande investimento, porque é fundamental a relação humana e a relação terapêutica."

Uma preocupação com os outros

"São pessoas acessíveis e, desde o primeiro dia o que me chamou à atenção é que são preocupadas com os outros." É assim que Manuel Dionísio - um homem "já de uma certa idade", como se refere para indicar a idade - vê os técnicos que trabalham na UCCI São Roque. Um elogio que se estende não só às auxiliares, que "são prestáveis e estão ali para nos ajudar", mas também aos fisioterapeutas, que tiram muitos dos utentes da preguiça e do medo em que se deixaram cair, optando por ficar na cama e deixando de se mexer, aponta o utente. "Vejo que as pessoas fazem progressos. Alguns entram de cadeiras de rodas e passado um tempo já andam. Não andam bem, mas andam", aponta.

Um diagnóstico que faz para os outros mas que, reconhece, lhe custa a fazer para si próprio. Prefere acreditar que o seu caso é mais demorado do que os outros. Ainda assim, lá acaba por admitir que se sente "mais seguro e até mais forte e com mais vitalidade do que tinha".

Para a médica e coordenadora da UCCI São Roque, Ana Jorge, esse sucesso "depende muito da relação empática que se estabelece com os doentes". "O doente sabe que tem de ir embora e o que tentamos fazer, muitas vezes, é ajudar o doente a ter outras condições para resolver os problemas quando vai para casa."

Porque o objetivo é ter a população independente em casa, sempre que possível. "Não podemos ter os doentes sempre em camas, temos de lhes dar vida", sublinha Ana Jorge. O ideal é, sempre que possível, que "estejam em casa com apoio domiciliário", de modo a que "a rede possa dar resposta a mais pessoas". Isto, atendendo ao facto de Portugal ter uma população cada vez mais envelhecida e que vai precisar de mais cuidados.

No entanto, os próprios utentes reconhecem que nem sempre é fácil deixar estas instalações onde se habituaram a receber apoio. Os laços construídos acabam por ser tão fortes que Manuel Dionísio já viu muitas pessoas que chegada a hora de se despedirem da UCCI São Roque preferiam ficar. "É curioso. Vários casos que conheço, vi que as pessoas estavam a querer ficar porque gostam de cá estar. E de facto este é um sítio bom", elogia. Um local onde Manuel Dionísio se sente bem e espera poder recuperar, pelo menos, alguma da sua independência. Embora já saiba que, quando colocar a prótese, não vai poder sair aos saltos e que também vai ter alguns momentos em que sente falta da vida fora da UCCI. Uma rotina que quebra quando sai "para almoçar ou jantar fora" com os três filhos, os seus grandes apoios.

Antes do problema de saúde, Manuel Dionísio aproveitava a sua reforma, integrado numa universidade sénior que o ajudava a manter algum ritmo dos anos de trabalho. "Faço lá uma série de coisas. Danço, que gosto muito. Uma pessoa tem de se mexer", justifica.

Sabendo que vai ser difícil voltar à dança, Manuel Dionísio está concentrado em recuperar "a saúde", "um bem essencial" com o qual "a gente vai a todo o lado". Sem esconder a emoção na voz e no olhar, Manuel resume o seu grande objetivo: "No fundo, é viver, pá." "Quero viver, seja o tempo que for, mas quero ainda viver e se possível que me mexa, que ande... ou mesmo se não me mexer. As pessoas pensam: quero é viver."

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