"Quero que o meu disco seja um bom companheiro"

É um maestro que conserva, com o novo disco, "Ensemble" (a publicar dia 15 de abril), um objetivo primordial: a procura da felicidade. Nem sempre "allegro vivace", mantém um compasso muito vivo - e simples - na sinfonia das palavras, evitando o discurso de câmara
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Diz-se um compositor acabado de nascer, até por contraponto à experiência acumulada na direção de orquestras. Se, na música, privilegia a abstração, não se fica pelas meias-palavras. Nem pelas ideias minimalistas.

Li, numa biografia do Leonard Bernstein, que o seu grande mestre, Koussevitzky, o preveniu de que, se continuasse a dispersar-se pela composição e pelo piano, nunca chegaria a ser um grande diretor de orquestra... Este aviso solene não se aplica ao Rui Massena?

Julgo que para o Bernstein, que era um génio, tornou-se possível ir atendendo às suas várias pulsões. Para nós, comuns mortais, é muito mais difícil... Acontece que eu não tenho pretensão de ser o maior da atualidade e que, acima disso, procuro a felicidade, ando atrás daquilo que me dá prazer e a que, em dado momento, me entrego por inteiro. Concretizando: cumpri uma fase de direção de orquestra até ao ano em que Guimarães foi capital europeia da Cultura [2012], agora estou inteiramente dedicado a um momento de composição. Se quiser, no limite, ando à procura das minhas próprias palavras...

Partimos do princípio, então, que este disco, Ensemble, que a 30 de abril vai ser apresentado no Centro Cultural de Belém e no Porto a 2 de maio, na Casa da Música, acrescenta bastante o seu "vocabulário"...

Eu sei que corro o risco de não ser bem interpretado, mas já cheguei a pensar que os últimos 15 anos foram uma preparação, um aperfeiçoamento para chegar aqui... Escrever, tocar, dirigir uma orquestra... Enquanto dirigi, só, era o intérprete - agora, sou o criador. E nem sequer me classifico como pianista porque, aqui, sou apenas a pessoa que interpreta as suas composições. "Pianistas" são alguns colegas que tenho e que são exímios... Eu prefiro ser avaliado pela composição.

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Isso sugere que haverá composições suas passíveis de serem melhoradas por outros pianistas?

Não... porque eu busco sobretudo a simplicidade na minha música, durante o processo de composição. Se alguém disser que aquilo que fiz não é "complexo", tomo isso como um elogio, foi para isso que trabalhei. Para tocar nas pessoas de uma forma simples e para lhes pacificar o espírito. Já bem basta a desordem em que anda o mundo... Uma das palavras-chave, no primeiro disco [Solo, de 2015] como neste (e nada implica que isso se repita no próximo...), tem sido "tranquilidade".

Deixe-me voltar um pouco atrás: sente que este ciclo dedicado à composição implica, de alguma forma, que se enferruje ou perca a mão como diretor de orquestra?

A direção de orquestra é feita não só pela música, mas pela tua maturidade pessoal, pela tua maturidade artística. Penso que o facto de eu "frequentar" várias áreas vai-me engrandecendo, fortalecendo, também enquanto artista. Vamos a um exemplo que defendo: os casos de alguém que só faça Mozart e de outro alguém que, fazendo Mozart, também aborde Schubert, Mahler ou Stravinsky. Penso que o segundo acabará por fazer um melhor Mozart, porque sabe qual é o lugar dele, por comparação, por antagonismo... Tem outras referências. No meu caso, este ciclo, chamemos-lhe assim, está a dar-me mais bagagem para perceber o criador, o compositor. Toda a vida fui intérprete e agora, nessa condição, tenho mais conhecimentos, mais experiência para interpretar melhor. Note que não estou a comparar-me com os grandes compositores, não é nada disso. Mas se, aos 43 anos, posso atravessar todos estes "setores", espero que isso me permita chegar aos 50 com uma perceção muito mais clara do que é essencial em cada um deles.

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