Marta Pereira da Costa : "Quero que a guitarra portuguesa seja conhecida mundialmente. Esse é o meu sonho"
Como surgiu o interesse pela guitarra portuguesa?
O interesse surgiu através do meu pai. É apaixonado por fados e pelo som da guitarra portuguesa. Toco piano desde muito pequenina, sempre fui apaixonada por música, e ele sempre me disse que gostava muito que eu aprendesse guitarra portuguesa. Enfim, era uma coisa que ele ia repetindo e um dia levou-me a casa de Carlos Gonçalves, o guitarrista de Amália Rodrigues. E e apaixonei-me pelo instrumento e por aquele professor, e pela história que ele carregava. A partir daí tive uma enorme vontade de descobrir o instrumento, os fadistas, e o que os fadistas cantam. E tive uma vontade enorme de aprender e de ir às casas de fado.
Referiu que costumava ir às casas de Fado. Ainda as frequenta?
Vou muito menos, antes ia todos os dias. Estava a estudar Engenharia e depois das aulas, no Técnico, ia diretamente para as casas de fado. Mas gosto muito de ir ao Fado ao Carmo. É sempre bom voltar, estar do lado de cá e não estar do lado de lá a tocar. E sabe muito bem ouvir.
Decidiu abandonar a Engenharia Civil e dedicar-se à música. Foi uma decisão difícil de tomar?
Foi uma decisão que foi adiada durante muito tempo. Já quando tirei o curso queria ter seguido música e ter entrado na Escola Superior de Música. Era um sonho que foi adiado. Custou-me, pelo medo de arriscar e de trocar uma profissão segura e estável pelo incerto. Foi a fase em que eu estava a começar, não havia garantias, porque é algo que nos pode correr muito bem durante um mês, como depois pode aparecer uma pandemia e temos de ficar parados em casa, sem qualquer fonte de rendimento. É uma profissão na qual é preciso investir muito. A cultura não tem grandes apoios cá em Portugal, mas é uma coisa que eu faço com tanto gosto, com tanta paixão, que acredito que vale a pena. O retorno acaba por vir sempre, do trabalho, da dedicação, do empenho, da determinação.
Como é ser das poucas mulheres a tocar a guitarra portuguesa?
Antes de mim já existia a Luísa Amaro, a mulher do Carlos Paredes, o maior nome da guitarra portuguesa. No fado, quando comecei a tocar, realmente não havia outras mulheres. E nas casas de fado, onde eu ia e aprendia, não havia. Nem sequer dava grande importância a isso. Mas eu simplesmente aparecia, queria tocar e as pessoas achavam graça. E sempre me receberam muito bem. Só mais tarde, quando comecei a fazer concertos e a ter alguma visibilidade, é que me começaram a questionar. E eu sentia alguma responsabilidade pelo facto de ser pioneira, de ser uma mulher no meio de homens. Tinha muita vontade de fazer tudo bem para mostrar que nós, mulheres, também somos capazes de tocar bem guitarra portuguesa.
Qual é a maior dificuldade de tocar este instrumento?
Acho que é um instrumento bastante difícil, pela tensão das cordas, pelo facto de serem cordas duplas e pela afinação. A afinação deste instrumento é uma afinação especial e há muitos guitarristas que até as chamam de "malditas", porque exige muita força. E se calhar as mulheres têm menos força que os homens e, por isso, é que não há tantas a tocar. No entanto, acho que se consegue contornar isso pela sensibilidade das mulheres na abordagem do instrumento de uma outra forma, não à base da força, mas à base da delicadeza e da sensibilidade.
Esteve em digressão nos Estados Unidos em 2019. Como é que foi apresentar-se ao público americano?
Tinha um sonho americano de levar a guitarra portuguesa aos festivais, aos auditórios e às salas de concerto norte-americanas. E tudo começou por ter sido aceite no festival South by Southwest, que é um festival muito, muito grande que existe em Austin, no Texas. E a partir daí, pensei: tenho de me apresentar na máxima força. Eles dão-me um concerto, meia-hora de fama, eu posso convidar promotores para assistir ao concerto. Levei a minha equipa toda, fiz um grande investimento e levei guitarra portuguesa, viola, contrabaixo, piano e percussão. Fomos todos para os Estados Unidos. Esse foi o primeiro concerto, a partir desses surgiram mais sete. Felizmente correram muito bem, desde o Lincoln Center, em Nova Iorque, ao Kennedy Center, em Washington, ou ao Narrows, em Fall River. Depois convidaram-nos também para a tocar na Califórnia. Acho que as pessoas gostaram muito, sentiram curiosidade pelo instrumento porque muitas nem sequer sabiam o que era. Gostaram da sonoridade, quiseram saber mais e começaram a seguir-me. A oportunidade de ir ao South by Southwest permitiu-me uma visibilidade muito grande junto dos promotores. O Felix Contreras. programador do Tiny Desk, programa de rádio americano, foi assistir a um concerto e gostou tanto que me fez um convite para me apresentar no programa. Depois, com a pandemia, não foi possível e foi adiado. Mais tarde voltei aos Estados Unidos e o Felix Contreras assistiu a um concerto em Washington e fez novamente o convite. Acabamos por ir agora, em outubro, ao Tiny Desk.
Como é que foi a experiência?
Nem estava em mim, nem conseguia acreditar....músicos enormes passaram por ali como Sting, Lenny Kravitz, U2, Adele, Taylor Swift. E lá estava eu, ali, no mesmo lugar que costumava ver no YouTube, quando queria descobrir músicas novas e atuações fantásticas. Estava muito nervosa, estava muito sorridente, muito contente, mas muito desconcentrada e nervosa. Tinha mil e uma coisas a passar pela cabeça, mas acima de tudo muito orgulhosa por levar a guitarra portuguesa a um palco que tem alcance mundial. Tenho um orgulho muito grande de ser portuguesa e de poder levar a guitarra comigo, que é uma das bandeiras de Portugal.
Já passou por outro países como Brasil, Canadá, Suíça, Espanha, Peru, Dubai, Senegal e Marrocos. Qual foi o público que mais a surpreendeu?
Aquilo que mais me marcou foi o concerto em Washington. Toquei no Kennedy Center, na minha primeira digressão, e foram duas horas em que me senti uma estrela. Tinha uma fila interminável de pessoas que queriam saber mais sobre a guitarra portuguesa. Conversei com cada uma delas, dando atenção e querendo perceber o que é que os emocionou, o que é que os fez ficar ali, o que é que os fez querer conversar comigo. Foram duas horas a falar e a assinar CD. Fiquei a pensar: bolas, eu não sou conhecida para fazer uma coisa destas! Estava muito feliz porque o público americano tem tanta variedade de músicas, e ali estavam 800 pessoas, que nem sabiam o que era a guitarra portuguesa e foram ao concerto. Aquilo marcou-me muito.
Qual é agora o próximo sonhoa atingir?
O sonho que estou a construir é o de continuar a levar a guitarra portuguesa o mais longe possível. Sempre que toco no estrangeiro emociono-me e sinto essa responsabilidade de levar o nome de Portugal e a história do fado ao mundo. A ideia é continuar a fazer isso e ir a mais países. Quero que a nossa guitarra portuguesa seja conhecida mundialmente. Esse é o meu sonho.
mariana.goncalves@dn.pt