"Queria ser o Tom Jones peruano. Um dia levaram-me à ópera e disseram 'tens boa voz'" 

O tenor peruano John Schofield e a pianista polaca Dorota Zarowiecka apresentaram em Lisboa um recital no Palácio Marquês da Fronteira, uma iniciativa da Embaixada do Peru. O músico falou-nos sobre a sua carreira musical e a tradição da música clássica e lírica na América Latina.
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Como começou a sua carreira de tenor?
Desde criança sempre cantei e quis ser como Tom Jones, mas com o passar do tempo comecei a aprender a cantar e o pai de um amigo meu chamado Piero Solari trouxe-me à ópera e ele disse-me "hey, tens boa voz" e levou-me a estudar com Paquita Cendra e Elvirita Gayani de Calcagno, que era co-repetidora de Luis Alva.

A música, os recitais e a ópera, o que significam para si?
A música é a linguagem da alma. É esse código divino que o Senhor nos deu para expressar as nossas tristezas, alegrias, dúvidas, esperanças, para comunicar com ele e com a sua criação.

No contexto latino-americano, mais especificamente no Peru, como são recebidos os recitais? Há interesse pela música clássica?
Sim, há. O que acontece é que não há muitos patrocinadores. Mas há um grande interesse. Antes de vir para Lisboa, cantei na Praça de Armas em Lima em frente de um grupo de 200 pessoas e todos eles estavam interessados. Depois cantei na Estação de Desamparados e também estava cheia. Não se pode dizer que não há interesse. O que acontece é que não há apoio das empresas ou do Estado para a música lírica.

É possível ter sucesso como tenor na América do Sul, e como é que a carreira de um tenor difere da da Europa?
O sucesso é uma coisa muito subjetiva. Não é real o que todos pensam que se acaba de cantar e se sai voando, isso não é verdade. O tenor é tão humano como qualquer outra pessoa. Cantar é dez por cento talento e noventa por cento trabalho. Qualquer pessoa que me conhece sabe que todos os dias me levanto às sete da manhã para fazer exercício, como um atleta. Com a idade que tenho, tento manter-me em forma porque o meu corpo é o meu instrumento. Por isso, quando as pessoas me perguntam se tenho tido sucesso na Europa, penso que não importa se se canta na América Latina, na África ou onde quer que seja. O que se pretende é estabelecer uma ligação com as pessoas, trazer aquela mensagem poética que é o canto lírico e partilhá-la com as pessoas. Se não aprecia ou não gosta de pessoas, não cante.

O que pensa sobre Alejandro Granda Relayza, um tenor peruano considerado um dos melhores da América do Sul no século passado, esquecido por quase todos. O que causou este esquecimento?
Penso que o Ale caiu num período de pós-guerra o que de alguma forma o levou a perder a sua capacidade económica. Mas para mim o maior tenor peruano foi ele. O maior. Há até uma história de que ele era o tenor preferido de Mussolini no La Scala em Milão. Tenho um álbum dele que o meu amigo Francesco Petrozzi, o tenor, conseguiu para mim em LP e eu não o consegui ouvir. Quando fui à Europa pela primeira vez, encontrei-o em CD. Quem ouve Alejandro Granda a cantar diz "Ah, não, não. Este é um tipo de homem superior".

No mundo dos recitais, o que impede a América do Sul de mostrar o seu talento? A América do Sul pode alguma vez ser um centro de tenores?
A América do Sul é uma extensão da Europa. Eu estive no Padrão dos Descobrimentos em Lisboa, o que me lembrou que toda uma corrente saiu para o mundo com Magalhães, Vasco da Gama, o próprio Cristóvão Colombo antes, que trouxe toda aquela cultura europeia para a América e nós a absorvemos, a misturámos com a nossa e devolvemo-la a eles. Quem vai a Espanha, Portugal, Itália ou França pode encontrar uma mistura com as nossas tradições sul-americanas. Penso que é um circuito. A América Latina e o seu nexo com a Europa têm muito a ver uma com a outra. Se vai haver um boom na música lírica aqui na Europa, posso assegurar-vos que também vai haver um boom lá.

Onde será o seu próximo recital?
Depois de Lisboa, farei outro na Hungria e de lá regressarei a Lima.

(Editado por Leonídio Paulo Ferreira)

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