"Queremos mostrar qual a inovação que está ​​​​​​​por trás das patentes. Abrir o debate à sociedade"

Importância do direito de propriedade intelectual é tanta que as startups com pelo menos uma invenção patenteada têm dez vezes mais possibilidades de arranjar financiamento. Novas ferramentas facilitam todo o processo.
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Para que serve uma ideia inovadora se nunca sair do papel, não tiver quem nela invista? Em contrapartida, do que adianta ter a melhor fórmula do mundo se logo a seguir alguém a vai copiar - e quase de certeza vendê-la mais barato? É para proteger os (jovens ou não) empresários destes cenários que existe o sistema de patentes - ele próprio a saber inovar-se de forma a ficar mais simples, mais barato e mais útil.

Na sequência da introdução, no passado mês de junho, da Patente Unitária Europeia - um sistema que permite registar, num único ato, uma criação em 17 países da Europa (ler mais à frente) - o Instituto Europeu de Patentes (EPO na sigla inglesa) lançou este mês dois novos serviços que visam facilitar o acesso da sociedade à informação patenteada e a interligação entre inventores e possíveis investidores.

Porque, afinal, quando se fala de patentes "estamos sempre a falar de inovação tecnológica, de inovação. As patentes são um mecanismo, um veículo, mas o que verdadeiramente importa é: o que está por detrás delas?", como descreve ao DN Telmo Vilela, conselheiro principal e representante para os Assuntos Institucionais do presidente do EPO.

Este instituto decidiu assim abrir as suas bases de dados à sociedade civil, através do Observatório de Patentes e Tecnologia. "São únicas no mundo" essas bases de dados, diz Telmo Vilela. "Não contêm só patentes, têm artigos científicos com standards, por exemplo, com tudo aquilo que tem a ver com um tema relacionado na área da tecnologia."

"Nós temos este cérebro de documentos, que utilizamos para fazer aquilo que é a nossa tarefa fundamental, que é verificar se uma invenção é nova ou não - é com base na análise destas bases de dados que tomamos essa decisão -, mas há muito mais que se pode retirar delas, há toda uma inteligência que pode ser utilizada", afirma. "Podem ser usadas, por exemplo, para tentar perceber quais são as próximas tendências tecnológicas que aí vêm."

No trabalho traçado para os próximos dois anos do Observatório, segundo o que já foi acordado pelos 39 Estados-membros do EPO, a ideia é "rentabilizar ao máximo este acervo de documentação tecnológica para que seja utilizada pela sociedade civil". Afinal, "o sistema de patentes só faz sentido ser contrapartida da divulgação da informação científica", afirma Telmo Vilela.

A pesquisa num acervo gigantesco como o do EPO pode ser tarefa complicada, quase impossível, para um "leigo", por isso o instituto prepara uma série de pesquisas pré-programadas sobre assuntos que considera socialmente relevantes. E com o flagelo dos incêndios que tem assolado o planeta, o primeiro tema abordado foram as "tecnologias de combate a incêndios".

"Fomos ver que tecnologias existem, as que estão protegidas, e lançámos uma plataforma para ajudar aqueles que estão envolvidos no combate a incêndios, os que têm de tomar decisões acerca das tecnologias que podem ser adotadas e encontrar as técnicas de deteção, de combate, para a fase após os incêndios...", descreve Telmo Vilela.

O projeto seguinte prende-se já com uma das doenças que mais mata no mundo. "No próximo dia 4 de fevereiro, para coincidir com o Dia Mundial de Luta Contra o Cancro, vamos lançar a próxima plataforma, com as inovações relacionadas com combate ao cancro e tecnologias que existem", diz Vilela.

"Temos um plano enorme", afirma o responsável, visivelmente entusiasmado. "Estamos muito focados nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. O próximo plano estratégico do EPO, que vai até 2028, é todo ele focado na questão da sustentabilidade, pelo que todos os objetivos vão dar aí: tentar perceber de que forma é que as patentes e as tecnologias podem contribuir para chegar a esses esses objetivos."

Uma startup ou spin-off com pelo menos um direito de propriedade intelectual registado tem 10,2 vezes mais probabilidade de obter financiamento através de um investidor de capital de risco do que uma que o não tem. A conclusão foi de um estudo do EPO que cruzou os seus próprios dados - patentes pedidas e/ou atribuídas - com os registos públicos de "levantamento" de capital.

"Chegámos à conclusão de que, na panóplia de startups que existem a nível europeu, 29% têm um tipo de direito de propriedade industrial, ou seja, uma marca ou uma patente", afirma Telmo Vilela.

Só que... o número acima refere-se à média europeia. "Em Portugal, os números são um pouco mais mais baixos." Por cá, "o universo do estudo cobriu cerca de 3300 startups e apenas 3% conseguiram financiamento e têm uma patente, o que é um valor relativamente baixo", admite Telmo Vilela.

A razão desta disparidade, quando relativamente a outras alíneas os números são semelhantes (a Biotecnologia é o setor que mais patentes regista, proporcionalmente), não será fácil de explicar. "Penso que se prende com o facto de o sistema de patentes ser ainda visto como complexo e caro pela maior parte dos utilizadores, nomeadamente em países como Portugal. É visto como um investimento extremamente elevado", diz Telmo Vilela.

Foi para minimizar quer custos quer complexidade que, em junho, entrou em funcionamento a Patente Unitária, que com um único registo, numa única língua, cobre 17 países. O balanço destes primeiros cinco meses? "Um enorme sucesso", diz Telmo Vilela. "As expectativas estão perfeitamente cumpridas, até superadas. Temos cerca de 12 mil pedidos" a nível europeu.

Portugal, mais uma vez, não embarcou ainda bem neste comboio: "Em Portugal são só 50..."

Mas há esperança de que as empresas portuguesas, especialmente as startups, reconheçam as vantagens de ter de pagar um único registo, não necessitar de ter traduções para cada país abrangido e ter tribunais próprios para dirimir conflitos - "o feedback das empresas que estiveram envolvidos nestes procedimentos foi muito, muito positivo", afiança Telmo Vilela.

Mas de nada adianta ter a patente se depois não se consegue arranjar quem nela invista. É precisamente para facilitar contactos entre startups, universidades e investidores que o EPO lançou, também no final de outubro, o Deep Tech Finder.

Trata-se de um mapa interativo onde é possível ver, a nível europeu, empresas com propriedade industrial protegida que procuram investimento e aquelas que estão dispostas a investir. E, quem sabe, fazer o negócio se não de uma vida, pelo menos que mude várias vidas.

Pode uma Inteligência Artificial registar uma patente? "Neste momento, a nível global a resposta é muito simples, não. As leis são muito claras ao dizer que uma invenção tem de ser, para ser protegida, desenvolvida por um por um inventor humano", diz Telmo Vilela, conselheiro principal e representante para os Assuntos Institucionais do presidente do EPO. "Outra questão interessante, e que muitas vezes não é muito refletida nestas discussões, é a possibilidade de a Inteligência artificial poder ser titular de direitos, ou seja, produzir estado da técnica, produzir informação que depois fará parte da literatura técnica e que pode obstar depois ao registo de patentes, porque passam a ser coisas que já foram conhecidas no mundo. Nesse sentido, a IA pode ser titular de direitos, porque produziu informação o que no fundo impedirá depois que existam patentes registadas por humanos. É um debate muito interessante."

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