"Queremos mais democracia", dizem no bairro da Mafalala

A um ano das eleições autárquicas quebra-se o silêncio: há vozes que clamam por mudanças políticas e as redes sociais amplificam a liberdade de expressão
Publicado a
Atualizado a

Do centro de Maputo até ao bairro da Mafalala são 15 minutos de txopela, espécie de tuk-tuk popular. Custa 200 meticais, cerca de três euros. Em geral, o transporte público é um problema, com opções ora precárias ora onerosas. Galga-se o trânsito de manhã cedo e, à entrada do histórico bairro, há mulheres vestidas de capulanas a vender legumes e fruta. Uma placa: "Bairro da Mafalala, património cultural da cidade de Maputo." Acolhe cerca de 25 mil habitantes e é considerado um exemplo da diversidade étnica e cultural de Moçambique. Entramos por vias labirínticas de terra arenosa cor de cobre. As casas são de zinco e ma- deira. Talho, peixaria, padaria, comércio de rua, valas com água cinzenta. Há homens à sombra, crianças de mochila, mulheres com filhos às costas. "A maioria das pessoas vive de biscates", explica ao DN Ivan Laranjeira, "pois o desemprego é um grande problema que as mantém desocupadas e sem perspetivas". O gestor de 33 anos é um dos mentores da associação IVERCA para a promoção da cultura, turismo e meio ambiente, apostando há oito anos na juventude. Além disso, documenta a memória da comunidade, tendo inclusive uma parceria com o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, para o livro Mafalala: Memórias e Espaços de Um Lugar.

José Vasco, 24 anos, está com pressa. Vai "jobar", isto é trabalhar. "Sou de Nampula, mas tive de imigrar, trabalho com carregamentos e dá para ter uma vida honesta, tive sorte, porque é difícil." Mais à frente Adelaide Regina, 30 anos, vende tabaco e mangas com sal. "Vai dando para viver", diz. A trabalhar na IVERCA, Tiofo Nhaca, 25 anos, refere que o bairro precisa de "muitas mudanças". "A Mafalala não é valorizada e acaba por ser conhecida pelo tráfico de droga e criminalidade." Laranjeira destaca, no entanto, que "o bairro começa a ter uma maior autoestima e a reivindicar mais condições sociais". Aqui viveram Eusébio, os poetas Noémia de Sousa e José Craveirinha, Samora Machel, Joaquim Chissano, entre outros. Um berço de histórias inspiradoras e de efervescência artística, que enfrenta outros problemas sociais como "a falta de saneamento básico", o alcoolismo e a falta de acesso à educação secundária.

Em outubro de 2018, os moçambicanos vão a votos nas 11 províncias para as 53 autarquias locais. Serão as quintas eleições autárquicas. Ao contrário do sufrágio anterior, fala-se agora da participação da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo). "O poder local é a forma mais adequada que os jovens têm para aceder à participação política", constata Virgílio Ferrão, autor do livro Compreender Moçambique e membro da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo). "Mas há ainda um longo caminho a percorrer e os jovens deveriam participar mais", apela.

Na sede da Associação Comunitária Dambo da Mafalala há crianças a brincar na escolinha. Gulano Mozé, o presidente, não tem muita esperança nas eleições. "Não nos sentimos representados, não conhecemos os nossos líderes e eles não conhecem o bairro." Os membros da associação lutam pelas melhorias da comunidade, sobretudo para "a deixar limpa", esclarece Fátima Valente, integrante do organismo e também coordenadora para a recolha de resíduos sólidos, através de uma microempresa financiada pelo conselho municipal. "Para as autárquicas tenho a expectativa de que reparem as nossas estradas, não temos passeios e há muitos acidentes."

Apesar de o assunto política ser ainda um tema delicado, percebe-se uma urgência em falar, como é o caso de Ivan Laranjeira. "Enquanto jovem eu quero mais democracia, eu quero mais pluralidade. É importante que a identidade seja despartidarizada. Ela não deve ser resultado de um movimento político, mas resultado de um povo", afirma contundente.

Atualmente vive-se um clima de violência política e corrupção. E a revelação de dívidas, na ordem dos 2 mil milhões de dólares, contraídas por três empresas estatais em bancos estrangeiros, nos últimos anos, abalou as contas públicas, agravadas, ainda, pelo abandono do financiamento ao Estado por instituições financeiras internacionais. Em Moçambique, a Frelimo, a Renamo e o Movimento Democrático de Moçambique são os partidos com maior expressão política. "As estruturas autoritárias dos partidos políticos não permitem que jovens com ideias mais progressistas ocupem espaços de relevo para a renovação política", analisa Domingos do Rosário, professor em Ciência Política na Universidade Eduardo Mondlane.

"As quotas para a juventude é tudo uma fachada para enganar os menos atentos." Questiona: "O que é preciso fazer? Eu não sei. Não há alternativas." Para muitos jovens as redes sociais e o ativismo parecem ser a alternativa para a liberdade de expressão e para a participação política no espaço público, num país cujo acesso à internet é aproximadamente de 10%. É o caso de jovens líderes como Mauro Brito, 27 anos, Dércio Tsandzana, 26 anos, Eliana Nzualo, 26 anos, Leocádia Valoi, 21 anos, e Regina Charumar, 28 anos. "Uso o Facebook para alertar sobre questões ambientais e organizar campanhas de sensibilização para a recolha de lixo." Confessa que, "às vezes", recebe mensagens "menos agradáveis". Cidia Chissango, 21 anos, vive o mesmo. É uma das mentoras do Movimento Ativista, que trabalha com educação para o desenvolvimento sustentável. "Já fui assediada politicamente mas recusei sempre as ofertas. E, às vezes, recebo mensagens de críticas, mas se me ameaçam eu ameaço de volta."

Em Maputo

* com TAVARES CEBOLA e A. NHAMPOSSA
A jornalista viajou com a bolsa "Aquele outro mundo que é o mundo" (ACEP, Associação Coolpolitics, CEIS20, CEsA/ISEG, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian)

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt