"Quem tem o poder devia promover maior justiça social"

Padre Nuno Rosário Fernandes vê a desigualdade social a aumentar
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Era estudante de Ciências da Comunicação na Universidade Autónoma de Lisboa com a especialização de jornalismo e, hoje, poderia trabalhar num órgão de comunicação social, de preferência numa rádio. Até porque se tinha afastado de uma participação mais ativa na Igreja, foi acólito [apoio na missa]. Mas o testemunho do padre da paróquia do Bombarral, que frequentava, fez que regressasse, aproximando-se dos Paulistas, congregação católica com a vertente de comunicação e que produz conteúdos. "Fui percebendo que Nosso Senhor me chamava para uma vida diferente", conta Nuno Rosário Fernandes, que acabou por entrar para o seminário dez anos depois deste primeiro passo para a vida eclesiástica. É prior na paróquia Nossa Senhora do Amparo de Benfica, responsável pelo Departamento de Comunicação do Patriarcado e do jornal diocesano Voz da Verdade e foi membro da Comissão de Coordenação para os Media da visita do Papa, em maio.

Licenciado em Ciências da Comunicação, ordenado padre quatro anos depois de entrar no seminário, em 2010, é convidado pelo então patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, que o ordenou, a integrar os projetos que hoje dirige. Quem os coordenava, o padre Nuno Brás, foi posteriormente nomeado bispo. Tinha uma vida de gabinete, o que percebeu através do Papa. "Fui interpelado neste sentido ouvindo o Papa Francisco dizer que não queria padres de escritório, que devíamos estar próximo das pessoas, e disponibilizei-me para a paróquia de Benfica, com quem já colaborava", conta o pároco. Agradeceu recentemente ao chefe da Igreja, quando da sua visita a Fátima.

É que sentiu que a frase lhe era dirigida e está há três anos na paróquia. Dinamizam desde a catequese até ao acompanhamento dos idosos, o que inclui um grupo de jovens que, a par da formação católica, desenvolve projetos de solidariedade para a comunidade. "Às vezes sinto que não consigo ser o padre que podia ser porque tenho outras atividades mas Nosso Senhor vai-me ajudando a equilibrar. A vida paroquial exige a presença do pároco, para que conheça a realidade da paróquia, os seus problemas, ser prior não é apenas ser administrador e ser pastor."

Vê a desigualdade social aumentar e uma das suas ideias para o país é a criação de mecanismos que invertam a situação. "Os mais ricos são cada vez mais ricos e os mais pobres cada vez mais pobres. Acontece em todo o mundo, mas tem vindo a acentuar-se em Portugal. Deveria haver uma mudança, uma maior preocupação de quem tem o poder em promover maior justiça social." Uma segunda ideia: "A tragédia de Pedrógão Grande revelou um lado do país que talvez estivesse adormecido e que é a solidariedade, mas esta dimensão de solidariedade, a que chamo caridade, devia ir mais longe e estar mais presente no dia-a-dia. Ser capaz de dar porque tenho condições e dar sem estar à espera de um agradecimento. Pela vida pastoral, apercebo-me de que as pessoas que têm menos são as que maior capacidade têm para ajudar. Chegam ajudas que podem ser pequenas mas que sei que são grandes para quem o está a fazer."

É que o padre não vê sinais de que a crise tenha desaparecido. "Talvez não seja tão dramática quanto há uns anos, mas é uma situação que ainda precisa de ser resolvida." No auge dos problemas financeiros, em 2008/2009, com as pessoas a ficarem no desemprego - muitas das quais se mantêm -, a paróquia sentiu necessidade de abrir um refeitório que, com a ajuda de voluntários, serve 30 almoços de segunda a sexta-feira. Os desempregados foram sendo acompanhados por sem-abrigo mas a verdade é que o refeitório continua a servir refeições. Também se mantém a recolha de excedentes dos supermercados locais que, depois, as pessoas levam para suas casas e, por vezes, a paróquia não tem a quantidade de alimentos suficientes para satisfazer as necessidades de quem lhe bate à porta.

É, também, solidariedade que pede aos governantes europeus para com os refugiados, lembrando a declaração do Papa Francisco para o Dia Mundial do Imigrante e do Refugiado, a 14 de janeiro, e que resume em quatro verbos: acolher, promover, proteger e integrar. Além de que gostaria de perceber que acompanhamento têm os refugiados quando chegam a um país, quais têm sido os seus percursos.

Nuno Rosário Fernandes nasceu em Lisboa, faz 45 anos no dia 5 de outubro, cresceu no Cadaval, estudou no Bombarral, onde se iniciou no jornalismo, na Rádio Antena Jovem. Licenciou-se, trabalhou na Agência Ecclesia e ordenou-se em Lisboa. Fez um estágio na Antena 1 e é comentador de religião na Rádio Renascença e na RTP. "Embora colocasse muitas vezes em causa a comunicação social, o jornalismo, percebi que Nosso Senhor queria que fosse padre com esta vocação de evangelização." Considera que é esta a sua missão e entende que qualquer pessoa deve encarar o trabalho como uma missão, com entrega e dedicação e não apenas como um ganha-pão. "Os cristãos sobretudo têm esse dever mas todos os outros podem e devem agir desta forma.

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