Quem são os senadores que vão julgar Dilma
É do PMDB, pertence a um clã milionário e tradicional de um estado miserável do Brasil, tem, em média, três familiares próximos a exercer cargos públicos a nível municipal, estadual ou federal, negoceia gado, é dono de rádios ou televisões locais e enfrenta uma meia dúzia de processos em tribunal: eis, segundo cruzamento de dados nos sites Transparência Brasil e Excelências, que seguem a par e passo o mundo parlamentar brasileiro, o perfil do senador-tipo que a partir de hoje vai julgar a presidente Dilma Rousseff (PT).
Não por acaso, o presidente do senado Renan Calheiros reúne todos aqueles predicados: milita no PMDB, é filho do cacique de Alagoas Olavo Calheiros, irmão de Renildo e Remi Calheiros, ambos prefeitos de pequenas cidades alagoanas, e pai do atual governador do estado, Renan Calheiros Filho; os Calheiros fizeram fortuna na agropecuária e são donos de rádios locais; ele é acusado de improbidade administrativa por pagar o apartamento da amante com dinheiro de construtoras civis, responde a ação civil por ter usado um avião da força aérea brasileira, de Brasília ao Recife, para proceder a uma cirurgia de implante de 10 118 fios de cabelo e tem nove inquéritos em andamento no Supremo por envolvimento na Lava-Jato.
No somatório das duas casas do Congresso, Câmara dos Deputados e Senado, não há bancada maior - nem a da Bíblia (evangélica), nem a do Boi (criadores de gado), nem a da Bala (polícias e militares) - do que a dos parentes: são 238 parlamentares em 594 (40%) com familiares na política. Só no Senado, 29,6% dos 81 membros estão no agronegócio, 23,5% são donos de rádios ou televisões locais e 45 (55,6%) têm processos pendentes na justiça, tendo 12 deles sido citados na Lava-Jato.
Além do já citado Renan Calheiros, que se declara por agora "indeciso" em relação ao impeachment, na fauna do Senado que julgará Dilma outros nomes se destacam. Dois dos principais barões do PSDB, Aécio Neves e José Serra, ambos derrotados por ela nas duas últimas eleições, Romero Jucá (PMDB), o alter ego de Michel Temer, Delcídio do Amaral (ex-PT), um dos mais explosivos delatores da Lava-Jato, Marta Suplicy (PMDB), a sexóloga, aristocrata e candidata a prefeita de São Paulo que saiu do PT em choque com Dilma, e, claro, Fernando Collor (PTB), o alvo do impeachment de 1992, que 24 anos depois vai apreciar provas contra a atual presidente. Aécio, Serra, Jucá, Delcídio e Suplicy vão votar pelo sim, Collor ainda não revelou.
Collor, também um parlamentar brasileiro típico, com 12 concessões de radiodifusão, avô e pai políticos no miserável Alagoas e cadastro criminal, incluindo acusação na Lava-Jato, "perde" na comparação para o senador do PP Ivo Cassol. Cassol, para não variar membro de um clã de políticos num estado pobre com interesses em radiodifusoras, foi condenado por fraude a quatro anos e oito meses de prisão em regime semiaberto em 2013 mas, graças a recursos no Supremo, vai adiando a prisão.
Já Zezé Perrella (PTB), do clã Perrella, de Minas Gerais, ex-presidente do quatro vezes campeão nacional de futebol Cruzeiro e magnata na área da indústria da carne, teve os seus bens bloqueados e o sigilo bancário quebrado por ter fechado contratos da sua empresa sem licitação. Mas isso, por si, não o distinguiria dos colegas senadores, foi a apreensão de 400 quilos de pasta-base de cocaína num helicóptero da família em 2013 que mais o constrangeu.
Entre os apoiantes da presidente também há nomes controversos, como o de Gleisi Hoffmann e Lindbergh Farias, ambos do PT. Ela, envolvida na Lava-Jato, foi a sua ministra da Casa Civil de 2011 a 2014, e ele um dos interlocutores de Lula da Silva nas escutas divulgadas pelo juiz Sérgio Moro, oferecendo-se como "soldado" do ex-presidente. Lindbergh ficou conhecido também como líder dos "caras pintadas", grupo estudantil que exigiu a destituição em 1992 de Collor - hoje, os dois partilham o mesmo local de trabalho.
Entre os senadores, que ganham 34 mil reais por mês (mais de oito mil euros), mais 56 mil (perto de 14 mil euros) em ajudas diversas, fora cinco viagens de avião mensais entre Brasília e os estados de origem, há os ricos, os milionários e os multimilionários. Nesta última categoria, destaque para Tasso Jereissati (PSDB), cuja família é dona de um império de centros comerciais, além de parte da operadora Oi e de outros negócios, e para Blairo Maggi (PR), considerado o maior produtor individual de soja do mundo e vilão número um dos ecologistas, que o responsabilizam pelo desmatamento de 621 quilómetros quadrados da Floresta Amazónica. Tanto o clã Jereissati, com fortuna avaliada em 1,3 mil milhões de dólares, como Maggi, que vale 960 milhões de dólares, são presença habitual na lista anual da revista Forbes. Ambos querem a destituição de Dilma.
Com menos pastores evangélicos do que a Câmara dos Deputados, o Senado ainda assim conta com o bispo Marcelo Crivella (PRB), sobrinho de Edir Macedo, fundador da IURD, e Magno Malta (PR), que além de pastor é vocalista da banda de pagode-gospel Tempero do Mundo. São ambos do bloco a favor do impeachment, mas o PT também tem um senador evangélico, Walter Pinheiro, que vota, claro, pela presidente.
Finalmente, se na Câmara havia dois ex-jogadores da seleção brasileira, Danrlei e Delei, no Senado está nada menos que Romário (PSB), melhor futebolista do planeta em 1994, segundo a FIFA. O "baixinho" também está entre os que desejam a queda de Dilma.
Em São Paulo