Quem são os donos dos donos da TAP?
O interesse da TAP para os seus potenciais adquirentes parece que são as suas rotas para o Brasil e, eventualmente, algumas para África e mais recentemente para os Estados Unidos, que serão rentáveis. Não propriamente o dito hub de Lisboa, um dos piores aeroportos da Europa, esgotado, sujo, com atrasos permanentes e estruturais e a apenas 50 minutos de voo do aeroporto de Madrid, esse sim, decente e funcional. Mas também tem vários aviões recentes ao seu serviço e tripulações experimentadas e de qualidade, que podem voar para qualquer sítio do mundo. Aparentemente, a compra da TAP será decidida entre o grupo IAG, o grupo Lufthansa e o grupo Air France/KLM. E a ideia mais recente será vender a TAP, sem qualquer participação do Estado Português ou, existindo esta, minoritária. Ou qualquer outra coisa, porque, na verdade, ninguém sabe ou ninguém diz.
Descobrir quem são os donos efetivos destes potenciais adquirentes não é fácil. Mas é possível.
O grande acionista do grupo IAG, usualmente descrito, de forma algo enganosa, como a junção da British Airways e da Iberia (e de um conjunto de outras companhias de aviação espanholas e com grande presença em Portugal, já agora, como a Vueling ou a Air Europa), é o governo do Qatar -- com mais de 25% do capital, está muito à frente do maior acionista seguinte, um de vários fundos de investimento internacionais, com cerca de 3%. Não parece haver grandes dúvidas que, na verdade, se trata em boa medida de uma "empresa pública", esse anátema, só que controlada pelo Estado do Qatar, com sede em Londres e cotada na bolsa de Madrid. Parece que empresas públicas em Portugal, desde que detidas por autocracias do Médio Oriente, chinesas ou de outras proveniências longínquas, já não representam problema. O problema é mesmo serem do Estado -- quando este é o português.
Air France/KLM, quem são os seus donos? Sem grande surpresa, os maiores acionistas são o Estado francês, com 28%, e o Estado holandês, com 9%, e tendo ainda o governo chinês quase 5%, através da China Eastern Airlines. Pode uma empresa com 42% do seu capital na mão de três governos ser uma empresa privada? Pode... E alguém acredita nisso?
Quanto ao grupo Lufthansa, 73% dos seus acionistas são alemães, tendo à frente, e a larga distância, o acionista Kühne Aviation, do bilionário alemão Klaus-Michael Kühne, com mais de 15% do capital. A seguir, muito atrás, vem o fundo de investimentos Black Rock, com 3%, também acionista, aliás, da IAG. Parece tudo muito privado, certo? Mas o Estado alemão rapidamente adquiriu 20% da companhia, durante o período pandémico, que levou os governos a salvarem companhias de aviação. Segundo declarações publicadas, curiosamente esse valor já foi compensado na venda da quota pública, tendo sido devolvido também o valor dos empréstimos públicos recebidos, com lucro relevante para o Estado alemão (lucro de 760 milhões de euros, vê-se na imprensa). Dizia o presidente da Lufthansa: "A estabilização da Lufthansa foi bem-sucedida e lucrativa para o governo alemão e para os contribuintes". Seria bom de ver qualquer coisa semelhante por aqui.
Convencermo-nos de que o Estado é mau gestor por princípio, ou até apenas um mau acionista, mesmo quando minoritário, está no plano do pensamento mágico. A TAP, recentemente, 100% pública, parece que deu lucro. Mas também estará no plano do pensamento mágico achar-se que, com uma empresa privada de aviação, mesmo que chamada TAP, ela tem de cumprir um papel emocional permanente, financeiramente exigente, do género usar o aeroporto de Lisboa para grande parte das suas operações ou incluir uma percentagem relevante de fornecedores nacionais ou trabalhadores nacionais. Se a TAP ainda existe e pode até ser lucrativa, isso seguramente se deveu a uma circunstância temporal e uma equipa de gestão que atuou num tempo em que desapareceram as maiores companhias de aviação do Brasil (a Varig ou a Transbrasil, por exemplo) e soube posicionar-se para as substituir, nesse mercado de mais de 200 milhões de pessoas, em paralelo com os seus voos superinflacionados para Angola e mais alguns. Quisesse o Brasil ter uma grande companhia de aviação, competitiva, a TAP já seria há muito tempo o que é a Austrian Airlines ou a Swiss, essas submarcas da Lufthansa. Desses países de 9 milhões de habitantes, já agora.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa