Quem são os criadores do Clubhouse e o que querem da app mais popular no iPhone
É a app mais descarregada esta semana em Portugal na loja da Apple - até porque ainda não está disponível para Android -, tem ganho todos os dias mais utilizadores em Portugal e no mundo e é um autêntico fenómeno em tempos de confinamento. A Clubhouse é uma rede social sem texto, nem vídeos ou imagens, só conversas áudio ao vivo (e sem serem gravadas) e parece ter o dom de viciar facilmente quem por lá entra.
Ontem, um dos fundadores criou uma sala de conversação para falar sobre algumas novidades na plataforma que ainda está em modo beta - em teste - e objetivos para o futuro e acolheu inclusive perguntas dos utilizadores, vários tinham entrada naquele próprio dia na plataforma. O norte-americano Paul Davison criou com o seu amigo Rohan Seth - ambos vivem em São Francisco e estudaram em Stanford - a app em março de 2020 - só ficou online para iPhone em abril.
Paul já tem 40 anos, tinha a experiência de ter criado uma startup, a Highlight, que foi vendida ao Pinterest (onde ficou a trabalhar durante um ano) e tornou-se agora CEO da Alpha Exploration (a empresa que gere o Clubhouse). Já Rohan, que começou o curso de ciências computacionais em Stanford quando Paul estava a terminar (em 2002), tem 36 anos e é apaixonado pelo poder do som e do áudio - em 2004 foi estagiário do icónico Xerox PARK (centro de investigação de Palo Alto de onde Steve Jobs tirou a ideia de fazer o atual rato de computador). Foi durante vários anos engenheiro da Google - trabalhou em Android e no Google Maps e recebeu por lá a maior distinção da empresa, o Founders Award.
Depois de ter saído da Google em 2012, Rohan criou o serviço Memry Labs, uma forma divertida de preservar memórias, que vendeu em 2017 à Opendoor, um gigante online de imobiliárias. Em 2019, após a sua filha ter nascido com uma doença genética que causa deficiências, criou o Lydian Accelerator, um acelerador sem fins lucrativos para investigar tratamentos personalizados genéticos para quem tem esse problema.
"Esta é app é quadro em branco com pessoas, são elas que vão preencher os espaços". É assim que Davison explica a app que criou com Seth a um dos utilizadores que foi convidado a falar na sala de conversação. Ambos já se conhecem há 10 anos e fazem apps sociais desde então.
"No final de 2019 queríamos finalmente fazer um projeto em conjunto e a ideia era precisamente evitar uma app para consumidores, tenho 40 anos, três filhos, isso tira-nos tempo, mas vínhamos sempre parar ao áudio e às conversas significativas que permite, que é algo que nos interessa há muito".
O atual CEO da empresa que gere a app que ainda está em formato beta e só disponível para iPhone (Android já só deve chegar em março), admite que o sucesso dos podcasts, dos audiolivros - "deixei de ler livros e passei a ouvi-los" - foram o princípio. "Sentia-me frustrado por não poder replicar esse conceito e ter conversas áudio relevantes, sem a distração do vídeo, mas sem a dificuldade de criar um podcast... não devia ser tão difícil falar com várias pessoas em conversas online".
Daí foram mesmo ter à app social que queriam evitar. "Ficámos entusiasmados , mas quisemos avançar com cuidado e sempre com uma paixão em criar produtos baseados na comunidade", explica. O primeiro nome foi Popshow, mas parecia demasiado formal, então surgiu em março de 2020 a primeira versão do Clubhouse - lançado em iPhone em abril, em pleno confinamento.
Davison admite que ambos os fundadores "estão a adorar o sucesso a app": "é de sonho, incrível podermos ganhar a vida a fazer algo como isto". Entretanto, em janeiro, aceitaram novos investidores - 180 -, numa ronda liderada pela empresa de investimento A16z, repleta de investidores relevantes de Silicon Valley.
Ainda assim, garante: "não celebramos marcos como a valorização da empresa ou investimento, mas sim as pessoas que chegam e uma maior comunidade com experiências significativas; o financiamento permite fazermos disto o nosso trabalho".
Tudo começou com duas pessoas, Paul e Rohan, que construíram toda a base do conceito e da app. A equipa agora já é bem maior e estão a contratar para várias posições, incluindo programadores para Android e especialistas em privacidade e segurança e em redes - para que não haja falhas.
Uma dessas falhas foi reportada há alguns dias por investigadores de Stanford e dizia respeito a uma vulnerabilidade na infraestrutura do Clubhouse na parte em que usava um fornecedor chinês e que poderia ser mais prejudicial para utilizadores chineses (a app entretanto foi banida na China), algo que já estará a ser resolvido pelo serviço.
Na calha estarão alterações - incluindo termos e condições em várias línguas - para cumprir o regulamento europeu (RGPD).
"Queremos chegar a Android o mais rapidamente possível e disponibilizar isto ao maior número de pessoas que conseguirmos, mas não vamos saltar etapas e usamos os convites nesta fase apenas para haver algum tipo de controlo ou aprovação sobre quem entra por cá enquanto estamos em beta e também não sobrecarregar os servidores".
"Uma das missões que temos aqui é trazer pessoas com experiência diferentes, colocá-las numa sala a debater e questionar-se e se, horas depois, saírem de lá com uma visão do mundo ligeiramente diferente e com mais compreensão, ficamos felizes". Davison admite a diferença para outras redes sociais como o Facebook, para "tornar as conversas (normalmente longas) mais significativas, sem as limitações do texto breve e dos comentários inflamados".
É por isso que há uma espécie de palco onde o moderador, tal como numa conferência, "tem o poder total de dar a palavra, tirá-la, banir, etc e a ideia é partilhar o microfone com pessoas no público que queiram falar, não é pensado para monólogos, embora existam sessões de música e meditação".
O engenheiro admite que a app não foi construída para celebridades ou marcas. "Seja quem fores, vivas onde for, mesmo que sejas tímido ou tenhas poucos seguidores, podes entrar numa sala e contribuir com argumentos, podes ter algo para partilhar e brilhar". Dito isso, Davison admite que a app tem sucesso além junto de Elon Musk, também com músicos e atores conhecidos, vencedores de Óscares, académicos, cientistas e empreendedores.
O Clubhouse não quer ter publicidade direta. "Não queremos fazer negócio dos dados das pessoas nem ter anúncios na plataforma, como outras redes sociais". Daí que o modelo de negócio "vai ser focado nos criadores". "Vamos dar-lhes ferramentas para ganharem dinheiro, poderem cobrar por salas fechadas, ou ter patrocínios nos seus clubes por exemplo, ou ter sistema de gorjetas em que quem está pode deixar um valor de apoio ao criador", explica.
Na calha podem estar algum tipo de mensagens privadas, "provavelmente dentro da própria app", mas com "limitações sobre quem nos pode enviar mensagens, especialmente para moderadores de uma sala". "Queremos ter cuidado com o que fazemos e pensar bem nas consequências antes de disponibilizar todas as ideias".
Outra dúvida é se vão disponibilizar ou não na própria app gravações das conversas áudio. "Ainda estamos divididos porque também não queremos prejudicar a experiência ao vivo, muitos podiam deixar de ouvir e por na pilha de coisas que querem ouvir". Ainda assim, é uma hipótese forte. Certo é que "será sempre uma decisão dos criadores ou moderadores e para gravar tem de haver acordo de todos os oradores - aliás, muitos já gravam as conversas e é óptimo, o conteúdo é vosso".
Questionado sobre a possibilidade de salas que obrigam a um pagamento poderem tornar a app menos inclusiva, Davison admitiu que essa foi uma questão abordada antes de começarem a app. "Quisemos colocar o criador de conteúdos em primeiro lugar. Haverá alturas em que o desejo do criador é contrário ao do público que o ouve e que quer ir para o palco, mas decidimos que a primazia seria dada ao criador e moderador, daí ele poder escolher quem entra e quem sai do palco". Ainda assim, a solução de gratificação, semelhante ao Patreon, "permite a todos estarem na sala e, quem quiser e puder, dá um valor ao criador".
Os fundadores aparecem todas as semanas numa conversa a que dão o nome de Town Hall para anunciar mudanças e ouvir os utilizadores. Davison admite que ainda na última semana viram disparar o número de utilizadores da Indonésia, Austrália, Hong Kong, Brasil, Rússia, Alemanha ou Itália e que vão manter, para já, os convites para poder garantir que tudo funciona bem ("mas noutra fase irão deixar de existir convites").
O limite de salas, que era de cinco mil participantes, subiu agora para os sete mil porque já começam a ganhar capacidade nos servidores da empresa. "Queremos ter salas até um milhão de pessoas e ver conferências e comunidades inteiras já criadas serem trazidas para aqui. No futuro vamos ter ferramentas para ajudar nesse processo, mas vamos, passo a passo, fazer as coisas com calma", admite.
Embora saiba que os confinamentos vieram ajudar no sucesso da app, o CEO espera que as novas ferramentas e o foco nos criadores mantenha o serviço na "crista da onda" fornecendo algo que ainda não havia. Não se sabe é o que pensa sobre possíveis rivais a surgir pelos gigantes Twitter (que está a testar o serviço Spaces) ou Facebook.
João Tomé é jornalista do Dinheiro Vivo