"Quem quer comer um bom bacalhau em Washington vem ao Tavira"

Duarte Rebolo nasceu na Madeira e cedo se interessou pela culinária. Depois de uma experiência nos cruzeiros, o amor levou-o até à América. Em 1999 abriu o Tavira, onde a ementa é bem portuguesa. <em>Neste verão o DN republica algumas das reportagens integradas na rubrica sobre portugueses e luso-americanos de sucesso Pela América do Tio Silva. Este artigo foi publicado originalmente a 20 de abril de 2018.</em>
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Quando em 1999 decidiu abrir o seu próprio restaurante, Duarte Rebolo quis chamar-lhe Fado. "São só quatro letras, é fácil de dizer", lembra o madeirense, sentado no tal restaurante que acabou por se chamar Tavira. Já existia um Fado em Washington DC, propriedade de um irlandês apaixonado pela canção tradicional portuguesa, por isso Duarte decidiu fazer a vontade à mulher, Linda. "A minha mulher adora Tavira e vamos sempre lá quando vamos de férias a Portugal. Ela perguntou porque não chamar-lhe Tavira e eu não discuto com mulheres", garante com uma gargalhada.

A uma das mesas do Tavira, em Chevy Chase, no Maryland, uns quilómetros a norte da capital federal americana, Duarte Rebolo recorda o percurso que o trouxe até ali. Nascido no Funchal - "sou madeirense como se nota pelo meu sotaque", faz questão de dizer -, cedo se interessou pela culinária. "Fui criado com a minha mãe e a minha irmã", recorda, dizendo apenas que o pai "nunca esteve por perto". Por isso "o homem da casa tinha de começar a trabalhar cedo". Foi o que Duarte fez: primeiro no restaurante onde o primo era empregado: "Comecei a limpar peixe, aos 14 anos. Trabalhei sempre em restauração: na cozinha, no bar", lembra agora.

Chegada a idade, Duarte foi para a tropa. E se garante ter adorado os seis meses que passou no Porto (antes de terminar na Madeira o tempo de serviço militar que na altura ainda era obrigatório), diz não ter trazido de lá nenhuma influência culinária. Mesmo se adora francesinhas.

Foi quando trabalhava num hotel no Funchal que surgiu o convite para se juntar a uma empresa que tinha barcos de cruzeiro. "Um dia apareceram uns tipos estranhos, que começaram a falar comigo. Pertenciam a uma companhia de barcos de cruzeiros e perguntaram se eu queria ir trabalhar com eles. E eu, 'claro!'." Arranjou o passaporte, que não tinha, e foi. "Tinha 23 anos. Tive de fazer uns exames físicos. Depois comecei a trabalhar nos barcos. Conheci muita gente, inclusive a minha mulher."

Linda é americana de origem italiana e foi em parte por causa dela que Duarte desistiu de voltar a Portugal e acabou por vir para os Estados Unidos. "As coisas acontecem. Antes de me casar tive de arranjar os papéis todos de imigrantes. Primeiro comecei a trabalhar aqui num restaurante italiano mas cujo dono é português e que ainda está aberto. Depois fui para Downtown, em DC, onde estava o dinheiro. Estávamos em 1990, 1991", conta o chef.

Na Baixa de Washington trabalhou no Watergate Hotel, famoso por ficar no complexo onde se situava a sede do Partido Democrata assaltada em 1972 e que daria nome ao escândalo que levou à demissão do presidente Richard Nixon dois anos depois. Ali, diz, aprendeu muito com Jean-Louis Palladin, o chef francês que garante ter sido o mais jovem a receber duas estrelas Michelin.

Mas em 1999 decidiu arriscar por conta própria. Afinal, se a zona de DC estava cheia de restaurantes franceses, italianos, espanhóis, Duarte estava convencido de que a comida portuguesa também tinha espaço para se afirmar. Depois de muita, muita, burocracia hoje tem clientes regulares. Muitos deles americanos. E os portugueses? "Alguns. Mas só vêm em ocasiões especiais - Ano Novo, Dia da Mãe, Dia dos Namorados. Esta zona é caríssima. Para pagar a renda, os preços não podem ser baratos. Os produtos são de alta qualidade. Eu entendo, há pessoas que não podem estar a vir aqui jantar todos os sábados e pagar 45 ou 50 dólares por pessoa. Se fores a uma associação de portugueses é metade do preço. Mas o que é bom custa dinheiro", explica.

A decoração também toda ela evoca Portugal, com painéis de azulejos ou uma parede pintada com a imagem de uma praia em Tavira, inspirada numa aguarela que o chef trouxe da cidade algarvia que dá nome ao restaurante. Na ementa só coisas simples. Mas nem tudo agrada ao palato americano. "Tenho muito bacalhau. Mas, por exemplo, a sardinha não está." Quando algum cliente quer muito um prato, "liga-me e diz, Duarte, hoje queria uma açorda. E arranja-se". Uma das coisas que mais surpreenderam o chef é o conhecimento que muitos clientes americanos têm de Portugal. "Muitos deles conhecem Portugal melhor do que eu. Os velhotes conhecem aldeias que eu nem sabia que existiam. Conhecem bem o bacalhau, a sardinha, mas não podes fazer cozido à portuguesa, por exemplo." Alguns pratos da nossa gastronomia tradicional parecem não convencer os clientes do Tavira, mas Duarte também já teve algumas surpresas. Como o sucesso do leitão assado. Sobretudo numa zona com muitos judeus. "Há uma empresa de New Jersey que me manda o leitão. Começamos no outono e vamos até maio. E aqui é uma zona de judeus. É tudo judeu! Os meus amigos acharam que o leitão não passava. Sexta e sábado arranco com três ou quatro leitões."

Quanto ao inevitável bacalhau, é o rei também no Tavira. "Quem quer comer um bom bacalhau em Washington vem aqui. É o que vendemos mais. Compro à Noruega. Uma vez usei o do Canadá mas não gostei muito. O bacalhau da Noruega tem mais flavour. Se os clientes forem portugueses tenho de pôr um pouquinho mais de sal. Às vezes tenho uns de lado menos demolhados", conta.

O ídolo Cristiano Ronaldo

Portugal, claro, continua no coração do chef. "Fui lá em 2017, em maio, porque o meu cunhado é americano e a minha cunhada irlandesa. São católicos. Todo o background da minha mulher é italiano. E todos queriam ir a Fátima. Depois estava a falar com a minha irmã que me diz que o Papa ia lá nessa altura. Troquei logo as datas. Só fui na última semana de maio até meados de junho. Fui a Fátima. Visitei Sintra. Adoro. Cheguei a viver na linha de Sintra quando era puto. Vivi em Algueirão-Mem Martins. Fiz lá a quarta classe. Depois voltámos para a Madeira", explica, voltando a um episódio da infância que tinha saltado um pouco antes.

Como madeirense, Portugal também é sinónimo de Cristiano Ronaldo. Duarte admite que o jogador do Real Madrid, nascido como ele no Funchal, é o seu ídolo. "E ele é um ídolo para todos, para os miúdos. He's an amazing guy. Além de ter o que tem, está envolvido com as crianças. Não tem uma tattoo. Ele dá sangue. Eu admiro o homem. É um espetáculo. E para bater os recordes que ele tem... sou capaz de morrer sem ver isso", ri-se o chef.

Apesar da paixão por Portugal, voltar está fora de questão. Toda a vida de Duarte está organizada em torno do restaurante. Mas não descarta, quando se reformar, passar umas temporadas no Algarve, onde agora vive a irmã. "A minha vida está toda aqui. O meu retirement plan. Mas imagino-me a passar uns três meses lá e o resto cá. É o que vou fazer. Quando vou lá, fico em Olhão, onde tenho um apartamento. Portugal tem tudo, tem queijo, vinhos", garante entusiasmado com a perspetiva.

No Maryland

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