Quem matou os Beatles
Claro que sempre houve a suspeita do costume: Yoko Ono, condenada sumariamente por 99 por cento dos beatlemaníacos, para quem ela era (e ainda é) uma mistura de Lucrécia Bórgia com dragão de Komodo. Acusada de envenenar a banda com as suas maquinações maléficas foi alcunhada de «a Madame Mao da pop».
Ao engatar John, em 1966, Yoko era uma performer (ou seja, fazia um número que as pessoas fingiam que percebiam e achavam chique). Hoje, aos 75 anos, o sonho acabou, mas a «arte» dela persiste. Recentemente apresentou um vídeo (Fly, de excruciantes 25 minutos) no qual uma mosca percorre o corpo de uma mulher nua, a qual não se move nem quando o insecto lhe pousa nos lábios. Um único alívio: a mulher não é Yoko.
Naturalmente, Yoko era o bode expiatório ideal. Como se não bastasse, ainda vive no Edifício Dakota, em Nova Iorque, em cuja porta John foi assassinado em 1980. Ono pode citar Zsa Zsa Gabor: «Sou uma óptima dona de casa. Sempre que me divorcio, fico com a casa.»
No recém-lançado livro You Never Give Me Your Money: The Beatles after the Breakup (Nunca Me Dás o Teu Dinheiro: os Beatles depois da Separação) o especialista Peter Doggett passa a pente fino todas as teorias da conspiração e promulga um veredicto desconcertante: Yoko é inocente. O autor atribui a desintegração da banda a um erro crasso de gestão. Na verdade, o maior erro de gestão da história da indústria do entretenimento. Ainda por cima, para desespero dos fãs que salivam até agora pelas novas canções que poderiam ter sido compostas, tal erro era perfeitamente evitável.
Na opinião do musicólogo, quer Yoko Ono quer Linda Eastman, a então namorada e futura esposa de Paul McCartney, eram mulheres fortes e voluntariosas que apenas queriam estar perto dos homens que amavam e admiravam. E nada ou quase nada tiveram que ver com a tensão de altíssima voltagem que chispava entre Paul e John.
Doggett também examina à lupa a segunda causa mais invocada para o fim dos Beatles: a ganância insaciável do advogado americano Allen Klein, que representava os Rolling Stones e substituiu o empresário de confiança dos quatro de Liverpool, Brian Epstein, falecido em 1967 devido a uma overdose acidental. E Klein não sai muito bem na fotografia: parece um retrato desenhado por Picasso na sua última fase.
Segundo as pesquisas exaustivas de Doggett, Klein era simplesmente um aldrabão maquiavélico, responsável pelas peixeiradas épicas entre todos os membros da banda. Ainda de acordo com esta tese, o americano que substituiu Epstein articulou uma aliança de John, Ringo Starr e George Harrison contra Paul. Motivo: McCartney batia o pé para que o pai da sua noiva, o empresário Lee Eastman, se encarregasse dos negócios do grupo. A partir daí, cavou-se um fosso irreversível entre Paul e os outros três.
O mais deprimente é que a desavença era remediável. Para Doggett, os atritos pueris entre aqueles rapazes de vinte e poucos anos poderiam ter sido resolvidos com a presença e a intervenção de uma pessoa sensata, experiente e bem-intencionada. Bastava demonstrar o óbvio: que a banda era muito melhor e maior do que os talentos individuais dos seus integrantes. Como o futuro, aliás, provou – nenhum Beatle chegou aos calcanhares dos… Beatles. A alquimia que produzia ouro musical estava no conjunto.
De acordo com Doggett, as pessoas mais maduras que rodeavam o quarteto tiveram pouca ou nenhuma utilidade prática, como o produtor George Martin, «demasiado “punhos-de-renda”, queria agradar a todos e obter a quadratura do círculo». O responsável pela gravadora, a Apple, Neil Aspinall, somente se ocupava dos negócios e permaneceu cuidadosamente afastado da batalha de egos que dilacerou a banda. Para o autor do livro, ninguém envolvido na gestão do grupo foi arguto o suficiente ou teve coragem bastante para forçar dois jovens imaturos, narcisistas e temperamentais (leia-se Paul e John), dos quais todo aquele império dependia, a baixarem a bola e a procurarem terapia.
O livro começa com o assassinato de John em 1980 e a seguir recua para o final dos anos sessenta, quando Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, o oitavo álbum, considerado por muitos o melhor de todos, foi lançado em 1967. O autor revela que Paul e John aproveitavam até as músicas para as farpas – caso da canção que dá o título ao livro, You Never Give Me Your Money, de Paul McCartney. Doggett é salomonicamente imparcial: deplora tanto as atitudes petulantes de Paul, que queria ser o líder do quarteto, como a mesquinhez picuinhas de John, que repelia qualquer tentativa de reconciliação. Como Doggett observa, «com tanta pirraça, é incrível que ele ansiasse por ser lembrado como um mártir amante da paz».
Como disse o plutocrata Paul Getty, «é difícil saber o que traz a felicidade – quer a riqueza quer a pobreza já fracassaram». Ora Doggett conclui que uma das razões que fizeram abortar a reconciliação foi a abundância de dinheiro. Já depois da separação, mas antes da morte de John, os quatro recebiam sucessivas propostas de cinquenta milhões de dólares para ressuscitar a banda – o que nunca aconteceu…
Em 1983 o grande poeta inglês Philip Larkin assinalou: «A década que vai da dissolução da banda, em 1970, à morte de Lennon, em 1980, configura uma história fragmentária e triste. Os quatro continuaram a lançar discos, porém nunca houve um todo maior do que as suas partes…»
Verdade. Mas, no imaginário dos beatlemaníacos, os rapazes de Liverpool permanecem unidos – assim como na rádio, na TV, na net, em filmes e videojogos. Para os fãs daquela época, de hoje e provavelmente das próximas gerações, John, Paul, Ringo e George perpetuarão aquele slogan meio piroso meio tocante: Beatles 4ever.
Fortuna, glória e morte
1960: criação dos Beatles.
1963: primeiro álbum, Please Please Me.
1966: a banda renuncia aos concertos.
1967: morre o empresário do grupo, Brian Epstein.
1969: depois de meses de discórdia, sai o canto do cisne: o álbum Abbey Road.
1970: a banda anuncia a sua extinção.
1980: Lennon é assassinado em Nova Iorque.
1985: Michael Jackson compra por 47,5 milhões de dólares os direitos sobre as músicas dos Beatles.
2001: George Harrison morre de cancro.
2008: os Beatles ocupam o primeiro lugar da Billboard dos artistas mais vendidos.
2009: edição limitada de uma colectânea gera 562 milhões de dólares em cinco dias.