Quem ganhar, será sempre "tchutchuca do centrão"?
O eleitor deu a Câmara ao centrão", escreveu o editorial de O Estado de S. Paulo, logo após as eleições, colocando o sufrágio presidencial em segundo plano. "Quem vai mandar no Legislativo e, portanto, condicionar os atos de governo de quem quer que saia vencedor, é o centrão", escreveu William Waack, pivô da CNN Brasil. Já eleito, portanto, o centrão, os brasileiros vão a votos dia 30 escolher apenas uma tchutchuca?
O termo "tchutchuca do centrão" [ver glossário] entrou na campanha eleitoral em finais de agosto quando um apoiante desiludido de Jair Bolsonaro o chamou assim depois de o presidente ter permitido um "orçamento secreto" que garantiu, pelo menos, 16 mil milhões de reais aos deputados mais oportunistas do parlamento, de forma a proteger-se de eventual impeachment e poder governar.
Outros governos, como o presidido no início do milénio por Lula da Silva, rival de Bolsonaro, decidiram pagar ao centrão um "mensalão" para o manter financeiramente saciado e politicamente domesticado. Dilma Rousseff enfrentou o líder do centrão à época do seu governo, Eduardo Cunha, e o preço foi um impeachment. E Michel Temer, o fruto desse impeachment, só não foi derrubado pela Câmara dos Deputados em duas denúncias de corrupção, porque o centrão o blindou.
Como será em 2022? Para Vinícius Vieira, cientista político da Fundação Armando Álvares Penteado, "Bolsonaro será um tchutchucão do centrão e o Lula, digamos, um tchutchuquinho".
"Bolsonaro tende a ser mais tchutchuca do centrão do que o Lula, em primeiro lugar, porque no primeiro mandato ele ficou muito refém desse grupo de deputados, em segundo, porque negociar com o centrão requer habilidade e ele não a tem, tanto que ele entregou muito mais ao centrão que qualquer antecessor".
Vieira acrescenta que "Lula é muito mais hábil, vem de um mundo, o sindical, com relações horizontais ao contrário do meio militar, de onde vem Bolsonaro, muito vertical, Lula soube governar com o centrão sem deixar de entregar programas relevantes à população, já Bolsonaro não tem nem sequer clara uma ideia de programa, além da pauta dos costumes".
"Mas ser tchutchuca do centrão", resume, "é sempre consequência da popularidade do presidente, quanto mais popular menos tchutchuca, quanto menos popular mais tchutchuca, e essa popularidade depende do crescimento económico", afirma.
Para Mayra Goulart, cientista política na Universidade Federal do Rio de Janeiro, "houve um elemento de renovação na eleição do atual Congresso mas muito controlado pelas elites políticas tradicionais".
"Apesar de, por exemplo, a bancada feminina ter atingido o maior registo da história, quem saiu mais reforçado desse Congresso foram os caudilhos e os chefes de partido e eles têm um perfil muito mais clientelista do que ideológico, por isso tendem a direcionar-se para onde estiver o poder e o dinheiro e a relação do legislativo com o executivo será de negociação de incentivos e verbas deste último com aquele, isto é, do presidente com o centrão".
"Isso tende a ocorrer, claro, muito mais com Bolsonaro, por ser identificado com essas elites políticas tradicionais, o que não quer dizer que Lula, se eleito, não entre também nesse balcão de negócios para conseguir apoio parlamentar", completa.
Cientista político da Universidade de Campinas, André Kaysel lembra que se o centrão ganhou estas eleições foi já graças ao tal "orçamento secreto" oferecido por Bolsonaro: com esse dinheiro em mãos, os deputados do "centrão" puderam conquistar o eleitorado com obras e realizações de última hora. "Nas eleições, o centrão fez valer o orçamento secreto e, por isso, predomina no Congresso, ao lado da reforçada bancada bolsonarista, que se confunde com esse centrão".
Com Bolsonaro ou Lula vencedores, "o centrão sai sempre reforçado". "Mas não é indiferente quem ganhe", nota Kaysel. "A dinâmica do centrão com o poder executivo em caso de eleição de Bolsonaro ou Lula é diferente: Lula tentará retomar o orçamento para fazer políticas públicas, o que criará hostilidade com centrão, enquanto Bolsonaro evitará ao máximo essa hostilidade".
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Tchutchuca
"Tchutchuca" é o nome de um funk da banda Bonde do Tigrão, que aborda a relação de um Tigrão - homem viril, dominador - com uma Tchutchuca - mulher submissa, mulher objeto. O termo entrou na política em 2019 quando Zeca Dirceu, deputado do PT, acusou Paulo Guedes, ministro da economia, de ser "um tigrão" com os necessitados e "uma tchutchuca" com os privilegiados. Guedes respondeu "tchutchuca é a sua mãe, a sua avó". E a expressão colou.
Centrão
"Centrão" é o conjunto de cerca de 200 deputados que apoia qualquer governo em troca de cargos e nacos do orçamento. Fernando Henrique Cardoso passa os seus livros de memórias a queixar-se dos sapos do centrão do seu tempo que foi obrigado a engolir para manter a governabilidade, Lula institucionalizou esses sapos na forma de um mensalão e Bolsonaro entregou de bandeja ao centrão 16 mil milhões de reais do orçamento.