Quem festeja os dois anos de bolsonarismo
O Governo de Jair Bolsonaro não assinalou com a pompa esperada os dois anos da eleição presidencial de 28 de outubro de 2018.
Talvez seja melhor assim: a propósito da passagem dos cem dias de governação, em junho de 2019, o Planalto convocou um aliado fiel para recolher, ministério a ministério, as principais realizações do executivo.
O resultado obtido pelo prestável apoiante foi um rol de 111 feitos.
Entre os quais, de acordo com a edição da revista Veja da altura, a presença de Bolsonaro no aniversário do filho da assessora que teve o presidente como tema da festa, o estoicismo revelado pelo chefe de Estado ao trabalhar após colostomia e o facto de, na tomada de posse, o grande líder ter comido macarrão em pé com a faixa presidencial vestida.
O autor da laudatória tabela foi Chico Rodrigues, aquele senador que, ao esconder dinheiro da polícia entre as cuecas e as nádegas, inscreveu o seu nome nos anais da história.
Não é só Chico Rodrigues, no entanto, que não consegue ser imparcial quando o tema é Bolsonaro.
Peça-se a indígenas, a homossexuais, a cientistas, a professores universitários, a Leonardo DiCaprio, a artistas, a estudantes, a Brigitte Macron, a antifascistas, a ecologistas, a infecciologistas, a vacinadores e vacinados, a pacifistas, à União Europeia, a diplomatas, à Organização Mundial da Saúde ou a intelectuais para avaliar este Governo, e a resposta será péssima.
Indague-se adeptos de agrotóxicos, membros de milícias, utilizadores de remédios ineficazes, familiares de torturadores, consumidores de fake news de WhatsApp, infratores de trânsito, David Duke, piromaníacos, tele e rádio-evangelistas milionários, Guilherme de Pádua, terraplanistas, fabricantes de armas, patrões que empregam crianças ou fãs de conspirações malucas, e a conclusão será ótima.
E mesmo em análises o mais objetivas possível há controvérsias.
O elogiado auxílio emergencial aos mais pobres durante a pandemia, por exemplo, só existiu apesar do Governo e não graças ao Governo - Bolsonaro queria conceder um terço do valor final atribuído por insistência do Congresso Nacional.
Aliás, também a votação da reforma da previdência social, considerada a maior vitória do Planalto, foi conseguida não graças à coesão do executivo mas sim apesar das suas confusões.
A forma mais eficaz e desapaixonada de entender a trajetória dos dois anos de bolsonarismo talvez seja contabilizar os apoios políticos que o Governo foi ganhando e foi perdendo.
Neste último caso, não deixa de ser surpreendente para quem acompanhou a par e passo as acaloradas eleições de 28 de outubro ver a dispersão de fanáticos do então candidato, como a jornalista acusada de mais de 60 plágios Joice Hasselmann ou o ator de novelas e de filmes porno Alexandre Frota.
Janaína Paschoal, a furiosa redatora do impeachment de Dilma Rousseff, e os jovens chefes dos movimentos que foram para a rua desde 2015 exigir a queda da presidente também desertaram.
Os governadores de São Paulo e do Rio de Janeiro, respetivamente João Doria e Wilson Witzel, até há dois anos unha com carne com o presidente, são hoje os seus mais notórios inimigos.
Luciano Bivar, presidente do partido pelo qual Bolsonaro se elegeu, está agora do outro lado da trincheira.
Os líderes de grupos de empresários, como o Instituto Brasil 200, que defendiam o candidato falam em "sentimento de traição e de desilusão" com o presidente.
E Sérgio Moro chora o fim da Lava Jato por determinação do regime ao qual se associou.
Por falar em Lava Jato, o presidente também ganhou apoios: estão hoje do seu lado Roberto Jefferson, Arthur Lira, Ciro Nogueira ou Valdemar Costa Neto, réus ou condenados daquela operação ou do mensalão.
Eles são líderes do grupo de partidos, conhecido como "centrão", que oferece apoio parlamentar ao presidente em exercício em troca de dinheiro - a generosidade de Bolsonaro permite-lhes administrar já 78 mil milhões de reais do orçamento.
Portanto, além de milicianos, cloroquiners, torturadores, David Duke, terraplanistas e devastadores de florestas, agora também os mais corruptos políticos do Brasil se juntaram à festa de aniversário do bolsonarismo.
Correspondente em São Paulo