"Este vai se o governo de todos os líbios. A Líbia está unida", disse o primeiro-ministro interino, Abdul Hamid Dbeibah, depois de o Parlamento ter aprovado o seu executivo. Este irá substituir as administrações rivais que, desde 2014, com o apoio de distintas milícias e poderes internacionais, têm governado no oeste e no leste do país. A missão do empresário da construção e antigo homem de confiança do ditador Muammar Kadhafi, que em fevereiro foi eleito no Fórum de Diálogo Político organizado pelas Nações Unidas, será liderar a Líbia e preparar o caminho até às eleições de 24 de dezembro de 2021..Abdul Hamid Dbeibah, de 61 anos, conseguiu o apoio de 121 dos 132 deputados presentes em Sirte. A cidade portuária fica a meio caminho da capital Tripoli, onde o governo reconhecido pelas Nações Unidas tem estado, e Tobruk, no leste, onde o Parlamento tem reunido e que era a sede de uma administração rival. Segundo os media locais, o novo governo - formado por seis ministros de Estado e 26 ministros que representam as regiões do país - deverá tomar posse na segunda-feira em Bengazi, a segunda maior cidade do país e o berço das revoltas da Primavera Árabe que, há dez anos, culminaram na queda, e morte, de Kadhafi.."A Líbia tem agora uma oportunidade genuína de avançar para a unidade, a estabilidade, a prosperidade, a reconciliação e para restaurar totalmente a sua soberania", reagiu a missão da ONU no país. "O novo governo de união pode contar com o apoio total da comunidade internacional", disse por seu lado o embaixador da União Europeia na Líbia, o espanhol José Sabadell, lembrando que "reconciliação, melhorar os serviços básicos e preparar as eleições serão desafios centrais". Também o embaixador dos EUA, Richard Nolan, se congratulou com este avanço que "estabelece as bases para as eleições"..Além de organizar o escrutínio, o governo - e o conselho presidencial formado liderado por Mohammad Younes Menfi, com os vice-presidentes Mossa Al-Koni e Abdullah Hussein Al-Lafi - terá também o desafio de garantir a saída dos cerca de 20 mil mercenários e combatentes estrangeiros (muitos deles vindos da Síria) que estão no país. Dbeibah disse aos deputados, no debate anterior à votação, que estes eram "uma faca nas nossas costas". A guerra na Líbia atraiu muito interesses estrangeiros, nomeadamente da Rússia ou da Turquia..O primeiro-ministro é um recém-chegado à política. Nascido em 1959 em Misrata (200 quilómetros a leste de Tripoli), Dbeibah viveu e estudou no Canadá, onde tirou o mestrado em engenharia na Universidade de Toronto. Regressou ao seu país natal durante um boom no setor da construção, depois de em 2007 terem sido levantadas as sanções internacionais ao regime de Kadhafi (instauradas após o atentado de Lockerbie, em 1989)..Acabaria por ser nomeado durante o anterior regime para liderar a poderosa empresa de construção estatal, a Lidco, que entre outras coisas foi responsável pela construção de milhares de novas casas, incluindo mais de mil na terra natal de Kadhafi, Sirte. Segundo a AFP, era um dos homens do círculo de confiança do antigo líder. A Primavera Árabe de 2011 e a guerra que se seguiu pôs um travão nesse boom e muitos projetos ficaram por concluir. Após a queda do antigo ditador, que ficou 42 anos no poder, Dbeibah foi, segundo a agência de notícias turca Anadolu, presidente do clube de futebol Al Ittihad, de Tripoli, atualmente treinado pelo português Jorge Duarte (e há mais anos por José Vidigal)..A nível pessoal, o primeiro-ministro interino é casado e tem seis filhos. A entrada para a política veio com a criação do partido Movimento pelo Futuro da Líbia, acabando por ser um dos 75 participantes do Fórum de Diálogo Político, lançado pelas Nações Unidas em novembro. Deste fórum fazia ainda parte o seu primo, Ali Dbeibah, que também fez fortuna no setor da construção em Misrata..Os dois, segundo a AFP, já foram alvos de inquéritos na Líbia e no estrangeiro por causa dos seus negócios, incluindo desvio de fundos. A eleição de Abdul Hamid Dbeibah no fórum em fevereiro, não esteve também isenta de polémica, havendo delegados que terão denunciado tentativa de compra de votos por parte dos primos. Segundo a agência francesa, o primeiro-ministro interino é considerado próximo de Ancara, que tem interesses económicos em Misrata, e dos Irmãos Muçulmanos. Dirige uma empresa que tem filiais em todo o mundo, incluindo na Turquia..Primavera Árabe: Em fevereiro de 2011, inspirados pelas revoltas nos países vizinhos, os líbios ergueram-se contra Muammar Kadhafi, que estava no poder há 42 anos. Os protestos começam em Bengazi, mas alastram-se a todo o país. As forças dos EUA, França e Reino Unido lançaram uma ofensiva em março, e Kadhafi acabaria em fuga, antes de ser capturado e morto a 20 de outubro..Um país dividido: Sem Kadhafi, o país ficou dividido e pululam as milícias. Das eleições de 2012, saiu o Congresso Geral Nacional, com nacionalistas e islamitas à luta pelo poder, mas depois das de 2014, os anti-islamitas dominaram o novo parlamento. Os resultados foram contestado pelas milícias islamitas que invadiram Tripoli em agosto de 2014, devolvendo o poder ao anterior Congresso. O novo refugiou -se na cidade de Tobruk, no leste do país. A Líbia fica com dois governos..A ascensão de Haftar: No meio do conflito, o Estado Islâmico foi ganhando força e, no combate aos jihadistas, destacou-se o general Khalifa Haftar, que apoiava o governo de Tobruk. Em julho de 2017, três anos após o início da sua ofensiva, anunciou a libertação total de Bengazi e, já em 2019, lançou-se contra Tripoli. Na capital, e desde 2016, estava de pé o Governo de Acordo Nacional (fruto do diálogo dos parlamentos rivais, mas não reconhecido por Haftar), liderado por Fayez al-Sarraj..Cessar-fogo e eleições: Haftar contou com o apoio da Rússia enquanto o governo de Tripoli passaria a contar, a partir de janeiro de 2020, com o apoio da Turquia, lançando o contra-ataque. Em outubro, os governos rivais aceitaram um cessar-fogo e concordaram em realizar eleições a 24 de dezembro de 2021.