"Que me interessa Benfica, Porto ou Sporting mais forte? Eu quero que tudo se decida no último jogo"
Em vésperas de congresso, as mesas da Vela Latina estão ocupadas com grandes nomes do PSD, mas como é costume num dos espaços mais populares para almoços de políticos e empresários e numa zona turística, nesta quinta-feira cruzam-se governantes e oposição, homens de negócios e turistas. Sentados à janela, com o sol de fevereiro só possível nesta Lisboa, a conversa com Nuno Ferreira Pires faz esquecer outros protagonistas.
Há cinco meses na Sport TV, já se habituou a acusações de partidarismo. "Os adeptos do Benfica dizem que somos do Porto, os do Porto que somos do Benfica, os do Sporting de um ou outro. Prova que somos imparciais." A paixão do futebol traz irracionalidade. "Em Portugal toda a gente tem um clube, e nós temos pessoas de todos, mas há quem ocupe lugares relevantes na Sport TV e eu nem saiba de cabeça de qual são, temos absoluta isenção." E o clube do coração de Nuno? "Deixei de ter clube quando entrei na Sport TV." E antes? Não revela. "Há vários de que gosto. A minha família era toda militar e gostava muito de futebol; e quando perguntavam ao meu pai de qual era, ele dizia sempre do Académica porque estudou em Coimbra. Era a resposta que permitia não polarizar a discussão. Eu, do ponto de vista profissional, já não fico contente se ganha um outro. Fico feliz com o que dá mais força ao panorama desportivo. É bom que o campeonato este ano esteja muito aguerrido, porque tenho toda a gente agarrada ao ecrã."
Lamenta os "episódios" que têm "estragado o desporto e deixado os adeptos zangados e tristes". E garante que o seu é o único canal que não usa sensacionalismos para ter audiência. "A última coisa que a Sport TV quer é guerra entre os clubes. Eu não dependo de audiências para viver mas de subscritores; há quem precise de fazer escolhas editoriais que podem ser questionáveis do ponto de vista moral, ético, ideológico. Eu não. Os meus clientes escolhem-me para acompanhar os campeonatos e desportos favoritos, não entram ou saem por eu falar de e-mails ou de guerras entre um Pinto da Costa e um Luís Filipe Vieira ou um Bruno de Carvalho. As pessoas esquecem-se, mas o nosso dinheiro não é para lucro, é para pagar aos clubes os direitos de transmissão. A competitividade é a base do nosso sustento."
Já tinha Sport TV antes desta experiência, até porque tem em casa uma e um pequeno futebolista - saem à tia Rita, professora de Educação Física e ex-jogadora federada de vólei -, mas também "porque não há carteira que aguente ir duas vezes ao futebol por mês com cinco filhos e se eu for e não os levar eles ficam muito zangados. Nesse sentido, a Sport TV é um meio de complementaridade espetacular."
Encomendamos o almoço - eu vou-me entretendo com pão e manteigas enquanto Nuno saboreia a sopa de cogumelos. Pede água e eu cerveja - nunca bebe ao almoço porque lhe "dá quebra". Aos 44 anos (acabados de fazer), passou ao lado do Direito porque achou que as cadeiras da área de Gestão o preparavam melhor para o seu sonho: ser piloto de aviões - que não pôde cumprir por meia dioptria que o afastou da Força Aérea. Mas não ficou mal servido com o que a vida lhe deu em troca.
Presidente executivo da Sport TV desde setembro, o "megadesafio" nada tem que ver com a hotelaria (era administrador do Grupo Pestana), o grande consumo (esteve na Compal e na Central de Cervejas), o marketing e a publicidade, as telecomunicações ou qualquer área onde tenha tido experiências. Mas há um ponto de tangência: "É tudo gestão. Quando se sabe gerir, e com criatividade, as regras são as mesmas, é matemático." O facto de não conhecermos a casa também ajuda a aprender, a fazer perguntas que já ninguém faz. "E é preciso uma grande entrega."
Do que foi aprendendo por onde passou, guarda mais perto as memórias da Procter & Gamble. Acredita que o coração não pode estar na gestão e conta como o aprendeu quando deram a gerir a um amigo seu a marca Evax, que ele nunca poderia testar. "A Procter ensinou-nos que a única maneira de ser um bom marketeer é nunca ter a loucura de trazer à marca os nossos beliefs, porque isso tolda-nos sobre a forma como o mercado pensa." E volta ao campeonato, para dizer que quanto mais disputado melhor. "Deus queira que só se decida no fim. Quando não é assim, as pessoas podem ir abandonando a Sport TV. Que me interessa ter Benfica, Porto ou Sporting mais forte? Eu quero é que se decida tudo no último jogo, e por um ponto! Seria muito estúpido, como CEO de uma empresa tão extraordinária - que vem de uma família visionária, os Oliveiras, que em 1998 tiveram a visão de codificar o primeiro canal em Portugal, uma coisinha que cresceu para este tamanhão -, eu tentar gerir a coisa com algum belief pessoal."
Rejeita acusações de favorecimento e para o vincar lembra que a empresa tem quatro acionistas em partes iguais (Olivedesportos, Vodafone, NOS e Meo) e que trabalha com oito administradores não executivos - sendo ele o nono e único executivo. "Muita coisa que se passa na Sport TV eles nem sabem porque não estão na gestão diária."
Quanto ao convite que lhe fizeram, era irrecusável: "A verdade é que eu no Pestana não era CEO, isso pesou. E estou no setor que pode mudar muita coisa nos próximos anos. Muito poucos podem dizê-lo." Há de voltar ao tema. Seja como for, Nuno gosta de desafios e diz que quatro anos são o tempo ideal para estar numa empresa. "Quem gosta de fazer transformação, se for eficiente e se dedicar à causa, transforma e depois já não tem nada de transformador a fazer - ou as empresas não estão preparadas para tal. Eu tenho métricas muito claras do que deixo feito. Nunca saí sem dizer a percentagem, até às unidades, do que mudei e isso orgulha-me. Gosto que os meus filhos digam aos amigos que foi o pai que inventou o Compal Essencial e de saber que isso teve impacto no EBITDA da marca." Rotina é coisa impensável para o homem que criou ainda as Luso Formas e Ritmo, ressuscitando uma marca assinalada para abate, e que foi distinguido como um dos portugueses mais inovadores pelo Círculo da Inovação (patrocínio da Presidência da República), em 2016. "Não importa quanto tempo se está, mas com que intensidade. Eu nunca deixei de me entregar."
E na Sport TV há desafios de sobra. "Somos do desporto, mas temos um core muito forte no futebol porque somos o país dos três efes, Fátima, fado e futebol. Há este complicómetro de gerir adeptos e clubes, de gerir o próprio negócio, que tem aspetos muito mais estratégicos - como disponibilizamos a oferta, a que preço, em que plataforma." Assume ser um dos players que mais sofrem com a digitalização - "as televisões estão sob fogo, mesmo sendo nós um canal de desporto, com muita exclusividade, o que mitiga um pouco esse efeito". E há sempre quem veja os jogos "à Inácio". Além do que os novos ecrãs vão muito além da televisão - e é aí que a Sport TV quer apostar cada vez mais. "Nós estamos disponíveis em todos os ecrãs, mas ainda somos vistos como uma estação de televisão. Eu quero mudar esse posicionamento, porque somos conteúdo, e um conteúdo tão valioso que mais ninguém consegue parar a nação como nós paramos em alguns jogos - está medido, basta ver os gráficos da EDP. Talvez Marcelo a seu tempo consiga... vai no bom caminho."
Divertido, focado e bem consciente do que quer fazer, há uma série de valores de que não abdica, mas já não é tão inflexível como foi. "Já tive cores políticas bem mais marcadas. No turismo, por exemplo, trabalhei com o Adolfo Mesquita Nunes e com a Ana Mendes Godinho, tenho enorme apreço por ambos e não posso não dar nota excecional a dois secretários de Estado supostamente antagónicos; acho ambos de um profissionalismo, de uma proximidade ao setor e capacidade de entrega como há muitos anos não via." Recorda que Mesquita Nunes, depois de ter saído "e quando poderia aproveitar para se vangloriar, disse que se limitou a fazer aquilo que achava que podia fazer alguma diferença e que acredita que a fez de facto nalgumas coisas, mas houve áreas em que não interveio porque achava que não era para intervir, pois as coisas estavam entregues a quem tinham de estar, e que outras se deram pura e simplesmente devido ao contexto que encontrou. Eh pá, que grande pinta!"
Serve o elogio para dizer que não acredita que o país possa hoje ser enganado por quem só tem conversa. "Sou um grande believer do novo Portugal." E realça a mudança em Belém. "Tenho enorme apreço pelo professor Aníbal Cavaco Silva mas, sem retirar nada do mérito que teve como Presidente e primeiro-ministro, o que Marcelo introduziu em termos de proximidade e desburocratização é excecional." Defende que o progresso do país depende de ter uma Presidência e um governo diferentes. "Não sou utópico de achar que Portugal se vai tornar uma nação tipo EUA em dez anos, mas estamos no caminho certo."
Chegam as minhas vieiras, fantásticas, e o atum braseado mesmo a tempo da pergunta seguinte. Já pensou seguir uma carreira política? "Felizmente, nunca houve convite que tivesse ganho uma forma que eu pudesse aceitar. Tive aproximações... mas havia duas coisas que estariam muito presentes para eu aceitar e que hoje percebo que estão erradas como critério de decisão. A primeira é a ideologia per se - era incapaz de aceitar um convite de outra cor política, enquanto hoje é diferente, porque já não me identifico verdadeiramente com nenhuma e por achar que é possível, em determinadas pastas, fazer bem ao país sem violar princípios ideológicos -, a segunda era achar que para ser político era preciso que me ajudassem a sustentar a família." Hoje tem outra maturidade: "Eu não sou rico, vivo do trabalho e o que tenho é porque eu e a Luísa [a mulher] levamos para casa. Mas quem receba um convite sério, de alguém que seja sério, que queira mesmo mudar Portugal, achando que se pode fazer melhor, creio que é sua obrigação aceitar. Mesmo que implique uma perda financeira. Da mesma forma que acho que não há desculpa para uma pessoa não cumprir o serviço militar se o país precisar dela."
Nem sequer o argumento da exposição a que se presta - a si e à família - amacia o sentido de missão. "A pessoa tem de ter capacidade de lutar." E torna a dar o exemplo de Mesquita Nunes. "Há quem diga que hoje assumir-se homossexual até é fashion, mas vá lá a Bragança ou à Covilhã, onde lhe pintaram o cartaz, ver se é assim. Aquele homem teve uma atitude que ele sabe ter consequências políticas, sociais e até psicológicas, nele próprio, e ter tido a coragem de fazer isto demonstra que se pode confiar nele. Esteve disposto a sacrificar-se para não esconder informação. Acho isso extraordinário."
Acredita que o país e a família estão acima de tudo - o que também lhe vem de herança. "Cresci numa família muito politizada: tinha um avô general de Salazar e outro coronel antirregime, ambos estiveram presos por razões idênticas, e a minha história sempre foi muito isto de gerir politicamente. Lembro-me de ter uns 4 anos e a televisão estar ligada quando havia debates, a família sentava-se a ver e depois discutíamos aquilo. Hoje as pessoas nem sabem os nomes dos ministros, é uma tristeza."
Com o almoço a desaparecer a bom ritmo, quero saber porque optou por pôr os filhos num colégio. "Por ser aquele. O São Tomás tem um conceito assente num triângulo que me define. Tem a parte pedagógica - matemática, português, fluência em inglês logo ao 4.º ano, escolha da segunda língua (os meus estão a aprender mandarim). E depois tem outras duas vertentes: a parte desportiva - o colégio acredita que um miúdo é mente sã em corpo são e nunca vai ser tão forte intelectualmente como outro que, além da cabeça, tenha aptidão física - e a espiritualidade, ensinam as crianças a pensar porque é que andam nesta vida."
Queixa-se que, quando se tem cinco filhos, "toda a gente nos acha uns heróis, mas ninguém ajuda". "Os governos sempre acreditaram que o quarto e o quinto filhos trincam a carcaça do primeiro ao pequeno-almoço, o benefício fiscal é anedótico." Lamenta a falta de livre escolha como há em certas regiões de Itália onde as famílias recebem cheques-ensino e escolhem onde põem os filhos. "Sou muito crítico mas completamente apartidário, porque ninguém, à direita ou à esquerda, fez alguma vez o que eu penso que devia ser feito em políticas de educação e natalidade." Diz que, "com a planta de ensino correta", os portugueses podiam ser muito mais competitivos. "Já seríamos cem vezes mais predominantes na Europa se tivéssemos tido a capacidade de aproveitar esta matéria-prima única."
Tira do bolso exemplos do espírito criativo português - que gerou o cartão pré-pago nos telemóveis, o multibanco, a Via Verde - para lamentar que muita gente nem saiba como somos bons. "Temos esta capacidade de criação efetiva de coisas que têm uma geração de valor incrível e ninguém sabe que foram feitas cá." Orgulha-se de ele próprio ter trabalhado no sentido de deixar marca - máxima que aprendeu na Procter. "Havia um quadro com a missão da empresa, que é a minha: criar produtos de qualidade superior, que melhorem a vida das comunidades onde estamos inseridos. Passei a vida a tentar fazer isto. O Compal Essencial melhorou - e tem uma parte de mim (detesto descascar fruta), além da parte estratégica de ter sido criado para combater uma falha de consumo, o pequeno-almoço, onde a marca não conseguia entrar."
Levou esse espírito para a Sport TV, onde deu gás - faz questão de sublinhar que a coisa já corria antes de entrar - ao projeto que acredita que também vai tornar as coisas melhores: o Juízo Final. "Os portugueses queriam ver mais do videoárbitro e nós investimos para mostrar tudo, com isenção." Tem ainda na manga outros projetos relacionados com a tal visão de que antes falava, de estar no sítio certo, que vai determinar o futuro. "Não há fatores mais estratégicos hoje do que a saúde e a tecnologia. O mundo é de quem tiver maior longevidade com aptidão física e tecnologia ao nosso serviço. É o que vai ditar o PIB das nações." Nesta lógica, o exercício é fundamental, mas não está bem enraizado aqui. E a Sport TV pode ter "um papel fundamental". "95% dos portugueses não frequentam o ginásio - e não é por estarem a correr ou nas ciclovias. Não posso contar ideias concretas, mas a Sport TV está empenhada em ter algo de valor superior que melhore a vida das comunidades nesse nível. Hei de provar a este país que estamos empenhados em aumentar o PIB e diminuir os custos públicos com saúde, aumentando o número de horas dedicadas ao desporto em família. Quero ser mais do que um transportador de conteúdos maravilhosos do ponto de vista do espetáculo desportivo. É preciso mexer no tecido social português, levando cada vez mais gente a praticar desporto. E um dia poderei mostrar como isso impactou no PIB."
Já com os cafés à frente, diz-me que quer que os filhos cresçam "num país em que é tão giro gostar de futebol" e garantir-lhes o melhor. "O investimento que faço é o que lhes der dos 0 aos 18 anos e que os possa preparar para serem melhores." Além da escola, todos fazem natação, ténis, esgrima ou um desporto à escolha, tocam um instrumento e acompanham os pais nas viagens desde pequenos - "é importante para perceberem que nem tudo o que vemos se encerra à volta das nossas quatro paredes ou fronteiras". E no fim, "ricos ou pobres, mais importantes ou menos, famosos ou anónimos, quero que no sítio que escolherem consigam fazer algo que deixe um legado na sociedade - e fiquem felizes".
Já de saída, revela-me a maior ambição que tem agora: levar a Sport TV a mulheres e crianças, que "vejam que é muito mais importante do que canais que apelam ao sedentarismo. Esteja eu aqui três, seis ou nove anos (os mandatos são trienais), queria muito sair com esta missão cumprida: que a Sport TV ganhasse muito maior capacidade de sustentabilidade financeira e que a sociedade lhe reconheça o valor e o mérito que tem. E vamos fazer isso. Se Deus quiser."
Vela Latina
Pão, manteigas, azeitonas
Água das Pedras
Água
Cerveja
Sopa de cogumelos
Vieiras braseadas
Atum sashimi braseado
Cafés
Total: 80 euros