Quatro portugueses à aventura num clube da Transilvânia
Em 1897, o romancista irlandês Bram Stoker publicou Drácula. Uma obra que se tornou uma lenda, inspirada na crueldade do príncipe Vlad Tepes, conhecido como Dracul (dragão), que habitou o Castelo de Bran, hoje conhecido como a casa do famoso vampiro da Transilvânia, bem no coração da Roménia, e que é ponto obrigatório de visita para milhares de turistas.
Hoje, a pouco mais de duas horas de viagem de automóvel da casa de Drácula, vivem quatro portugueses que iniciaram uma aventura num clube de futebol que depressa se tornou um fenómeno em terras romenas. Cristiano Figueiredo, Emanuel Novo, David Caiado e Yazalde integram o plantel do FC Hermannstadt, equipa fundada em 2015 e que em quatro anos subiu de forma consecutiva todos os escalões até que na época passada chegou à I Liga. Antes disso, ainda no segundo escalão, foi finalista vencido da Taça da Roménia, tornando-se a primeira equipa de um escalão secundário a chegar a uma final nos últimos 36 anos. Na primeira época na I Liga, o Hermannstadt salvou-se da despromoção à justa e agora, através de um projeto "mais organizado do que é habitual na Roménia", segundo o avançado David Caiado, vai tentar consolidar-se no topo do futebol romeno.
Mas afinal por que razão este clube da cidade de Sibiu tem um nome tipicamente alemão? É preciso recuar ao século XII para se perceber a origem de Hermannstadt. Por essa altura o rei Géza II da Hungria promoveu a colonização da Transilvânia por parte dos alemães de forma a proteger a fronteira sudoeste do reino da Hungria, que incluía o atual território da Roménia. Por esse motivo, até meados do século XIX a maioria da população de Sibiu era alemã, mantendo-se atualmente uma forte influência cultural, bem representada pelos edifícios da cidade que também dá pelo nome de Hermannstadt. Aliás, naquela zona as placas com os nomes das localidades e com a informação turística estão escritas em romeno e alemão.
O clube fundado em 2015 adotou o nome alemão de Sibiu, preenchendo um vazio criado pela extinção de três equipas que durante vários anos coexistiram naquela cidade - Vointa Sibiu (extinto em 2012), FC Sibiu (2007) e o Inter Sibiu (2000). Qualquer um destes emblemas nunca atingiu grande dimensão na Roménia, apesar de o Inter ter tido uma forte ligação ao poder no país, uma vez que era apoiado pelo filho do ditador Nicolae Ceausescu, que dava pelo nome de Nicu, e que antes da queda do regime era o primeiro secretário do partido comunista em Sibiu. Após a revolução que depôs Ceausescu, o Inter perdeu os melhores jogadores e em 1996 foi despromovido à II Liga, acabando por desaparecer.
Sibiu é atualmente a principal cidade da Transilvânia, que se destaca por ter um significativo polo universitário e de uma grande importância económica para o país, sobretudo devido a um centro industrial com muito investimento estrangeiro. Além disso, é a cidade onde nasceu o presidente da Roménia, Klaus Iohannis, que também tem contribuído para o desenvolvimento da região. "Aqui há um enorme poder económico e, consequentemente, uma grande concentração de riqueza", revela David Caiado, avançado de 32 anos que cumpre o terceiro ano no campeonato romeno, o primeiro no Hermannstadt, após dois anos no rival Gaz Metan.
O jogador português formado no Sporting, com passagens pelo Estoril, Trofense e V. Guimarães, além do futebol polaco, cipriota, búlgaro e espanhol, assume que decidiu trocar de clube por causa do projeto que lhe foi proposto. "Um dos investidores do Hermannstadt contactou-me há três ou quatro meses e, como no meu anterior clube havia alguma indefinição, decidi vir para aqui, uma equipa que até tem mais adeptos e, além disso, ofereceu-me uma proposta financeiramente melhor", revelou David Caiado, que está também satisfeito pela qualidade de vida que passou a ter. "Sibiu é uma cidade melhor para se viver, pois é um ponto mais turístico e há mais coisas para fazer do que em Medias", onde viveu enquanto representou o Gaz Metan.
Um claro sinal da aposta do clube em construir um projeto sustentado foi dado em abril deste ano quando foram contratados dois dirigentes importantes na ascensão do Cluj, atualmente um dos clubes mais importantes do futebol romeno. Razvan Zamfir, conhecido como o Luciano Moggi romeno numa comparação com o famoso dirigente da Juventus, assumiu o cargo de diretor desportivo, enquanto Iuliu Muresan foi contratado para diretor executivo, alguém que Caiado diz "estar dentro do futebol há muito tempo" e que tem um enorme prestígio na Roménia.
Um dos aspectos que os investidores do Hermannstadt têm feito questão de melhorar são as instalações do clube, com o patrocínio do município que procedeu à remodelação do estádio do qual é proprietário e que tem capacidade para 14 mil pessoas. "O estádio é praticamente novo, mas agora estão a mudar o relvado e por isso vamos ter de fazer os próximos jogos no campo do Targu Mures, a mais de cem quilómetros de Sibiu", revelou Emanuel Novo, guarda-redes que na época passada representou o Varzim, na II Liga e, aos 26 anos, abraçou a primeira aventura no estrangeiro.
"Nos poucos dias que estou aqui percebo que há melhores condições em Portugal, mas numa altura da minha carreira em que as portas da I Liga não se abriam decidi arriscar, afinal há muitos casos de jogadores que nunca passaram da II Divisão no nosso país e que tiveram de emigrar para ter alguma projeção", admitiu ao DN, revelando que a opção que tomou teve que ver "com uma tentativa de valorização desportiva, mas também devido às questões financeiras". É lógico que antes de aceitar a proposta do Hermannstadt, Emanuel Novo procurou recolher "o máximo de informação" possível sobre a equipa, até por se tratar de um clube recente. "O meu empresário disse-me que era um projeto estável, com o objetivo de a médio prazo entrar sempre no playoff de apuramento de campeão da Roménia", explicou.
David Caiado considera que jogar na Roménia é "mais vantajoso" a nível profissional e financeiro, pois "seria difícil" ter em Portugal um contrato como aquele que tem atualmente. "Estou há dez anos a jogar no estrangeiro e para mim já é normal. Sei que é difícil juntar as vertentes profissional e pessoal, mas fico feliz por ter clube ao contrário de outros jogadores com talento que não têm essa possibilidade", frisou o avançado de 32 anos, assegurando que "é importante poder partilhar o balneário com outros três portugueses" para facilitar a adaptação a uma nova realidade e a diferentes hábitos.
O FC Hermannstadt tem o maior contingente de portugueses dos 14 clubes que compõem o principal campeonato da Roménia, com os guarda-redes Cristiano Figueiredo e Emanuel Novo e os avançados Yazalde e David Caiado. No entanto, há mais 13 futebolistas nacionais que esta temporada vão evoluir no campeonato, alguns deles com passagens recentes pela I Liga, como são os casos de Brito (Boavista e Marítimo) no Dínamo Bucareste, Diogo Salomão (Sporting) no Steaua, David Bruno (Tondela) no Astra Giurgiu, Ricardo Batista (Olhanense, Nacional, V. Setúbal e Sporting), Tiago Ferreira
(U. Madeira) no CSU Craiova ou Luís Aurélio (Feirense e Nacional) e Mário Camora (Naval) no Cluj.
Os outros futebolistas são praticamente desconhecidos - Carlos Fortes (Craiova), Miguel Santos (Astra Giurgiu), Ricardinho (Voluntari) e Danny Esteves (FC Clinceni), que à semelhança de Emanuel Novo fizeram as suas carreiras nas divisões secundárias em Portugal. Há ainda dois exemplos de jogadores de nacionalidade portuguesa que nunca jogaram em clubes nacionais, como Thierry Moutinho (Steaua) que nasceu na Suíça e cumpre a sua terceira época na Roménia, e de João Teixeira (Politehnica Iasi), natural de França, onde foi formado nas escolas do Metz e já conta com uma passagem pelo futebol moldavo.