Quatro grandes em Versalhes e a ideia de uma UE feita de várias camadas
A Europa estava ainda muito distante do que é hoje e não apenas em termos políticos. Paul McCartney e John Lennon nem sequer se conheciam há 60 anos, quando o Tratado de Roma, documento fundador da União Europeia, foi assinado a 15 de março de 1957. Só em julho desse mesmo ano é que os dois músicos seriam apresentados, dando-se assim o primeiro passo para que os The Beatles atravessassem o canal da Mancha e invadissem a cultura europeia a partir do Reino Unido. Amanhã, no mesmo mês em que se prevê que os britânicos comecem oficialmente a dizer adeus à UE, François Hollande recebe em Versalhes Angela Merkel, Paolo Gentiloni e Mariano Rajoy. O presidente francês decidiu convidar os líderes da Alemanha, Itália e Espanha para preparar o sexagésimo aniversário do Tratado de Roma e também para discutir o futuro da união. Há 60 anos a Europa estava muito distante daquilo que é hoje e talvez hoje esteja muito distante daquilo em que se irá transformar nos próximos tempos.
Para muitos observadores, 2017 é o momento do vai ou racha para a Europa. É o ano do início do brexit, o ano em que Alemanha e França vão a eleições e o ano em que vários partidos populistas, principalmente de extrema-direita, ameaçam surpreender nas urnas. É o ano em que uma larga fatia da população europeia continua de costas voltadas para Bruxelas e zangada com a austeridade. É o ano em que a Europa terá de continuar a lidar com a crise migratória e também com a ameaça terrorista. É provável que estando a Alemanha em processo eleitoral muitas decisões fiquem em pausa durante os próximos meses, mas 2017, tudo indica, será um ano decisivo para perceber qual o caminho da construção europeia.
"Não se trata de definir a quatro aquilo que deve ser a Europa, não é essa a nossa conceção, mas somos os quatro países mais importantes e temos obrigação de dizer aquilo que pretendemos fazer em conjunto com os outros", sublinhou Mariano Rajoy, o primeiro-ministro espanhol, sobre a minicimeira que arranca hoje.
O grupo dos 27 (já sem contar o Reino Unido) parece ser cada vez mais a soma de vários grupos, de várias europas: há o grupo dos quatro grandes que hoje se reúne em Versalhes, o grupo de Visegrado (com a Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia), o grupo dos países bálticos (Estónia, Letónia, Lituânia), o grupo dos países nórdicos (Finlândia, Suécia e Dinamarca), o grupo dos países do Sul (Portugal, Grécia e de novo Itália e Espanha). Até que ponto a UE mudará de rumo e, em vez de ser igual para todos, passará a uma união com diferentes camadas de integração? O debate está em aberto e o presidente da Comissão Europeia deixou essa possibilidade no Livro Branco sobre o Futuro da Europa publicado a 1 de março. "Fazer mais quem quiser mais", foi um dos cenários traçados por Jean-Claude Juncker.
Trata-se no fundo - como explica ao DN Eckart Stratenschulte, o presidente da Academia Europeia em Berlim - de uma ideia de Europa feita de círculos concêntricos: haverá aqueles países que querem casar, aqueles que só estão interessados em ir para a cama sem mais compromissos e aqueles que ficam satisfeitos com uma simples amizade. "Cada país terá agora de decidir o que quer e reunir aliados para defender a sua posição. Vejo esta mini-cimeira em Versalhes como parte desse debate", sublinha Stratenschulte.
A 25 de março de 1957 o Tratado de Roma foi assinado por seis nações: Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Alemanha, França e Itália. No próximo diz 25 de março, de novo na capital italiana, será comemorado o sexagésimo aniversário do primeiro grande marco da construção europeia. "É o momento de uma Europa, unida a 27, forjar a sua visão para o futuro", acredita Juncker. Hoje, em Versalhes, os quatro grandes tentam afinar posições para chegarem a Roma a falar em uníssono. O grupo de Visegrado já o fez, ao lançar na quinta-feira passada um contributo conjunto para aquela que virá a ser a declaração de Roma. No seu círculo concêntrico, Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia querem "uma Europa melhor", mas sublinham que isso passa pela devolução de poder aos parlamentos nacionais.
A crise migratória, o brexit, a convalescença da crise do euro, o terrorismo, o crescimento dos populismos e o divórcio entre cidadãos europeus e Bruxelas são os grandes desafios que a UE enfrenta. "A boa notícia é que finalmente está aberto o debate sobre o formato da UE no futuro da Europa", termina Stratenschulte. "Help me get my feet back on the ground" ("ajuda-me a voltar a pôr os pés no chão"), cantavam McCartney e Lennon em 1965, talvez a pensar na Europa de 2017.