Quatro distritos em alerta vermelho e reforço de fiscalização da GNR e Forças Armadas
Entramos hoje em agosto com o prenúncio do fogo. E foi com esse receio que o governo decidiu colocar a partir de amanhã quatro distritos em alerta especial vermelho - Vila Real, Bragança, Guarda e Viseu - e reforçar a fiscalização por parte da GNR e das Forças Armadas.
A decisão foi anunciada pelo ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, no final de uma reunião em que foram analisadas as condições meteorológicas que se avizinham. Nesse encontro ficou ainda marcada para quarta-feira uma reavaliação da situação.
Historicamente este é um mês com muitos incêndios e área ardida. Por exemplo, no ano passado, foi aquele em que aconteceram a maior parte dos incêndios rurais - um total de 1605 fogos, o que corresponde a 21% do número total registado no ano. E também aquele em que o fogo consumiu mais área, num total de 10159 hectares, o que corresponde a 37% do total de área ardida registado ao longo de todo o ano de 2021. Porém, segundo os dados provisórios do ICNF, revelados há poucos dias, depois da vaga de incêndios espoletada pela onda de calor que colocou o país em estado de contingência, os incêndios florestais consumiram este ano 43 721 hectares, cerca de 30 000 dos quais desde 8 de julho.
"Se nós já estávamos numa situação de seca, com estes ventos e com estas temperaturas o quadro vai-se agravando", considera Paulo Pimenta de Castro, engenheiro silvicultor, presidente da Acréscimo - Associação de Promoção ao Investimento Florestal, e coautor do livro Portugal em Chamas - como Resgatar as Florestas.
"Há que ter cuidado com as ignições, porque qualquer material incandescente provoca logo um incêndio", sublinha Pimenta de Castro, embora esteja confiante que "na primeira quinzena de agosto não se prevejam grandes ocorrências, precisamente por não estarem previstas ondas de calor, apesar de temperaturas altas. Mas eu acho que vamos ter um verão longo". Isso não quer dizer que não vamos ter incêndios, mas antes que não deverão ocorrer em larga escala. "Geralmente é a dispersão de meios que origina grandes incêndios", recorda Pimenta de Castro, ao mesmo tempo que adverte: "A segunda quinzena costuma ser um bocado mais drástica".
Colar agosto aos fogos florestais "é um erro", considera Paulo Pimenta de Castro. O investigador estudou muito o tema aquando da publicação do livro Portugal em chamas, em parceria com João Camargo. E considera que 2017 marca uma linha de diferença nesse registo. "Embora tivessem contestado aquilo que nós dissemos no livro, a verdade é que houve ali fenómenos. E cientificamente acho que nos antecipámos aos piro-especialistas. E o que acontece agora é que começámos a ter um novo modelo de fogo: começámos a ter incêndios muito mais cedo e que acabam muito mais tarde", afirma o silvicultor, recuando a esse 2017 - que dá esse retrato. Nesse ano, de má memória, com as tragédias de Pedrógão Grande (morreram neste fogo 66 pessoas e 250 ficaram feridas) e Oliveira do Hospital (13 mortes), tudo mudou.
"Na prática nós temos incêndios desde o dia 1 de janeiro até ao dia 31 de dezembro", afirma Pimenta de Castro. A verdade é que os dados não o refletem ainda. De acordo com os relatórios disponibilizados na página do ICNF - Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, é como se em novembro e dezembro não existissem quaisquer focos de incêndio, nem área ardida. É verdade que serão de muito menor dimensão, quando comparado com os restantes meses, e sobretudo quando olhamos para a área ardida. "Não damos por eles porque muitos deles ocorrem em Trás-os-Montes, sobretudo em matos, e são de pequena monta", adianta.
Nesse ano de 2017, os incêndios começaram mais cedo. "Mas verificou-se nesse ano uma grande área ardida em agosto". Segundo o relatório do ICNF desse ano, "o mês de agosto lidera com a maior área ardida em Portugal Continental (81 313 hectares) que representa cerca de 38% da área ardida total até à data". "Ninguém fala disso", afirma Pimenta de Castro. A verdade é que é uma área quase duas vezes superior à dos incêndios de junho, em Pedrógão Grande. Porque estão em causa fogos como os de Mação e Vila de Rei. E depois "aconteceu aquele fenómeno extremo em outubro, com o [furacão] Ophelia. E isso altera um pouco as contas".
Entretanto, o professor enfatiza ainda as alterações climáticas. "O facto de a água dos oceanos estar a aquecer traz-nos aqui alguns fenómenos estranhos que não eram muito habituais - não que não tenham ocorrido no passado, mas começam a ocorrer com muita frequência. Tivemos em 2017 o Ophelia, em 2018 o Leslie, um outro em 2019 que passou ao largo dos Açores, e tudo isso é consequência do aumento da temperatura da água dos oceanos. O próprio Mediterrâneo está quentíssimo".
Numa análise à última década, é possível verificar que agosto se tem mantido sempre como o mês com maior área ardida, mas setembro e outubro começaram a ganhar terreno nos últimos anos. "É o estado fonológico dos combustíveis. A planta está viva, mas como já passa muitos dias sem beber água, fica seca, num estado de dormência. As áreas ardidas são maiores porque a disponibilidade dos combustíveis é muito maior", explica ao DN um comandante de bombeiros que prefere o anonimato. " Num incêndio em junho, em que as plantas ainda estão verdes, isso não acontece. Ora, em agosto já começa a acontecer também. É por isso que outubro aparece com poucas ignições e grandes incêndios, à exceção daquele caso de 2017, em que a 15 de outubro tivemos uns 500 fogos".
Pimenta de Castro considera que é difícil fazer comparações, até porque os incêndios dependem sobretudo de três componentes. "É como se nós tivéssemos um triângulo em que um dos lados pode dar mais ou menos a área ardida, facilitando ou deficitando a propagação; o outro lado usando os comportamentos - e aí o nosso histórico é mau, porque usamos demasiado o fogo, fazemos muitas queimadas, por exemplo; e temos um outro que faz variar todos os outros, que é a meteorologia. E aí, há anos em que é favorável e arde pouco, há outros em que mesmo havendo poucas ignições faz um estrago tremendo".
As previsões dos especialistas apontam para um aumento do número de ondas de calor, havendo maior número de eventos e cada um deles mais extenso.
A pergunta, feita pela Confederação Portuguesa das Associações de Defesa do Ambiente (CPADA), tem respostas múltiplas. A organização considera que "vamos continuar a assistir ao espetáculo funesto das chamas consumirem dezenas de milhares ou centenas de milhares de hectares, sem que haja a menor expectativa de ver esta situação alterada nos anos mais próximos".
"Além dos fatores climáticos e geográficos, que na prática não podemos alterar e temos obrigatoriamente de viver com eles, existem uma série de outros fatores que podem ser alterados pela sociedade em geral e pelo poder político em particular". E aponta, à cabeça, a necessidade de cumprir e fazer cumprir a legislação da Defesa da Floresta Contra Incêndios.
Num comunicado assinado por João Branco e Miguel Serrão, a CPADA diz que "apesar de Portugal estar munido de legislação clara e pormenorizada sobre ações obrigatórias com vista a reduzir o risco, o impacto e as consequências dos fogos florestais, e apesar de quase todos os municípios estarem munidos de um Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios, verifica-se que em muitos casos esta legislação não é cumprida por muitas pessoas individuais e coletivas e por entidades públicas e privadas".
"Esta legislação obriga, entre outras coisas, à limpeza da vegetação em faixas ao longo das estradas, autoestradas e caminhos, em torno das habitações e um torno dos aglomerados urbanos. Basta ver as imagens de fogos florestais que passam nas televisões para constatar que muitas vezes estes preceitos básicos não são cumpridos", acrescenta a CPADA, que lembra que a expansão descontrolada do eucalipto e a dominância desta espécie em partes do território é outro fator "incendiário". "São centenas de milhares de hectares principalmente nos distritos de Viana do Castelo, Braga, Porto, Viseu, Aveiro, Coimbra, Leiria e Santarém, onde o eucalipto nasce sozinho sem intervenção humana formando manchas enormes que depois não têm qualquer tipo de intervenção e manutenção (por motivos de absentismo e descapitalização). Estas áreas de eucalipto são autênticos barris de pólvora, que vão arder mais cedo ou mais tarde e potenciar o crescimento descontrolado da área de eucalipto", frisa a associação.
No documento sublinham ainda que, "como os incêndios acontecem de forma recorrente nos mesmos locais, gera-se um círculo vicioso fogo/expansão do eucalipto no qual quanto mais eucalipto há mais arde e quanto mais arde mais crescem as manchas de eucalipto". Um último ponto toca numa velha questão, que diz respeito ao emparcelamento. "Em certas regiões é normal uma família ter 20 parcelas de terreno com área individual de um hectare espalhadas pelo território da freguesia. Esta dispersão das parcelas gera custos de exploração elevados e por isso muitas vezes os terrenos estão abandonados. Assim esta família, apesar de ter 20 hectares de terreno, de nada lhe aproveita. Se a mesma família conseguisse ter toda a área num único terreno, então teria uma única parcela com 20 hectares, o que na realidade já é uma pequena quinta e seria mais fácil obter rendimentos na atividade comercial. Ou seja, o minifúndio, que é estrutural, pode ser pelo menos parcialmente combatido através de ações de emparcelamento".
Com o regresso das festas e romarias, estão de volta os espetáculos de pirotecnia às aldeias de todo o país, mesmo que seja reconhecido por todos como um risco acrescido para os incêndios rurais. Por isso mesmo, as comissões de festas estão legalmente obrigadas a efetuar um pedido de autorização, com 15 dias úteis de antecedência, junto da câmara municipal da zona. E nesse documento tem de constar o nome da empresa de pirotecnia e respetivo número de alvará, data e hora proposta para realização do lançamento, medidas e precauções tomadas para salvaguardar a segurança de pessoas e bens, bem como a planta de identificação das zonas de fogo e lançamento, autorização do proprietário do terreno onde se vai proceder ao lançamento, acompanhada de documento de identificação do mesmo caso o lançamento seja realizado em terreno privado, apólice de seguro de acidentes e responsabilidade civil subscrita pela entidade organizadora, uma declaração da empresa pirotécnica com informações detalhadas, como o plano de segurança, de emergência e montagem, com indicação da zona de lançamento, distâncias de segurança e respetiva área de segurança, incluindo: tipo, quantidade e calibre dos artigos pirotécnicos a utilizar, peso da matéria ativa do conjunto dos artigos pirotécnicos utilizados na realização do espetáculo, identificação dos operadores pirotécnicos intervenientes no espetáculo e respetivas credenciais.
Os processos são analisados pelos serviços técnicos das câmaras municipais, podendo solicitar informações a outros serviços da autarquia ou pareceres a outras entidades, nomeadamente aos bombeiros e Autoridade Nacional de Proteção Civil. Só depois de avaliados os riscos é emitido o parecer do município, a quem cabe informar as autoridades competentes, nomeadamente a GNR ou PSP e os bombeiros voluntários da área de atuação.
dnot@dn.pt