Quatro democratas e uma republicana: a América vista pelos eleitos luso-americanos
Uns bisavós que foram dos Açores para as plantações de morangos de Cape Cod, uns avós de uma aldeia perto da Guarda que emigraram para Ludlow, uma mãe madeirense e um pai açoriano que se conheceram no liceu de East Providence, um bisavô português que foi casar ao Japão e cuja neta acabou no Massachusetts e uma avó portuguesa que foi para o Brasil, com o neto a chegar aos EUA aos 14 anos. Esta é a herança portuguesa de Dylan Fernandes, Jake Oliveira, Jessica de la Cruz, Erika Uyterhoeven e Danillo Sena. Cinco congressistas e senadores estaduais - quatro do Massachusetts, uma de Rhode Island (Jessica, a mais velha, 40 anos, e a única republicana) que estiveram em Lisboa para participar no Legislator"s Dialogue, iniciativa da FLAD - Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, este ano de novo presencial após uma pausa devido à covid.
Mais próxima ou mais afastada, a ligação a Portugal é uma realidade na vida destes eleitos norte-americanos. Mesmo se a maioria já não fala a língua- as exceções são Danillo que emigrou para os EUA com a mãe quando era adolescente e Jessica que teve o português como primeira língua - todos admitem que esta herança os aproxima dos eleitores que têm raízes portuguesas ou que são falantes de português. Dylan Fernandes, por exemplo, explica que a região que representa desde 2017 - Falmouth, Martha"s Vineyard e Nantucket - tem muitos novos imigrantes, "sobretudo vindos do Brasil para trabalhos sazonais". Já Erika representa uma zona onde a comunidade portuguesa não é tão forte, mas garante que "saber umas palavras em português é tão importante". Sobretudo com os mais velhos.
Convencer os mais jovens a aprender português ou a interessar-se pelas suas raízes é que é mais difícil. Não só porque as escolas que dispõem de ensino do português são poucas, como as atividades da comunidade acabam por se centrar muito em torno dos centros e associações de portugueses - vistos como uma coisa dos mais velhos. Mas há exceções. Jake Oliveira garante que em Ludlow, onde nasceu e que agora representa, "há um programa vibrante e forte de ensino do português que depois alimenta a Universidade do Massachusetts". Quanto ao facto de, mesmo assim, serem poucos os jovens a falar a língua dos antepassados portugueses, Jake encontra a explicação no desejo de integração dos emigrantes portugueses. E dá o caso da avó - hoje com 97 anos - que foi para os EUA com os pais e em casa falava português, mas a família "logo quis americanizar-se". E não passaram a língua aos descendentes. "Até a minha avó que cresceu a falar português agora já não fala nada".
Mas admite que os emigrantes mais recentes, aqueles que chegaram pouco antes do 25 de Abril, têm mais apego às raízes. O que, segundo ele, explica o dinamismo do clube português de Ludlow que em junho celebra os 100 anos. Ou a existência de um estádio de futebol na cidade - "o sucesso de Ronaldo fez muito por isso", exclama.
Também Jessica já perdeu muito do domínio do português. "Foi a minha primeira língua. Quando entrei para a escola chumbei no primeiro ano porque não tinha domínio suficiente do inglês!", conta. E recorda que foi na adolescência, com o maior envolvimento no desporto e nas atividades escolares que a mudança aconteceu. Agora, mãe de três filhos, lamenta que estes não falem português. Ainda tentou inscrevê-los numa escola com ensino bilingue - português e inglês - mas ficou sempre na lista de espera. Também não ajuda que agora viva numa zona onde a comunidade portuguesa é quase inexistente - apesar de Rhode Island ser o estado americano com a segunda maior população portuguesa per capita. A solução? Está a pensar mandar os filhos passar o verão com o avô. Depois da reforma, o pai de Jessica passa metade do ano nos EUA e metade em Portugal - "fazer amigos, imersão total, é a melhor maneira de aprender", diz.
Dylan confirma esta ideia de que os jovens não estão tão envolvidos nas atividades da comunidade. "Mas é mais consequência de se ser jovem e não quer necessariamente dizer que não se interessem pela sua herança cultural". E remata: "a nossa herança cultural, como tantas outras, é daquelas coisas a que aprendemos a dar valor à medida que envelhecemos".
Em ano de eleições intercalares, o primeiro grande teste nas urnas à Administração de Joe Biden, a conversa acaba inevitavelmente por tocar nesse tema. E questionados sobre os desafios de uma América que, vista da Europa, parece cada vez mais extremada, política e socialmente, Jake Oliveira faz questão de explicar. "De fora, as pessoas só veem o que se passa em Washington. Muito ódio, muitas divisões. Mas como membro da Câmara dos Representantes do Massachusetts posso dizer que costumamos trabalhar de perto com a maior parte dos nossos colegas republicanos". Dono de um sentido de humor inesgotável, o congressista eleito pelo 7.º distrito de Hampden (que inclui a sua cidade natal de Ludlow, Belchertown, Springfield e Chicopee) deixa as brincadeiras de lado para garantir que as tricas partidárias que fazem o dia a dia de Washington "não existem verdadeiramente a nível estadual no Massachusetts". E lembra que mesmo tendo "um governador republicano e um congresso democrata, fazemos as coisas acontecer no Massachusetts". Meio português, meio polaco - "sou aquilo que eu costumo chamar um "portopol"", brinca, arrancando umas gargalhadas aos colegas - este descendente de imigrantes de uma aldeia perto da Guarda admite que também no seu estado há divergências entre democratas e republicanos, mas "conseguimos encontrar um terreno comum" na maioria das vezes. O que verdadeiramente o assusta é ver que essa clivagem profunda que se vê em Washington está a chegar ao nível local, seja nas direções das escolas ou nos conselhos de administração das empresas. Por isso, sublinha a importância de iniciativas como esta da FLAD que junta eleitos de vários estados e de cores políticas diferentes.
Pegando nas palavras do colega, Danillo Silva recorda que alguns dos desafios que enfrentam no Massachusetts é a falta de casas e a melhoria dos transportes públicos. Além, claro, de questões mais globais como as alterações climáticas. E são algumas das áreas nas quais têm de trabalhar com a minoria republicana para conseguir avanços significativos.
Uma visão um pouco diferente tem Jessica de la Cruz. Aproveitando para dar "a resposta republicana", a senadora estadual - eleita em 2018 pelo 23.º distrito de Rhode Island e desde 2020 líder da minoria no Senado - acaba por concordar com Jake Oliveira. E sublinha que "por vezes as pessoas esquecem-se que no fundo democratas e republicanos têm objetivos semelhantes. Preocupamo-nos com as famílias, com o ambiente, com a habitação. Mas acreditamos em maneiras diferentes de resolver estes desafios". A filha de um picaroto e de uma madeirense, que imigraram para os EUA e se conheceram numa aula de inglês no liceu de East Providence, explica que em Rhode Island os republicanos são "superminoritários" e que se torna difícil fazer passar as suas propostas de lei. Mas conseguem trabalhar com a maioria democrata. Já a nível federal, o ambiente político é "venenoso", com os extremos de cada partido a dar-lhes má fama. E defende que o segredo é sentar-se à mesa e conversar.
Mas nem sempre é fácil. E Erika Uyterhoeven também destaca o quão extremada está a América que irá a votos em novembro para escolher uma nova Câmara dos Representantes federal, um terço dos 100 senadores e 39 dos 50 governadores dos estados. "É como um pêndulo, que balança para um lado e para o outro", diz a congressista, eleita em 2020 pelo 27.º distrito de Middlesex. Sublinhando que a América ainda está a lutar contra o seu "pecado original, de país que nasceu com escravos e através da opressão dos povo indígenas", Erika garante que como americana também de origem asiática são muitas as histórias que lhe chegam de agressões a membros de grupos minoritários. Como representante da ala mais à esquerda do Partido Democrata, a congressista estadual não esquece a luta por um sistema de saúde mais parecido ao europeu - "o que se tornou ainda mais evidente com a covid" - e pelo financiamento público da educação. E recorda como a ascensão de Donald Trump até à presidência trouxe a "culpabilização dos imigrantes" e estagnou os avanços nas questões que mais preocupam a classe média - da habitação às infra-estruturas, da educação aos transportes. "Será a nossa capacidade de dar respostas a estas preocupações que vai determinar o resultado destas intercalares".
Dylan Fernandes tem uma visão mais sombria do futuro da democracia americana. Aos 32 anos, o congressista do Massachusetts recorda a investigação ao ataque ao Capitólio federal, a 6 de janeiro, por apoiantes de Trump e sublinha como o antigo presidente fez "literalmente tudo o que podia para manter o poder e não aceitar os resultados de umas eleições que ele - como todos nós - sabia terem sido justas". Dylan vê como uma "descida a caminho da autocracia como nunca antes se viu na América" o facto de, além disto tudo, a maioria dos republicanos no Congresso estadual terem votado para reverter o resultado das presidenciais 2020, "mesmo sabendo que as eleições foram justas!" Reafirmando-se pouco otimista em relação ao futuro, Dylan acredita que as eleições dos próximos quatro anos vão decidir "se a América regride para outra forma de governo ou se permanece uma democracia".
Antes de os deixar regressar ao evento que os trouxe a Portugal, ainda tempo para uma nota final mais otimista. Jessica de la Cruz recorda que os pais emigraram para a América "por duas razões: liberdade e prosperidade. E encontraram ambas". E ainda hoje, sublinha a senadora de Rhode Island, "as pessoas continuam a vir para a América, arriscam as vidas para vir, tentam entrar ilegalmente porque acreditam que vir para a América é a melhor oportunidade que têm. Enquanto não assistirmos a um êxodo para fora dos EUA, acredito que a América é um lugar maravilhoso para se criar uma família e para viver".
Quanto às eleições em si, Jessica acredita que os republicanos vão tentar recuperar a maioria na Câmara dos Representantes federal, "talvez também no Senado". Mas "depende para que lado pende a balança".
Uma opinião que leva Jake Oliveira a reagir, sublinhando que também ele admitia haver fortes probabilidade de os republicanos recuperarem a maioria numa das câmaras, mas a fuga para a imprensa de que o Supremo Tribunal estará a pensar reverter o direito ao aborto consagrado desde 1973 "vai ter profundas consequências nas eleições e pode fazer com que os democratas segurem a maioria".
helena.r.tecedeiro@dn.pt