Quase não há coelhos para caçar no Baixo Alentejo. A culpa é da febre hemorrágica
Quando há dez anos saía para uma jornada de caça José Manuel Batista disparava uma média de 40 tiros, à ordem de dois ou três por peça, consoante a pontaria mais ou menos afinada. Hoje não vai além de dez a 15 disparos e ainda acumula cartuchos que sobraram do ano passado. "Não há caça, isto bateu no fundo", queixa-se ao DN, numa altura em que os coelhos e lebres, dizimados pela febre hemorrági-ca, são quase miragem para a maioria dos caçadores. Há quem já sugira um "vazio sanitário" nas zonas onde em tempos os coelhos abundaram para tentar recuperar a espécie.
A versão de José Manuel Batista, que caça nos terrenos do regime ordenado do Baixo Alentejo, é transversal a outros caçadores que se juntaram no Movimento Caçadores Mais Caça (MCMC) para reivindicarem medidas junto do Ministério da Agricultura. "Andamos pelos campos e encontramos coelhos bravos mortos por causa da febre hemorrágica. Estamos a assistir à extinção desta espécie tão importante para a caça", alerta, lamentando que não haja vacinas que minimizem a situação, desconhecendo o destino que é dado aos exemplares mortos. "Alguns até parecem saudáveis, mas quando os abrimos percebemos que o fígado está afetado pelo vírus. É uma tristeza".
A doença hemorrágica nos coelhos é conhecida há 15 anos. Começou por dar sinais preocupantes em Espanha, sobretudo na região a sul, tendo os caçadores do lado de cá da fronteira acreditado que poderiam passar ao lado do vírus. Até porque era detetado em populações muito determinadas. Ou seja, numa mesma reserva de caça poderia dizimar coelhos apenas numa zona.
Mas em 2012 a doença atacou em força no Baixo Alentejo, onde surgiram os primeiros coelhos mortos com a febre hemorrágica e estendeu-se a outros pontos do país. De acordo com um veterinário ouvido pelo DN, a patologia começou por ser padronizada, afetando indivíduos adultos, mas após uma mutação passou também a ter efeitos em coelhos jovens.
Resultado: a caça ao coelho abriu a 1 de setembro, mas os caçadores não estão a encontrar exemplares nos campos. "Os únicos coelhos que existem são os que se tornaram imunes à febre hemorrágica", avança Eduardo Biscaia, presidente da Federação Portuguesa de Caçadores e Proprietários, admitindo que em breve também estes sejam dizimados. "Poderão fazer alguma procriação mas vão morrer nos meses seguintes, porque o Estado permite que se cacem os últimos coelhos que estão imunes", denuncia, lamentando que a febre hemorrágica careça de investigação apesar de se alastrar há vários anos. "Os técnicos da administração apenas nos pedem que apanhemos os coelhos mortos e os levemos para se confirmar a doença", refere, receando também o extermínio da espécie.
Contactado pelo DN, o veterinário Carlos Raposo - caçador há décadas - arrisca uma eventual solução para o combate à doença: um "vazio sanitário" nas zonas onde existiram as maiores populações de coelhos. "A ideia era ver se os coelhos que ficam arranjam uma resistência natural. Depois era criar-lhes as condições para que se reproduzissem e desenvolvessem em grande número. Só depois se poderia pensar em voltar a caçar esta espécie", explica.
Lebres e veados doentes
Mas as preocupações dos caçadores não se resumem aos coelhos. Eduardo Biscaia alerta para o avanço da tularemia, uma doença transmissível ao ser humano em caso do manuseamento de espécies afetadas, que está a atacar lebres em todo país, enquanto José Manuel Batista, membro do MCMC, chama a atenção para os perigos da brucelose entre os veados junto à raia (Barrancos, Moura, Serpa). "Os veados estão a pôr em causa o gado bovino por via do contágio. Os veterinários estão a rejeitar esta caça para consumo humano", refere, alertando que a Andaluzia espanhola está a tomar medidas contra o fenómeno. Numa altura em que a escassez cinegética se estende às perdizes ou codornizes por falta de alimento, sobra pouco para quem gosta de caçar. Apenas pombos e tordos.