quarenta anos em constante movimento

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No contexto politicamente electrificado da música africana da década de 70, Bonga Kwenda, a par do nigeriano Fela Kuti, era uma das figuras mais relevantes da africanidade que advogavam o abandono dos padrões da civilização europeia (ou seja, do colonizador) e a adopção dos valores tradicionais do mundo africano. No entanto, foi a militância política e social que expressou através da música, a partir de 1972, que o manteve nas mentes e corações dos angolanos.

Ao contrário de Cesária Évora, que não manifestava uma ideologia política, Bonga era, pelo menos até à independência de Angola em 1975, um adepto fervoroso da resistência através da cultura. Com as línguas e religiões autóctones proibidas, na altura do regime, Bonga e o colectivo multiétnico que dirigia em 1972 recuperavam as tradições musicais angolanas, unindo-as a letras de resistência ao domínio português, cantadas em umbundu. Apesar de tudo isto, Bonga foi um dos primeiros músicos africanos a interpretarem o tema Sodade, cerca de 18 anos antes de Cesária Évora o eternizar em 1992.

Nascido José Adelino Barceló de Carvalho, em 1943, Bonga revelou desde cedo o talento para o atletismo, que o tornou, aos 23 anos, recordista nacional na modalidade de 400 metros. Aliás, a sua entrada em Portugal, em 1966, deu-se a convite do Sport Lisboa e Benfica, devido ao sucesso que tinha atingido no S. Paulo do Bairro Operário de Angola.

Apoiante do MPLA, Barceló de Carvalho utilizava a mobilidade que o seu estatuto enquanto atleta recordista lhe proporcionava para transmitir mensagens entre os exilados na Europa e a resistência anticolonial em Angola. O seu nome de guerra, Bonga Kwenda, significa, aliás, "aquele que está à frente e em constante movimento", o que para além de lhe garantir um certo anonimato num clima de perseguição política era também uma declaração de objectivos e um símbolo do olhar progressista que o cantor tem mantido ao longo da carreira.

Após a independência de Angola em 1975, Bonga, já afastado do MPLA, desenvolve militância pela UNITA e manifesta-se a favor das primeiras eleições livres em Angola, que foram, em 1992, interrompidas pela guerra civil de Angola.

Com aquilo que considera a descida da sociedade africana pós-colonial para a corrupção, a pobreza e a violência, Bonga dirigiu a sua militância para o estado da Angola contemporânea, mantendo (paradoxalmente) residência permanente em Lisboa. Aliás, canções como Maria Kasputo ou Paz em Angola referem a perda dos valores tradicionais nas comunidades emigrantes e a guerra civil de Angola, respectivamente.

Tendo atingido o estrelato em À frica e na Europa, o primeiro artista africano a atingir o disco de platina em Portugal vem no dia 8 ao Coliseu de Lisboa.

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