Quando votar é mera obrigação
Quem, como eu, não tenha filiação partidária, perante o desenrolar desta campanha, só pode encarar o voto, no próximo dia 20 de Fevereiro, como um direito ao qual nos sentimos obrigados. O que, como exercício de liberdade, não é nem estimulante nem desejável!
Não me surpreende, por isso, que muitos amigos e conhecidos digam que a única forma de conciliarem o espartilho partidário com os seus deveres de cidadania será o voto em branco. Para outros, será, mesmo, a pura abstenção.
Ou seja, no Portugal do século XXI, com 30 anos de democracia em cima, "aquilo" que durante quase meio século nos foi negado - e eu tive essa experiência - é, hoje, pura e simplesmente malbarateado.
O voto tornou-se, assim, no mal menor. São menos aqueles que vão convictamente votar num partido e num programa do que aqueles que o vão fazer, não por concordância, mas apenas para excluírem qualquer dos outros. O que é uma perversão do sentido do voto, que, deste modo, funciona mais como punição que como expressão de apreço ou respeito pelo trabalho desenvolvido.
Esta afirmação é tão verdadeira que, se algum dos políticos em campanha perguntasse a um potencial eleitor qual era o candidato que, no seu distrito, ia em terceiro ou quarto lugar na lista apresentada pelo seu partido, muito poucos saberiam responder E se a questão se pusesse relativamente ao programa desse partido para a sua região, então a resposta, a existir, seria de arrepiar, porque revelaria, na sua total nudez, não só a nossa impreparação como a mediocridade da mensagem partidária.
Assim, no dia 20, estaremos perante uma massa de gente que expressivamente irá votar contra alguém ou contra alguns partidos. E mesmo desses, poucos conhecerão qual o projecto que o seu voto destina para Portugal. Este é, para muitos de nós, o grande drama da política portuguesa.
Drama no qual, aliás, uma parte da responsabilidade cabe aos políticos. Os quais, mais do que esclarecerem os portugueses, estão empenhados em mostrar como são fracos os líderes e os programas dos outros partidos.
Não se descortina qualquer preocupação pedagógica, didáctica, ao longo deste período de campanha eleitoral, que leve o eleitor a querer perceber, mais e melhor, o que os futuros governantes têm em mente para o País. Ou, mais assustador ainda, nada nem ninguém nos esclarece "como" e "quando", esses objectivos vão ser conseguidos, e "o que é que", em concreto, vai ser pedido a cada um de nós e "por quanto tempo".
A mim, pessoalmente, não me interessam, apenas, os programas. Interessa-me saber quem os vai executar e à custa de que sacrifícios.
Porque apesar de os primeiros poderem merecer a minha concordância, nada garante que os segundos não sejam excessivamente altos para os fins em vista. E eu até julgar, então, que as prioridades, face aos sacrifícios pedidos, devam ser outras. Em economia, chama-se a isto fazer a análise dos custos/benefícios. Este exame é tido como vital, para quem tenha de decidir. Ora, no caso vertente, a decisão cabe a todos nós.
Daí a enorme responsabilidade que impende sobre aqueles que sabem que devem votar, mas não encontram na panóplia partidária posta à sua disposição a mínima resposta às suas preocupações.
É por isso que eu tenho muita inveja de quem, nesta altura da sua vida cívica, não enfrenta quaisquer dúvidas. É que só quem as tem sabe avaliar o que representa votar nestas circunstâncias e ficar com a consciência tranquila.
Na minha vida só uma vez votei com o coração. E fiquei com um peso na alma muito grande. Uma sensação de ter usado um instrumento em favor de um dos meus. Não podendo, pela via do afecto, ter feito de outro modo, prefiro nem olhar para o dr. Louçã que me lembrará, até ao resto dos meus dias, como o coração pode ser enganador! De então para cá, o meu voto - que, de modo eufemístico, me dizem ser um direito alcançado após o fim da longa noite fascista - tem sido uma verdadeira obrigação. E uma obrigação bastante penosa, que exerço, como diz a sabedoria popular, para perdão dos meus muitos pecado!