"Quando vi o filme em Cannes ri-me até chorar"
Desde Cannes que tem acompanhado o fenómeno de popularidade deste filme. Como é que tem reagido a tudo isto? Não é tudo um pouco avassalador para si?
Não tenho estado nos festivais todos porque sou um ator de teatro e tenho estado a trabalhar sob contrato em Viena. Hoje, por acaso, consegui estar cá porque não tenho espetáculo. Mas promover um filme não é um fardo.
Também ajuda estar a promover um belo filme, não?
Sim, tem toda a razão... Se este filme fosse mau não estaria aqui a falar consigo. Seja como for, não estava à espera de que as pessoas gostassem tanto deste filme nem de todo este sucesso. Estávamos, confesso, com muita esperança. Fiz alguns filmes ao longo da minha vida e não é todos os dias que se consegue a competição em Cannes. Em 40 filmes fiz para aí uns quatro ou cinco bons, o que já é muito... Acho que tem muito que ver com sorte, sobretudo quando se chega à fase da caminhada para o Óscar. Creio que Toni Erdmann toca muitos públicos devido ao tema pai-filha - talvez seja isso: as pessoas reconhecem esse problema com os pais através da sua própria vida. Na Polónia, quando estava na cerimónia dos Prémios do Cinema Europeu, uma jovem veio ter comigo e agradeceu-me pelo filme, dizendo-me que tinha uma péssima relação com o pai e que mal viu o filme sentiu-se compelida para o convidar para jantar... Não se falavam há sete anos! Para mim, essa história foi como um prémio. Acima de tudo, é um filme com uma bela história e com uma dramaturgia verdadeiramente forte. Quando aparece a dentadura da minha personagem o espectador já não tem hipóteses de escapar. Toda a narrativa tem um bom timing e aguenta muito bem a sua duração - o público não larga as personagens e depois torna-se realmente muito divertido. Quando o vi em Cannes ri-me muito. Ri-me até chorar. Na verdade, a Maren Ade tentou cortar a duração para apenas duas horas mas depois disse-me que mais curto o filme parecia mais longo.
Interessante essa mistura: chorar e rir ao mesmo tempo.
Foi o que me aconteceu na segunda vez que o vi, precisamente em Cannes - deixei-me ir. A primeira vez, num visionamento privado, estava com muita tensão, embora tenha logo percebido que o filme era muito bom.
É verdade que continua a andar no bolso com a dentadura de Toni Erdmann?
Sim. É um bom souvenir do filme. Eis a dentadura [coloca na boca], mas às vezes esqueço-me...[risos]. Esta é uma delas, filmámos com mais seis ou sete. Claro que quando pomos esta dentadura é uma ajuda grande para ficarmos Toni Erdmann! Uma dentadura que nos dá uma certa loucura e causa surpresa nos outros. Conto-lhe uma coisa: usei uma dentadura idêntica agora numa peça do Goldoni. Depois de Toni Erdmann, uma dentadura para Goldoni... estava desesperado!
Provavelmente, não há acasos... o seu pai era dentista.
Pois, nem queria acreditar. É o destino. Já punha dentaduras na escola de atores. Graças ao meu pai aprendi até a saber técnicas sobre moldes dentários.
E refletiu muito sobre estar a interpretar um homem que interpreta uma personagem?
Foi irónico. Mais do que um desafio, isso foi um regalo. Gostei muito, sobretudo no primeiro momento em que ele se dirige à filha e às colegas com a dentadura.
Como conseguiu estabelecer com Sandra Hüller toda aquela osmose?
Chegámos a ver muitas outras mulheres. Experimentámos umas oito ou dez filhas. Para mim, a Maren ainda me fez dois castings e depois decidiu que seria eu o seu Toni. A partir daí começámos à procura da filha. Mas mal vimos a Sandra percebemos que era ela. Ainda me apaixono por um bom ator ou por uma boa atriz e sempre achei a Sandra uma excelente atriz. Foi feita para este papel.
E então o que acontece quando contracena com alguém que não é um bom ator?
É como no ténis. Se jogarmos com um mau jogador ainda ficamos pior. Quando contraceno com um mau ator, fico também mau ator. Representar é uma coisa em conjunto. Tem tudo que ver com perguntas e respostas.
Perfil
Nasceu em Graz, Áustria há 72 anos.
É membro do Burgtheather em Viena.
Venceu com Toni Erdmann um dos mais importantes prémios do cinema, o troféu de melhor ator na Academia de Cinema Europeu.
Este ator austríaco que é admirado pelo encenador português Jorge Silva Melo vai ser visto na próxima Judaica em Lou Andreas-Salomé, de Cordula Kablitz-Post. A última vez que o vimos em cinema em Portugal foi em Outubro Novembro, de Gotz Spielmann.