Quando José Pedro Croft encontra Siza
Foi uma despedida com sabor a recomeço. Álvaro Siza percorreu no sábado, pela última vez, a exposição que o levou de novo ao bairro da Guidecca e aos blocos de apartamentos que projetou no início dos anos 1980, com a promessa de que serão concluídos. A Bienal de Arquitetura encerrou no sábado e foi dia de passagem de testemunho para José Pedro Croft, que representa Portugal na Bienal de Artes Plásticas em 2017.
"Estão reunidas as condições. Há sete concorrentes e é coisa para se fazer num ano", afirma Siza, após a visita guiada, sobre a finalização do edifício. Nas próximas semanas conhecer-se-á o vencedor, as obras podem recomeçar no próximo ano, entregando os últimos 19 apartamentos deste projeto de habitação social na ilha de Giudecca, convertidos em pavilhão de Portugal por seis meses para a 15.ª edição da Bienal.
Federica Buono, Dario Colapinto e Ivana Fuscello, estudantes de Arquitetura do Politécnico de Bari, apanharam o barco junto à praça de São Marcos até à Giudecca e percorrem a Calle Michelangelo para ver e ouvir Álvaro Siza falar sobre o projeto que desenhou nos anos 1980 para o Campo di Marte.
O espaço estava tão cheio como na noite anterior, sexta-feira, quando a Aula Magna da reitoria da Escola de Arquitetura se tinha enchido para ouvir Siza falar de Aldo Rossi (1931-1997) com o reitor, Alberto Ferlenga. Where Alvaro Meets Aldo (Onde Álvaro Encontra Aldo) é o nome da exposição, lembrando o encontro das escolas de Veneza e do Porto, nestes dois arquitetos, um italiano e um português, no mesmo ano em que o livro A Arquitetura da Cidade, de Rossi, completa 50 anos. Há uma cópia numa vitrina. "Não é um original, mas mesmo assim foi roubado duas vezes da exposição", conta Nuno Grande, que dividiu a curadoria com Roberto Cresmascoli.
Nuno Grande recua a janeiro quando o nome de Siza foi anunciado como representante da Bienal de Arquitetura. Houve quem se perguntasse porquê. O curador responde com o programa do curador-geral, o chileno Alejandro Aravena, Pritkzer em 2016. "O que se pode fazer na frente da batalha? Qual é a diferença que um arquiteto pode fazer?". A resposta: "Siza foi um dos arquitetos que começaram a carreira com habitação social."
Siza expôs pela primeira vez em Veneza em 1976, a convite do arquiteto Vittorio Gregotti. A exposição chamava-se Europa-América e o arquiteto mostrava os seus projetos no âmbito do SAAL (Serviço Ambulatório de Apoio Local), no Porto e nas Caxinas (Vila do Conde). Em 1984 é convidado a participar num concurso de habitação social para a Giudecca, a ilha onde, dizem os seus habitantes, vivem os últimos venezianos (50 mil habitantes em Veneza para 20 milhões de turistas por ano). Propõe dois blocos de apartamentos, dispostos em forma de L, cada um com cerca de 60 metros de comprimento. Só um, o maior, fica completo. Do segundo fizeram-se fundações, assentaram-se placas e vigas, levantaram-se paredes. A construtora faliu em 2006 e o esqueleto ficou à vista de todos na Giudecca. Dois outros projetos vencedores, o de Aldo Rossi e de outro italiano, Carlo Aymonino, estão construídos. Um quarto, do espanhol Rafael Moneo, não chegou a ver a luz.
A Bienal levou Siza também ao Bairro da Bouça, no Porto, a Haia, na Holanda, e a Berlim, onde o edifício ficou conhecido como Bon Jour Tristesse, registadas nos quatro documentários dos jornalistas Cândida Pinto e Rodrigo Lobo, que fizeram parte da exposição e vão estar disponíveis online. Ouviu as queixas de quem vive as casas. O barulho, dizia um; a falta de janela na casa de banho, dizia outra, que no sábado estava entre a assistência. Questões técnicas. "Não alteram o desenho", garante o Pritzker de 1992. "Num projeto há sempre aspetos positivos e aspetos prejudiciais", começa. "Um projeto de arquitetura consiste em encontrar um ponto justo de abordagem dessas contradições", defende. Como na apresentação, minutos antes no pavilhão, insiste na importância da beleza, "o pecado do arquiteto". "A beleza é a resolução de outros aspetos."
A exposição será agora transportada para Lisboa, onde, em novembro de 2017, inaugura no CCB. "Terminamos hoje e no domingo vamos sentir a nostalgia", resumia Paolo Baratta, diretor da Bienal, no curto discurso num jantar que reuniu a delegação portuguesa.
Croft em 2017
A Direção Geral das Artes está já a preparar a Bienal de Artes Plásticas e José Pedro Croft, "inspirado por Siza", as peças, que "serão instaladas na vizinhança do Campo di Marte", segundo a diretora geral das Artes, Paula Varanda.
Croft mostrou na Giudecca alguns dos estudos que tem feito para a Bienal que decorre no próximo ano. Peças de ferro com 8 metros de altura que suportam lâminas de vidro ou espalho com 3x6 metros de altura ou espalho, com 1 tonelada de peso. "Integra a paisagem na escultura, mas altera a perceção da paisagem", refere o artista plástico, antecipando um diálogo com a arquitetura "essencial e austera" de Álvaro Siza. A sua participação prevê também uma fonte que ficará ao lado de um dos edifícios de Siza. Fechando o círculo no Campo di Marte.
Em Veneza
A jornalista viajou a convite da Casa da Arquitetura