Quando faz sentido ser bilionário...

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Li com prazer e alguma sofreguidão um apontamento do Relatório HURUM referindo o maior filantropo do último século, Jamsetji Nusservati Tata, o fundador do Grupo Tata, que teria doado 102,500 milhões de dólares, tendo ainda inspirado a criação de trusts filantrópicos que detém 66% da Tata Sons, para continuar assim a contribuir ativamente para o humanitarismo no País.

A Tata Sons tem participações no capital das Empresas que constituem o Grupo Tata, com valores que oscilam entre os 25 e os 100%, não igual em todas elas, mas o suficiente para ser uma referência e poder ditar as políticas da empresa. E os dividendos auferidos pelos trusts filantrópicos são canalizados para fins caritativos.

"Jamsetji N. Tata, que fundou o Grupo Tata em 1868, era pessoa de excepcional energia (...). Tinha criado um negócio de têxteis de grande sucesso, começando coma Empress Mills em Nagpur. Tinha posto em prática um Plano para uma fábrica integrada de aço para a India, moderníssima, em Jamshedpur. Tinha planeado produzir energia elétrica limpa para a sua cidade de Mumbai, num ambicioso projeto hidroelétrico. Em 1892, criou um fundo de dotação para a educação no estrangeiro de estudantes indianos promissores, o primeiro do seu género.

Depois, investiu grande esforço para convencer o país da necessidade de uma universidade para a educação superior e Investigação Científica. E, em 1903, o famoso Taj Mahal Hotel, em Mumbai, criado por ele, o melhor hotel no Oriente, abria as suas brilhantes portas." (in Tata Stories, Harish Bhat, Penguin Random House, India, 2021, pg. 173).

Jamsetji faleceu em 1904 mas os dirigentes que se seguiram ao leme do Grupo, na maioria familiares/descendentes seus, foram interpretando as necessidades do país, dando realização às ideias de fazer o bem, ao serviço dos cidadãos, como fizera Jamseitji. Surgiram assim também o Tata Institute of Sciences, em Bangalore (em 1911), o Tata Memorial Centre (em 1952), em Mumbai, para tratar o cancro, com acesso a qualquer pessoa, sem custos. Antes da Independência figurava neles o nome Tata, para se demarcar do colonizador em algumas das Instituições de vulto, como o Institute of Sciences, o Memorial Centre, etc, que depois da Independência já não o necessitavam.

Gestos de generosidade comprometidos com a melhoria do nível de vida dos cidadãos do seu país, quando conhecidos e recordados, são uma permanente fonte de inspiração, para pessoas com um mínimo de sensibilidade e atenção ao próximo, donde brotam novas ideias, novas Fundações, novas ONG, novas instituições filantrópicas, novas empresas de tipo social, para beneficiar o país e nele, em primeiro lugar, as populações mais carentes.

Jamsetji estará a receber, com certeza, o agradecimento de muitos milhões que foram alvo dos seus atos de generosidade: dos que receberam uma bolsa de estudos, para continuarem no país; ou, pela sua capacidade intelectual, foram estudar nas melhores instituições estrangeiras; ou receberam serviços de saúde e o tratamento do cancro, sem encargos; ou os que trabalharam nalgum período da sua vida numa das empresas como a Empress Mills ou a Tata Iron and Steel Company Limited, a Tata Tea, Tata Motors, a TCS-Tata Consultancy Services, etc. que fabricam produtos ou serviços que a sociedade necessita.

Jamsetji é a forte referência humanitária para quantos o conheceram ou venham a conhecer a sua ação. Talvez, por isso, se tenha expandido a forte tradição filantrópica, desperta no encontro com amplos estratos sociais que foram longamente esquecidos e viveram em péssimas condições.

Quando veio depois a ocupação colonial, ela entreteve-se a levar tudo quanto pode e deixou o país mergulhado na fome e miséria.

Após a Independência, o modelo económico de tipo soviético, pensado para resolver os problemas prementes da pobreza e desenvolvimento, foi a causa da maior estagnação, em parte por falta de preparação dos dirigentes das instituições de produção, quer das cooperativas, quer de empresas industriais, nas mãos do Estado. Os dirigentes malbarataram recursos talvez por incompetência, com pouco conhecimento do negócio que dirigiam, acumulando perdas num país já deixado pobre.

Em todo o período pós-independência surgiram notáveis iniciativas como o Aravind Eye Care System, que cresceu a ponto de contar hoje com 14 hospitais e onde só uma pequena parte paga a sua conta, sendo os outros tratados gratuitamente; surgiu o Barefoot College, em Tilonia, Rajhastan, nas zonas e populações mais pobres que estão a evoluir depressa; o Jaipur foot que coloca próteses do pé, para quem o perdeu, por uma quantia irrisória, permitindo-lhe que faça uma vida quase normal... e iniciativas de microcréditos, de self-help groups, a Federação de Cooperativas de Leite de Anand com a marca AMUL, etc., etc.

Pouco depois da noticia sobre Jamsetji Tata, não sem surpresa li que a India tinha a terceira maior população de "bilionários" do mundo, depois dos EUA e da China (Cfr. Wealth Report de 2022 de Knight Frank). A India contava com 145 bilionários, em 2021.

Se é bom que haja bilionários, e muitos, que são os potenciais fazedores de bem, eles valem na medida em que os seus bens são aplicados com um claro sentido de propósito, na melhoria das infraestruturas do ensino, da saúde, ou para assegurar condições mínimas de vida para todos... procurando sempre a maior eficiência na aplicação dos fundos.

É natural que os 145 bilionários ao amealhar a enorme soma, tenham feito muitas aplicações filantrópicas, através de fundações próprias ou no apoio a iniciativas de outros em marcha, ou doações pontuais às milhares de ONG que atuam junto das populações pobres. E que tenham também desenvolvido negócios/empresas úteis para o país, com milhões de postos de trabalho.
Na verdade, amealhar e ter uma rica conta no Banco, para levar uma vida luxuosa é ofensivo para quem, à sua volta, pouco ou nada tem. O episódio de Lázaro e do Epulão, descrito com grande subtileza por Jesus Cristo, nos Evangelhos, deve ser um bom retrato que as pessoas e Famílias ricas da India não desejarão ver reproduzido na sua vida, pelas opções já feitas de aplicar os bens em criar riqueza e trabalho.

Com o devido tempo e à medida que muita atividade económica arrancou na India, a partir do ano 1991, com a mudança do modelo económico para o de livre iniciativa, apareceram pessoas que lançaram projetos muito rentáveis nos domínios das Tecnologias de Informação, das telecomunicações, dos produtos farmacêuticos, da produção de bens de consumo alimentares, de automóveis, de empreendimentos turísticos, com enorme valorização do capital investido.

E muitas fundações apareceram então, com finalidades sociais, como fez Shiv Nadar (Fundador da HCL), Azim Premji (Fundador da WIPRO), o grupo fundador da Infosys, cada qual com a sua Fundação, e muitas, muitas outras.

Partindo de empreendedores com provas dadas, não é por casualidade que tais Fundações têm enorme atividade na linha dos seus objetivos. Fundações para responder aos temas da saúde, para a instrução básica, secundária ou avançada; para a melhoria do sistema educativo, ou para a melhoria da formação dos Professores e realização de R&D no campo do ensino.

O número total de Fundações promovidas pelas empresas Indianas ligadas à Responsabilidade Social Corporativa eleva-se hoje a 187. Terão talvez uma atividade mais limitada. Contudo, se lá houver dirigentes com visão elas podem vir a ser um instrumento de grande alcance social.

Ainda de acordo com o Wealth Report 2022, o número de famílias indianas com ativos de valor superior a $30 milhões aumentou 11%, no último ano. Situa-se atualmente nos 458 000.

As grandes assimetrias que ainda perduram no país, com uma abundância de pobres e carenciados, serão certamente alvo da atenção imediata dos que têm posses e desejos de as aplicar para ajudar a elevar o nível de bem-estar de todos. Entre eles conta-se uma elevada percentagem de crianças subnutridas, e a elas muito importará não ficar com sequelas da insuficiente alimentação, com reflexos inevitáveis no seu desenvolvimento físico e intelectual.


Professor da AESE Business School (Portugal); autor do livro The Rise of India.

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